domingo, 3 de maio de 2009

O PENSAMENTO DO DIA

“Hoje, o verdadeiro desafio para a política é perseguir a economia no caminho da globalização, alcança´-la e monta-la a fim de regular seu passo e disciplinar sua força. Uma globalização sem regras e sem instituições traz consigo uma carga de anárquica dissolução de toda possível segurança para os indivíduos e para os Estados. Nossa genda, na realidade, é muito clara. No imediato, temos que controlar a crise financeira e retomar o desenvolvimento da economia real para superar a recessão. E Num plano mais estrutural, nossa tarefa é enfrentar as três grandes contradições da globalização: o problema da desigualdade social e a luta contra a pobreza; os conflitos étnico-religiosos e entre civilizações e culturas; os riscos ambientais, em primeiro lugar, a mudança climática.”


(Massimo D’Alema, ex-dirigente do PCI, atual dirigente dos Democráticos italiano, no artigo “Governar o mundo novo”, revista Política Democrática/FAP, nº 23, pág. 159.)

Um novo enredo

Fernando Henrique Cardoso
DEU EM O GLOBO

Será que Obama terá as condições para dobrar o "espírito de Wall Street"?

De vez em quando, a História prega uma peça a seus principais protagonistas. Mas também às vezes, alguns desses são capazes de reescrever o enredo para sair da entalada. Até agora, tem sido o caso de Barack Obama. No começo de sua corrida para a Casa Branca poucos apostavam nele. Vitorioso, ele entrou em cena como um César negro, cheio de ânimo e de promessas.

Mas o cenário e o script não poderiam ter sido piores: recebeu a herança de Bush, com suas guerras, arrogâncias e déficits fiscais e, ainda por cima, elegeu-se em meio à voragem de uma crise financeira global.

Obama, em seus cem dias inaugurais, vem conseguindo redesenhar o quadro. Não que tivesse feito milagres com a economia, pois isso não existe. Mas teve a sabedoria de emitir os sinais que se esperavam, exercendo uma liderança moral no mundo. Para embasar seus passos, começou cumprindo o prometido. Enviou ao Congresso uma proposta orçamentária audaciosa na qual reafirma seus compromissos na delicada área da saúde pública e sua atenção voltada para a classe média e para os mais pobres. E se jogou na construção de um roteiro internacional de restabelecimento da confiança. Começou por nomear sua contendora secretária de Estado, demonstrando segurança e bom cálculo político. Designou como enviados especiais para as áreas mais sensíveis do mundo, pessoas de diálogo.

Dirigiu-se ao Irã sem rodeios; começou a se descompromissar com os falcões do Oriente Médio, não teve medo de caretas na América Latina e deu passos, ainda tímidos, para descongelar Cuba.

Não é pouca coisa.

É certo que na resposta à crise o governo Obama se mostrou mais tímido do que na cena política. Em encontro em Nova York, no começo de abril, com Georges Soros — que apoiou Obama muito antes dele parecer capaz de vencer as primárias —perguntei-lhe sobre como via o início do governo. Não hesitou: vai tudo muito bem, mas ainda é tímido na contenção da crise e, quem sabe, ainda está muito influenciado por quem reduz o mundo a Wall Street. A meta, até agora, tem sido a de queimar reservas de confiança financiando, à custa do futuro, todo e qualquer buraco financeiro que surja. Pode até dar certo, mas o preço (digo eu, não Soros) será um horizonte inflacionário, uma puxada na taxa de juros para evitar o desmoronamento do dólar e um stop and go da economia que cresce um trimestre, outro patina.

Como o artista é competente, talvez dê para redesenhar o quadro e, a despeito das dificuldades econômicas, projetar u m f u t u ro d e m a i o r confiança e de paz. O encontro do G-20 em Londres foi auspicioso.

Desde o tempo das cris e s f i n a n c e i r a s d o s anos 1990, eu venho insistindo na tecla: o FMI é antes fraco do que forte, ranheta com suas condicionalidades porque sem recursos de imaginação e de dinheiro para salvar quem precisa dele; o Banco Mundial tem menos recursos do que o BNDES; as organizações financeiras internacionais de internacional têm o nome, pois o processo decisório está concentrado na mão de poucos, quando não de um só, e assim por diante.

Esse discurso, agora, é o de todos. E o que é melhor, políticas transformadoras começam a ser postas em prática, embora ainda não no que é essencial: no compartilhamento de poder decisório. Será que Obama terá a grandeza e as condições para dobrar o “espírito de Wall Street” e deixar claro que o mundo é mais do que um mercado? Os sinais iniciais foram auspiciosos, repito. Mas é necessário mais. A encruzilhada que a crise financeira criou para o mundo tem mais que dois caminhos.

Um, certamente seria suicídio, o do fechamento das economias, aumento de protecionismo, crença em demagogos nacionalisteiros e autoritários, como ocorreu pós 1929 e como, ingenuamente e com prisma invertido, parecem crer alguns líderes regionais. Mas também iria por mau caminho a pura reconstrução da ordem que pegou fogo com a crise, a do fundamentalismo de mercado e da arrogância unilateral na política externa.

É bem verdade que, para a construção de uma ordem mundial melhor (a ver se, com realismo, outro mundo é possível), não basta o querer nem basta que o líder do país mais poderoso a deseje. É necessário que vários queiram, que haja sensatez no querer e que se abram condições econômicas para um ganho compartido. Nesse ponto entram as possibilidades e as dificuldades do Brasil. Nunca como hoje — diria o presidente, e neste caso com razão —houve tão boas condições para que os países emergentes alcem a voz. Mas esta deve ser, ao mesmo tempo, firme e sensata, pouco gaiata, esperançosa, mas não utópica.

O exercício de compartilhamento de liderança pode começar e m n o s s a re g i ã o . O Mercosul é bom exemplo de área de política externa na qual um rumo mais claro é precondição para evitar seu congelamento na irrelevância.

Que ele representa um avanço é certo, mas que está patinando é mais certo ainda.

E não só. Para que tantas declarações políticas conjuntas na região se não há converg ê n c i a s re a i s ? P a r a que, num ingênuo embalo de “sulismo”, criar bancos latino-americanos novos se os antigos já estão de sobra? E não seria hora de reforçar o compromisso democrático do Brasil, sem restringi-lo às nossas fronteiras? Em outro plano, cabe receber neste momento um líder que desperdiça a chance de paz com respeito e dignidade — que o mundo islâmico merece — sem uma palavra de amizade, mas também de reparo à ofensa feita à memória dos que foram assassinados? Os sinais emitidos por Obama abrem caminhos para termos maior relevância. O que foi feito no Brasil, durante os últimos vinte anos na reconstrução da ordem democrática e econômica, na construção de políticas capazes de aliviar a pobreza etc, credencia-nos como participantes da reconstrução da ordem mundial. Mas aqui como nos EUA de Obama, em sentido talvez invertido, se a economia limita o impulso renovador em outras áreas, a falta da palavra bem posta na hora certa pode diminuir as chances de êxito nesta empreitada que não é de um só, mas de muitos.

Atravessou o samba

Nas Entrelinhas :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


O governo precisa fazer uma escolha: ou reduz a taxa de lucro dos investidores e instituições financeiras, ou muda a remuneração da poupança. Não é preciso ser adivinho para saber o que vai acontecer

Ontem, o sambista Ataulfo Alves, que era considerado por Ibrahim Sued um dos homens mais elegantes de sua época, completaria 100 anos. Mineiro que se juntou aos bambas do Estácio, são dele sambas que fazem sucesso até hoje, como Mulata Assanhada, Na Cadência do Samba, Leva meu Samba, Laranja Madura e Ai, que saudade da Amélia. Um de seus sambas, em parceria com Wilson Batista, foi a síntese musical da cooptação do movimento sindical por Getúlio Vargas, durante o Estado Novo. Intitulava-se O Bonde São Januário: “Quem trabalha é que tem razão/Eu digo e não tenho medo de errar/O bonde São Januário/Leva mais um operário:/Sou eu que vou trabalhar/Antigamente eu não tinha juízo/Mas resolvi garantir meu futuro/Vejam vocês:/Sou feliz, vivo muito bem/A boemia não dá camisa a ninguém/É, digo bem”.

Pois bem, desde a Era Vargas não temos comemorações de 1º de Maio tão bem comportadas como as de sexta-feira passada, com as centrais sindicais engajadas no apoio ao governo Lula, mesmo com a alta do desemprego (9% em março, na média de todas as regiões metropolitanas, sendo 10% em São Paulo) e das limitações estruturais da atual política de combate à crise.

Alerta católico

Não por acaso, as principais críticas à política econômica do governo Lula não estão partindo do movimento sindical, nem do grande empresariado. Vêm da Igreja Católica, cujos templos de paredes largas miram a eternidade. Mais precisamente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), entidade que historicamente desempenha relevante papel na vida do país. Não é trivial o progressivo distanciamento do clero católico do governo Lula, cuja política econômica estaria na contramão de sua própria política social e do “outro mundo possível”, alternativo ao “produtivismo consumista”, que no ideário católico seria mais ecológico, solidário e humanizado.

“O pacote de medidas do governo para dar liquidez à economia é incapaz de atingir a raiz da crise, que é a especulação financeira”, dispara o documento de conjuntura que subsidiou a discussão dos bispos. “O Presidente continua dando força ao agronegócio e à mineração, sem atentar aos danos que causam ao meio ambiente. Tudo se passa como se o aumento da produção para exportação fosse uma solução e não um paliativo que adia a crise econômica mas antecipa a crise ecológica. Por acreditar que se trata apenas de uma crise financeira que o capitalismo encontrará uma solução tecnológica para os problemas de energia e meio ambiente, Lula aposta tudo na recuperação do sistema financeiro, reforça o produtivismo consumista e continua a incentivar a produção de commodities para exportação, como se o Brasil, por ter abundância de recursos naturais, tivesse a obrigação moral de vendê-los a baixo preço para outros países”, conclui. Essa seria apenas mais uma manifestação de descontentamento se a Igreja, por meio de suas pastorais, não estivesse levando suas críticas aos movimentos sociais urbanos e rurais.

Atrás do rabo

Outra manifestação relevante contra a política do governo partiu do governador paulista José Serra (PSDB). Cauteloso nas relações com o governo federal, como quem se finge de morto para evitar confrontos com o presidente Lula, o tucano saiu do mutismo e fez duras críticas à política anticíclica do governo durante recente seminário na Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo. Trocando em miúdos, reconheceu que a crise atinge mais duramente a economia de São Paulo do que a de outros estados do país. E acusou o governo Lula de morder o próprio rabo ao utilizar a política fiscal de maneira anticíclica e manter uma política monetária “pró-cíclica”. A aparente esquizofrenia teria por objetivo valorizar o câmbio, nada teve a ver com combate à inflação.

Ao conceder isenções e reduções de impostos que afetam estados e municípios, uma espécie de cortesia com o chapéu alheio, segundo Serra, o governo Lula estaria anulando o papel desses entes federados no combate à crise. Estados e municípios, historicamente, são responsáveis por cerca de 80% dos investimentos públicos do país, enquanto a União (com 1% do PIB) responde apenas por 20% de investimentos restantes, em geral de implementação mais lenta. Para baixar ainda mais os juros (taxa Selic), o governo Lula está numa sinuca de bico, por causa dos 6% de rendimento da caderneta de poupança. A rentabilidade dos fundos de investimentos não suportaria nova queda dos juros sem redução das margens de lucro dos investidores, que ameaçam migrar para as cadernetas de poupança. O governo precisa fazer uma escolha: ou reduz a taxa de lucro dos investidores e instituições financeiras, ou muda a remuneração da poupança. Não é preciso ser adivinho para saber o que vai acontecer.

Oposição centra fogo em Lula

Da Redação
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Tucano diz que presidente se esforça em banalizar a ética. Já Agripino Maia, líder do Democratas, estranha declarações vindas do Planalto somente agora. Berzoini não vê problema em dar passagens a sindicalistas

O deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP) considerou absurdas as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o uso indiscriminado da cota de passagens aéreas recebidas pelos deputados federais. Para Lula, essa discussão é uma “hipocrisia”. O presidente da República admitiu ainda que, quando era deputado (entre 1987 e 1991), usou a cota de passagens da Câmara para trazer sindicalistas a Brasília. Ele não acha correto, no entanto, o uso dos bilhetes para turismo na Europa. As declarações foram feitas após encontro de Lula com os presidentes da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP), e do Senado, José Sarney (PMDB-AP), que se queixaram do noticiário da imprensa sobre a farra das passagens.

“A prática do presidente Lula é de banalizar a ética. Com essas declarações, ele está dizendo que ética é hipocrisia e todo mundo deve se locupletar”, atacou Madeira. Na avaliação do tucano, o presidente não sabe “separar o público do privado” e não teria noção de defender a correção no uso de recursos públicos. “Ele é um mau exemplo de prática republicana”, disse Madeira. O parlamentar tucano condenou o fato de o presidente ter usado sua cota para trazer sindicalistas a Brasília: “Parlamentares darem passagens para sindicatos é errado, é uma transgressão”, disse Madeira. “Os sindicatos devem ter renda para pagar passagens para seus dirigentes”, observou.

A maioria dos deputados, no entanto, usou sua cota passagens com terceiros. São deputados de todos os partidos, incluindo o PSDB de Madeira. Segundo levantamento do site Congresso em Foco, 261 deputados usaram a cota de passagens aéreas em viagens ao exterior, entre janeiro de 2007 e outubro de 2008. Foram 1.885 voos internacionais. As viagens ao exterior pagas pela Câmara custaram R$ 4,765 milhões: R$ 3,021 milhões referentes aos bilhetes emitidos e R$ 1,744 milhão de taxas de embarque.

Defesa

O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), apoiou as declarações de Lula, que estaria “coberto de razão” ao dizer que vê muita hipocrisia na crítica ao uso das passagens aéreas por parte de parlamentares. “Não vejo problema nenhum quando um deputado traz para Brasília, com passagens pagas pela Câmara, sindicalistas ou pessoas relacionadas ao exercício de seu mandato”, comentou Berzoini. “Também não vejo problema no fato de ele trazer a esposa para acompanhá-lo. O que não pode é usar as passagens para fazer lazer e turismo.”

Berzoini disse que a falta de regras deu margem a essa situação porque havia na Câmara uma “cultura” de que os deputados tinham direito ao crédito. Apesar de afirmar que algo precisava ser feito para coibir os abusos, o presidente do PT avaliou que as novas normas contêm restrições exageradas. “Não acho esse assunto importante o suficiente para rediscutirmos a decisão da Mesa Diretora, mas o fato é que, agora, as regras prejudicam o nosso trabalho com ativistas sindicais e militantes de movimentos de moradias”, argumentou Berzoini. “Não posso mais convidar um professor da Unicamp, por exemplo, para fazer uma palestra na Câmara, a não ser que pague a passagem do próprio bolso.”

O líder do DEM no Senado, José Agripino Maia (RN), condenou as declarações de Lula. Em sua avaliação, o presidente deveria ter se pronunciado logo no início da crise, há cerca de um mês. “É muito estranho o presidente fazer essa manifestação somente agora”, observou. “Agora o Congresso já cuidou de se autopurgar e adotou providências moralizadoras”, disse Maia.

Para oposição, doença de Dilma polariza disputa

Gerson Camarotti
DEU EM O GLOBO


Tucanos trabalham pela unidade em torno de Serra e consideram que PT está preso à candidatura da ministra

BRASÍLIA. O engessamento do quadro sucessório de 2010, com a notícia do tratamento de saúde da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, acena para um cenário de polarização entre a própria ministra, pelo PT, e o governador de São Paulo, José Serra, pelo PSDB. A avaliação reservada feita no núcleo da oposição é que o presidente Lula agora ficou definitivamente preso à candidatura Dilma depois da divulgação de que ela tem um câncer linfático. Para os oposicionistas, a única opção de Lula é trabalhar para fortalecer essa candidatura.

Por outro lado, avalia esse núcleo, a posição dos que defendem a unidade interna no PSDB também ganha ênfase.

— Fica claro que Dilma é a candidata do PT e que Lula não mudará de nome. Essa situação elimina a chance de surgir uma nova candidatura, até mesmo para não passar a idéia de fragilidade da ministra. Por isso, setores da sociedade que não desejam o processo continuísta vão pressionar pela unidade da oposição — aposta Jutahy Junior (BA), ex-líder tucano.

Tucanos avançam num acordo entre Serra e Aécio Diante da nova situação no xadrez de 2010, os tucanos dizem que não é hora de brigar, e que é preciso reunir forças contra Dilma. Na semana passada, a cúpula do PSDB decidiu avançar num pacto de convivência entre Serra e o governador de Minas, Aécio Neves, com o objetivo de fechar um acordo para unificar o partido. O entendimento para adiar as prévias para fevereiro de 2010 favoreceu os planos do governador paulista e deve ajudar a consolidar sua candidatura presidencial.

— Decidimos evitar um FlaFlu. A ordem é buscar a unidade partidária. Estamos no caminho da pacificação, e o partido sairá desse processo com um nome forte — afirma o presidente do PSDB, Sérgio Guerra (PE).

No PT, a percepção é semelhante: hoje o partido não tem alternativa, e a candidatura de Dilma está mais que reafirmada por Lula. Os petistas estão certos de que a prioridade do PSDB, agora, é pacificar o partido para dar força e visibilidade ao tucano que tem mais chances de vencer a petista, Serra.

A ofensiva tucana agora tem o objetivo de enfrentar o processo natural de maior exposição de Dilma nos próximos meses.

— As mudanças no quadro político devem forçar uma unidade maior do PSDB. Isso deve consolidar as candidaturas de Dilma e Serra, numa clara polarização — diz o senador petista Delcídio Amaral (MS).

— A oposição está preocupada com o crescimento de Dilma.

Eles apostaram que a crise econômica iria atingir o governo Lula.

Como isso não aconteceu, entraram em pânico. Por isso, esse movimento de unidade interna dos tucanos — avalia o secretáriogeral do PT, deputado José Eduardo Martins Cardozo (SP).

Nesse cenário, PT e PSDB tentam consolidar seus palanques e atrair o PMDB. O próprio presidente Lula iniciou as costuras para montar a aliança com o PMDB em torno de Dilma. Ele aproveitou um jantar no Palácio da Alvorada semana passada, com os presidentes da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), e do Senado, José Sarney (PMDBAP), e pôs em pauta a necessidade de um palanque único de PT e PMDB. Lula foi enfático ao afirmar que não há dúvida sobre a candidatura de Dilma, mostrou otimismo em relação à saúde dela e considerou fundamental o PMDB estar junto ao PT.

No PMDB, a sucessão presidencial também ganhou urgência.

O líder Henrique Eduardo Alves (RN) quer criar um grupo para analisar a situação de cada estado, mas só no segundo semestre.

Até lá, vão observar os movimentos de PT e PSDB.

— O presidente deixou claro que acha fundamental a aliança com o PMDB não só para a governabilidade, mas para o futuro.

Ele está trabalhando pelo nome de Dilma. Não mudaria de candidato por conveniência política, pois não seria a hora, e nem por causa dela, já que a saúde da ministra está muito boa — resumiu o líder

Oposição ataca discurso de Lula sobre passagem

Eugênia Lopes e Vera Rosa
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Presidente disse que usou sua cota com terceiros e provocou críticas do PSDB e do DEM

O deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP) considerou ontem absurdas as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o uso indiscriminado da cota de passagens aéreas recebidas pelos deputados federais. Para Lula, essa discussão é uma "hipocrisia". O presidente da República admitiu ainda que, quando era deputado (entre 1987 e 1991), usou a cota de passagens da Câmara para levar sindicalistas a Brasília. Lula não acha correto, no entanto, o uso dos bilhetes para turismo.

"A prática do presidente Lula é de banalizar a ética. Com essas declarações, ele está dizendo que ética é hipocrisia e todo mundo deve se locupletar", afirmou. Em sua avaliação, o presidente da República não sabe "separar o público do privado". "Ele (Lula) não tem noção de defender a correção no uso de recursos públicos. Ele é um mau exemplo de prática republicana", disse Madeira.

O tucano condenou o fato de o presidente Lula ter usado sua cota para levar sindicalistas a Brasília. "Parlamentares darem passagens para sindicatos é errado, é uma transgressão."

A maioria dos deputados, no entanto, usou sua cota com terceiros. Segundo o site Congresso em Foco, 261 deputados usaram as passagens em viagens ao exterior, entre janeiro de 2007 e outubro de 2008.

Para o presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), Lula está "coberto de razão". "Não vejo problema nenhum quando um deputado traz para Brasília, com passagens pagas pela Câmara, sindicalistas ou pessoas relacionadas ao exercício de seu mandato", comentou.

O líder do DEM no Senado, José Agripino Maia (RN), condenou as declarações de Lula. "É muito estranho o presidente fazer essa manifestação somente agora", observou. "Agora o Congresso já cuidou de se autopurgar e adotou providências moralizadoras."

O assunto repercutiu também em Ribeirão Preto (SP), onde o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), participou de uma feira de tecnologia agrícola. Ele evitou polemizar sobre as falas de Lula, mas defendeu que o uso das passagens seja restrito ao exercício do cargo. "É uma questão de mais transparência e mais organização."

A louvação da picaretagem

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - É indecente e aética a defesa que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva faz do uso de passagens aéreas pelos deputados. Defender privilégios é sempre indecente e aético. E as passagens aéreas são apenas um dos elementos que compõem o elenco de privilégios dos pais da pátria. O fato de terem, nesta semana, vedado a transferência dos bilhetes para parentes, amigos e apaniguados é apenas tirar o bode da sala. Ou eliminar um abuso com o privilégio, mas não o privilégio.

Afinal, toda pessoa, física ou jurídica, que tenha assuntos a tratar em Brasília paga a passagem do próprio bolso. Congressistas pagam com o meu, o seu, o nosso bolso -e o presidente bate palmas, até porque não tem autoridade moral para criticar, porque confessa ter usado e abusado de idêntico privilégio, mesmo no tempo em que achava que a grande maioria do Congresso era formada por "picaretas".

Indecente e aética, a defesa que Lula faz do privilégio só não é surpreendente. É prima-irmã da que fez durante o escândalo do mensalão. "Todo mundo faz", afirmou, então, como agora. E o que é que "todo mundo faz"? É caixa-dois, o único crime confessado pela turma. E o que é caixa-dois? É "coisa de bandido", na ilustrada opinião de Márcio Thomaz Bastos, então ministro da Justiça de Lula.

Um presidente que dá de ombros para a prática por seus próprios correligionários de "coisa de bandido" não é exatamente o melhor exemplo que alguém possa invocar em matéria de cuidados com o dinheiro público, que é, em último análise, o fundo do debate.

Se o próprio presidente diz não achar "correto" dar passagens para outras pessoas, como ele o fez, deveria é repetir a frase sobre os "300 picaretas que defendem apenas seus próprios interesses". Mas o poder muda tanto as pessoas que, de condenar, passou a louvar "picaretas" e privilégios indecentes.

Lula e o tumulto no Congresso

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Parlamentares querem ajuda do governo para conter jorros de lama; também pode voltar a conversa da reforma política

POR QUE Lula defendeu uns tipos parlamentares que ele um dia chamou de picaretas? Lula permitiu-se até "quebrar o protocolo" dessas ocasiões de rapapé, que consiste em fazer o elogio clichê da "importância do Poder "x" para a democracia" e em "afastar a ideia de crise institucional", que é como alguns chamam esses recorrentes faniquitos e remelexos nos Três Poderes, cujos problemas na verdade são crônicos, não críticos. Lula foi além. Defendeu os barnabés parlamentares, quase todos, metidos em rolos vulgares como o das passagens de avião grátis, entre outros que motivam fúria ou nojo popular.

Como Lula fala demais, poderia ter se tratado apenas de um lapso. Parece que não. José Sarney, o presidente do Senado, e Michel Temer, o da Câmara, têm pedido um "sinal de apoio" a Lula, segundo parlamentares com quem ainda se pode conversar. Querem algum auxílio de Lula para conter a malhação do Congresso e a decorrente barafunda parlamentar que, descontrolada, pode espirrar no próprio governo.

De outra parte, alguns parlamentares querem voltar com a conversa da "agenda positiva", uma discussão "institucional" dos problemas do Legislativo. Sim, o leitor é perspicaz: trata-se da volta da reforma política.

Os escândalos ficaram perigosos. Altos burocratas do Senado começam a se dedurar. Mas tais figuras estão há 15 anos no poder devido a sua simbiose parasitária com sucessivos comandos do Legislativo. Eles são as engrenagens ora óbvias de esquemas de apropriação de recursos públicos e políticos, de favores regimentais e extrarregimentais, de advocacia de interesses de parlamentares enrolados e talvez coisa pior.

Ou seja, a máquina do Legislativo federal se tornou parte do aparato de poder de caciques regionais, em especial de regiões pobres. Note-se que, de 1995, início da "era da modernidade do Real", até 2011 (governos FHC e Lula), Sarney e Renan Calheiros, ora grandes aliados, terão governado o Senado em 10 de 16 anos. O falecido Antonio Carlos Magalhães e Jader Barbalho ficaram com o resto do período. Os nomes dizem algo sobre o entrosamento da caciquia regional com a caciquia burocrática que reinou nesses anos e agora começa a ser decapitada.

A lama dos fundos burocráticos do Legislativo pode afetar figuras de frente da casa grande política. Podem surgir ligações muito diretas entre burocratas caídos e parlamentares. Pode irromper a fúria do baixo clero (quase o Congresso inteiro), que quer preservar mumunhas e capilés, em defesa dos quais reage ao estilo de mandões do mato.

A revolta da arraia miúda já deu em coisas como Severino Cavalcanti na presidência da Câmara.
Mas a fúria pode se voltar contra um Executivo indiferente à "injustiça" de que parlamentares se julgam vítimas. Ou o governo e seus líderes ajudam a colocar ordem na casa ou podem brotar CPIs e votações indesejáveis. Além desse acordão, figuras mais diplomáticas e amenas do Congresso pretendem fazer dos limões do escândalo uma limonada "construtiva": reviver a reforma política, ideia da qual o governo não desgosta (não custa nada). Sabe-se lá até onde vai essa conversa, mas o plano pode servir de manobra diversionista, a desviar a atenção da política policial.

Domingo azul

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Hoje vou aproveitar o espaço da coluna para retomar uma prática do meu antecessor Marcio Moreira Alves e falar sobre coisas boas que acontecem no nosso país. Meu “domingo azul” homenageia duas entidades dedicadas a melhorar a qualidade de vida e a defender a cidadania de deficientes físicos, das quais sou conselheiro: a rede Sarah, a mais importante rede de hospitais especializados em aparelho locomotor e pesquisas neurológicas do país e uma das melhores do mundo, e o Instituto Brasileiro de Defesa de Pessoas Portadoras de Deficiência (IBDD). O primeiro inaugurou no Rio na sexta-feira o Centro Internacional Sarah de Neurorreabilitação e Neurociências. E o IBDD está comemorando dez anos de fundação como uma instituição de referência na área social e na conscientização da sociedade e do Estado em relação à cidadania das pessoas com deficiência.

Criada em Brasília, a rede Sarah se espalha por vários estados do país e instalou no Rio sua unidade mais avançada. O IBDD, a partir do sucesso do trabalho no Rio, se prepara para chegar a outras cidades através de uma rede de conhecimento para reproduzir sua metodologia.

O Centro Internacional será a unidade de referência da Rede Sarah para a neurorreabilitação, e também uma instituição de pesquisa em neurociência, com um programa de pós-doutorado para pesquisadores do Brasil e do exterior.

Já este ano, o Centro Internacional vai receber pesquisadores dos Estados Unidos, da Bélgica e da França.

O IBDD trabalha em três setores: direitos, trabalho e esportes, para atender o deficiente tanto no plano pessoal quanto no institucional, trabalhando por um aperfeiçoamento da legislação.

A nova unidade da Rede Sarah é destinada a programas de reabilitação para pessoas com problemas que afetam o sistema nervoso central, como acidente vascular cerebral, paralisia cerebral, traumatismo cranioencefálico, doença de Parkinson e Alzheimer.

Com 209 leitos, está preparada para atender gratuitamente a 20 mil pacientes/ mês.

O IBDD já atendeu, nesses dez anos, a 40 mil pessoas, tratando desde inserção profissional até defesa dos direitos e profissionalização.

Na área de esportes, tem resultados excelentes nas diversas paraolimpíadas que seus atletas disputaram, ganhando diversas medalhas de ouro.

Em ambos os casos, os aspectos humanos são mais valorizados do que a técnica ou o orçamento.

A historiadora Teresa Costa d’Amaral, idealizadora do IBDD, tem definições precisas de sua missão: — A consciência da cidadania usurpada, o entendimento da necessidade do uso dos caminhos legais existentes e a crença na imprescindível participação da sociedade para a construção de um Brasil mais justo me levaram a idealizar o IBDD e a fazer dele uma realidade.

— O desejo de contribuir decisivamente para construir um novo olhar sobre a inclusão social e a cidadania das pessoas com deficiência e o desafio de que pudéssemos tocar na vida de muitos brasileiros foram minha motivação para criar o IBDD.

— A participação na constr ução de um país menos desigual deu sentido à nossa existência e à nossa luta.

O médico Aloysio Campos da Paz, idealizador da Rede Sarah, baseia seu trabalho em diversas premissas humanísticas: — Criar uma rede de neurorreabilitação que entenda o ser humano como sujeito da ação e não como objeto sobre o qual se aplicam técnicas.

— Trabalhar para que cada pessoa seja tratada com base no seu potencial e não nas suas dificuldades.

— Vivenciar o trabalho multidisciplinar em saúde como um conjunto de conhecimentos, técnicas e atitudes unificadas, destinadas a gerar um processo de reabilitação humanístico.

— Transformar cada pessoa em agente de sua própria saúde.

— Atuar na sociedade para prevenir a incapacid a d e , c o m b a t e n d o , a o mesmo tempo, preconceitos quanto às limitações e diferenças, pois o que caracteriza a vida é a infinita variação da forma que no tempo muda.

— Desenvolver uma atitude crítica diante de modelos importados, sejam técnicas, sejam comportamentos, rejeitando a atitude passiva diante do consumismo e da imitação.

— Libertar-se da dependência tecnológica pela utilização do potencial criador de nossa cultura e pela geração de soluções adequadas às necessidades da população brasileira.

— Simplificar técnicas e procedimentos para adaptálos às necessidades reais das diferenças econômicas, sociais e culturais brasileiras; simplificação é a síntese crítica de sistemas e processos mais complexos: “não se simplifica aquilo que não se conhece”.

— Valorizar a iniciativa inovadora e a troca de experiências, no ensino e na pesquisa, estimulando a criatividade de pessoas e grupos, gerando conhecimento.

— Melhorar a qualidade dos serviços prestados a um número cada vez maior de cidadãos, através da eficiente aplicação dos recursos, e da continuada qualificação dos seus recursos humanos.

— Respeitar o patrimônio público, pois ele é o instrumento da construção de um país.

— Restituir ao cidadão brasileiro, com serviços qualificados de saúde e de reabilitação, os impostos que por ele foram pagos.

— Viver para a saúde e não sobreviver da doença.

Bom domingo a todos.

Entre a cruz e a caldeirinha

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O plano de compensar o fim de algumas mordomias no Congresso com aumento dos salários de deputados e senadores dos atuais R$ 16.512 para R$ 24.500, o teto do funcionalismo, está de pé, mas ficará em suspenso durante algum tempo.

"A ideia já esteve mais perto de ser posta em prática. Hoje, digamos que esteja temporariamente arquivada", diz o presidente da Câmara, deputado Michel Temer, visivelmente cansado de dar murro em ponta de faca.

Aumento, só depois de o Parlamento apresentar não só uma solução que represente uma significativa economia de recursos, mas principalmente que seja assim reconhecida pela sociedade.

Dito dessa forma parece tudo muito simples, mas a coisa é bem mais complicada. Tão intrincada que Michel Temer quer distância do tema, por ora. A questão voltará ao debate, mas o presidente da Câmara só quer entrar nessa cena quando for possível sair bem na foto.

E isso não é nada fácil. Não basta a comissão encarregada de fazer um diagnóstico sobre a mudança da estrutura de gastos da Câmara apresentar uma proposta de cortes de um lado e propor aumento de outro.

Se for assim, será a contratação de uma emenda para piorar o já suficientemente horroroso soneto. Por exemplo: se acabarem todos os privilégios, mas o salário for reajustado, automaticamente as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais de todo o País aumentarão os salários dos deputados estaduais e vereadores.

Por lei, um vereador ganha o equivalente a 75% do subsídio de um deputado estadual, que, por sua vez, recebe 75% do salário de um parlamentar federal.

Se as Assembleias e as Câmaras não cortarem também as mordomias, o resultado será uma elevação exorbitante de despesas pela qual o Congresso Nacional será responsabilizado e, portanto, ainda mais massacrado pela opinião pública.

Para que a conta final seja realmente satisfatória, seria necessário acabar com aquela vinculação salarial e ainda conseguir que os parlamentares nos Estados e municípios cortassem os benefícios, em muitos casos bem superiores aos existentes no plano federal.

Pois é, e como convencer Assembleias e Câmaras a aderir ao projeto se nos Estados e municípios nem de longe sofrem a pressão popular de que é alvo o Congresso?

Nessa hora é que se revela a falácia da tese segundo a qual as práticas políticas no Brasil degeneraram-se por causa da mudança da capital para Brasília onde os congressistas ficam "longe do povo".

Por acaso a Assembleia Legislativa e a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, localizadas bem no centro da cidade que era capital do País até 1960 são exemplos de lisura e compostura? Um levantamento feito pela Câmara das verbas em todo o País aponta que o Rio sequer informou os valores pagos aos deputados e vereadores.

Na listagem das benesses há exorbitâncias para todos os gostos, sendo Alagoas o caso mais absurdo. Lá, um deputado ganha R$ 12.384 e recebe R$ 39 mil de verba indenizatória.

No Congresso, a verba é de R$ 15 mil, o mesmo valor recebido pelos estaduais do Acre, de Roraima, Amapá, Bahia, Rio Grande do Sul.

Em Minas Gerais os estaduais ganham adicional de R$ 20 mil, no Ceará R$ 22.970, em São Paulo R$ 17.450, no Paraná R$ 27.500, em Santa Catarina R$ 38 mil, em Mato Grosso R$ 23 mil.

Em Rio Branco (AC), a verba extra dos vereadores é de R$ 15 mil, no Recife (PE) R$ 14.300, em Belo Horizonte (MG) R$ 15 mil, em Fortaleza (CE) R$ 12.800 e por aí vão as extravagâncias das quais dificilmente quem recebe aceitaria espontaneamente abrir mão.

Fica o Congresso, então, entre a cruz e a caldeirinha: pressionado pela opinião pública a cortar gastos e refém da resistência dos deputados estaduais e vereadores, indispensáveis cabos eleitorais para a renovação dos mandatos federais.

Portanto, de um lado o Legislativo federal não tem mais crédito para afrontar o público externo e, de outro, não pode se confrontar com seu público interno.

O dilema está posto, Michel Temer já procura presidentes de Assembleias e Câmaras para tentar construir uma maioria disposta a negociar uma solução que, pelo (des) ânimo exibido, não é coisa para essa geração.

Saúva

"Se o mal do Brasil fosse esse, o Brasil não teria mal", versejou o presidente Luiz Inácio da Silva a propósito de defender o Congresso no caso da farra das passagens aéreas.

De fato, muito pior são governantes que não apenas não enxergam a fronteira entre o público e o privado como se dispõem a emprestar sua popularidade ao retrocesso cívico de uma nação.

Há quatro anos, Lula reduziu o uso do caixa 2 à categoria das ações corriqueiras. Agora, atribui à apropriação indébita o caráter de prática natural.

Por essas e várias outras, ao fim de seus oito anos de mandato terá dado significativa contribuição à banalização da impostura que assola o Brasil.

Se ainda for possível

Janio de Freitas
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A crise está na degradação das instituições; o problema nem é mais esse estado de coisas -é como sair dele

AS DIFERENÇAS de personagens e de circunstâncias, nas aberrações que se revelam umas após outras em Brasília, levam a vermos cada episódio como um fato em si, sem conexão com os precedentes e com os que se insinuam para o nosso próximo pasmo. Mas o mensalão não seria possível na Câmara se no Congresso não vigorassem a permissividade e a desmoralização que mostram agora, no Senado, outras de suas faces. As medidas provisórias que jorram da Presidência da República, em outro exemplo, só são possíveis, no seu amalandrado desrespeito à Constituição, porque logo ao se instalar o governo comprou grande parte do Legislativo, pagando com cargos públicos do Executivo. E aí está, com as recentes invasões de Poderes alheios, o Judiciário, ou, em citação mais justa, o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral.

Nada é isolado, fatos limitados a si mesmos, na sucessão de aberrações que explodem sem cessar em Brasília. Trata-se, na expressão comum e mais prática, de um estado de coisas.

Não recente, porém. Talvez nascido com a própria capital, pelas maneiras adotadas para preenchê-la de vida. Sem ir tão longe, pode-se dizer que o agravamento de tudo estava já evidente no governo passado. Nas alianças espúrias do inovador PSDB no Congresso, na inovadora compra a dinheiro de votos parlamentares para a reeleição e, entre tantas outras, na inovação das privatizações manipuladas com participação explícita do próprio presidente da República. Tudo com a inovação de comprovações deixadas no caminho dos maus passos.

O desprezo da legalidade aí praticado sem reação efetiva, e muito escamoteado pelos meios de comunicação por apoio irrestrito a Fernando Henrique, abriu a oportunidade de novas condutas incompatíveis com o poder público. Uma delas: a reiterada afirmação de Lula, nos últimos dias, de que quer Dilma Rousseff como sua sucessora confirma, contra as tantas negativas anteriores, que o quase ininterrupto périplo dos dois pelo país afora, para inspeções inexistentes e celebrações forçadas, já era a apresentação eleitoreira da pretendida candidata. Mas em clara afronta à legislação eleitoral e em plena ilegalidade do uso eleitoreiro de recursos públicos.

As apropriações do poder de legislar, feitas pelo TSE e pelo STF, foram revestidas pelas afirmações de magistrados de ambos, e por vários comentaristas, com este aplauso: "O Judiciário agiu para suprir a omissão do Congresso". Os dois tribunais nada supriram, nem poderiam fazê-lo: conferiram-se um poder que a Constituição não lhes dá, e por isso valeram-se do artifício de incluir as condutas legislativas em decisões que, estas sim, poderiam competir-lhes.

"Suprir omissão do Congresso" é exercer poderes que exigem a representatividade conferida pelo voto popular, o que nem um só integrante do TSE e do STF tem. Além disso, se esses dois tribunais podem suprir o Congresso, o Congresso também há de poder supri-los, decidindo processos que vagam por anos e anos nas altitudes inebriantes do Judiciário. O TSE, a propósito, dá nestes dias uma ilustração de sua eficiência, ao julgar dois governadores já no terceiro dos quatro anos de mandato, ambos acusados de crimes eleitorais na campanha. E ainda falta julgar vários outros, o que pode se dar quando já estejam em outra campanha ou mandato.

Os avanços do Judiciário (representado pelo STF e pelo TSE) sobre os poderes do Legislativo só são possíveis porque a degradação do Congresso e de sua função o impede de reagir. Enquanto o Executivo, para não ser incomodado pelo Judiciário em suas ilegalidades, põe-se à margem. Todos se entendem no seu desentendimento.

Não há crise nos desaforos de ministros do STF. Não são as espertezas e as telefônicas de Lula que determinam a crise. Nem os trambiques financeiros e as passagens aéreas de senadores, as quais, por sinal, em vez de restringidas, deveriam ser liberadas -com a condição de servirem a viagens imediatas para as atrações turísticas do México. A crise está na degradação das instituições e do Estado de Direito. O problema, no entanto, nem é mais esse estado de coisas. É como sair dele -se ainda for possível.

Pandemias e pandemônios

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Suína ou mista, mexicana ou norte-americana, A ou H1N1? O novo vírus da gripe já está catalogado e batizado ainda que não tenha sido consagrado. Engenharia genética estabelecida (combinação da gripe humana, aviária e suína), comprovada a sua incrível capacidade de incubar-se e contagiar, a sua letalidade ainda é uma incógnita.

Não se sabe, até o momento, se uma suposta “benignidade” da nova gripe não estaria mascarando um surto de extrema virulência como ocorreu na Europa em 1918 com a mortífera “Gripe Espanhola” (cujo nome também foi designado aleatoriamente).

O que está nítida é a capacidade da sociedade mundial em reagir com velocidade e determinação à calamidade. A localização em menos de dois meses do possível “paciente zero” (o menino Edgard Hernández de cinco anos, morador na cidade de La Glória, Estado de Vera Cruz), a eficácia da detecção e do monitoramento dos casos suspeitos revelam a existência de um articulado sistema mundial de alerta sanitário.

Alentador. A Organização Mundial de Saúde (criada em 1948 por sugestão brasileira) é apenas três anos mais nova do que a sua matriz, a Organização das Nações Unidas e, sem freqüentar as manchetes com a mesma assiduidade, é um estimulante exemplo de cooperação internacional.

Ainda que no documento fundador da OMS a noção de saúde seja definida de forma abrangente (“um estado de completo bem-estar físico, mental e social, não consistindo somente na ausência de doença ou enfermidade”), sua atuação nas emergências infecciosas desvenda o potencial para armar poderosas redes preventivas.

Num mundo cada vez mais próximo e emaranhado este tipo de sinergia desperta uma grande dose de otimismo porém, como corolário, aciona inúmeras apreensões. A solidariedade mundial para enfrentar a doença e a morte tem motivações venerandas, bíblicas, simbólicas, mas não se manifesta com a mesma determinação diante de outros fantasmas como o aquecimento global, talvez até mais mortífero e duradouro do que uma epidemia porque põe em risco a própria sobrevivência da humanidade.

Se as rivalidades e divergências internacionais podem ser superadas diante da iminência de uma peste global, porque razão a sociedade de nações não consegue organizar-se para evitar os conflitos que ceifam milhões de vidas?

Se os surtos nacionalistas, patrióticos e religiosos produzem os conflitos bélicos e estes produzem os grandes surtos de doenças contagiosas (México e Criméia no século XIX, Europa em seguida à 1ª Grande Guerra de 1914-1918), somos obrigados a reconhecer o absurdo da condição humana, incapaz de estabelecer parâmetros mínimos de convivência para escapar do horror das guerras mas capaz de mobilizar-se para atenuar as conseqüências de epidemias geradas nos seus escombros fumegantes.

Ao lado desta pandemia administrada tão disciplinadamente por médicos, pesquisadores e agentes públicos, recorta-se o espectro de um persistente pandemônio político agora agravado pelos catastróficos efeitos da crise econômica mundial. Não adianta fulanizar nem exacerbar ressentimentos apontando aquela meia dúzia de endiabrados homens-bomba que não carregam dinamite, mas para satisfazer seus egos não se importam em detonar todas as possibilidades de convergência.

O que chama a atenção é o contraste: cada novo surto, epidemia ou pandemia aperfeiçoa o nosso repertório de profilaxias, acompanhamentos e terapias. O contrário acontece depois de guerras e confrontações: suas sangrentas lições jamais são aprendidas, sequer encaradas. O fascismo teoricamente teria sido desmantelado em 1945 mas ele e todos os malignos ingredientes que o alimentaram não apenas na Itália, Alemanha, Espanha, Portugal e América do Sul, continuam ativos e agressivos.

As pandemias são consideradas extintas quando esclarecidas mas os pandemônios mantém-se latentes porque na ânsia de colocar um ponto final nos conflitos opta-se pelas cômodas reticências.

» Alberto Dines é jornalista

Mais circo do que pão

José de Souza Martins*
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

Centrais sindicais promovem milionárias festas de multidões, o que só se faz quando tudo vai bem

Na mesma semana em que o Ipea divulga a péssima notícia de que a crise financeira internacional já alcança intensamente o nível de emprego formal no Brasil, as centrais sindicais anunciam milionárias festas de multidões, do tipo que só se faz quando as coisas vão muito bem.
De fato, as coisas vão muito mal para os trabalhadores. A perda de emprego foi maior no interior do que nas regiões metropolitanas. Nas últimas décadas, a indústria escapou das regiões operárias densamente politizadas e intensamente reivindicativas e foi se refugiar no interior em busca de mão-de-obra mais barata e mais dócil, tributos menores ou benefícios fiscais compensatórios, preços inferiores dos terrenos e, portanto, menor renda fundiária a ser paga pelas empresas. Recursos de intensificação da taxa de lucro, sem desenvolvimento econômico real e sem nenhum desenvolvimento social.

Há anos, e não só agora na crise, o ganho de muitas empresas é consequência da manipulação lucrativa das anomalias do mercado, da produção e do trabalho. Tais artifícios se manifestaram também nas áreas de permanência geográfica das empresas, com a reestruturação produtiva, a precarização do trabalho e a terceirização, o que, em última instância, acaba transferindo para o próprio trabalhador o ônus da intensificação da acumulação do capital. Em tudo, um cenário de imprevidência e de despreocupação social das empresas mesmo quando há preocupação com as condições de vida de seus próprios empregados. O desemprego resultante da crise de agora deriva muito mais de uma economia cronicamente à beira do abismo, no perigoso limite da racionalidade econômica. Uma economia divorciada da política e uma política que, quando se interessou pela economia, o fez, como neste governo, para referendar, estimular e subsidiar suas irracionalidades.

É desta mesma semana outro estudo sobre o desemprego, o da Fundação Seade-Dieese. A base geográfica de referência é aqui diferente da do Ipea, pois se restringe a seis regiões metropolitanas. Além do que, a concepção de desemprego é igualmente outra. Para o Ipea, emprego é emprego formal com carteira assinada. Para o Dieese-Seade emprego não se restringe à ocupação com vínculo empregatício formal e carteira assinada. Se a crise chegou à economia laboral formal, chegou também à economia informal, sempre tida como válvula de escape daquela. Os dados apontam mais de 3 milhões de desempregados no País e só na região metropolitana de São Paulo, mais de 1,5 milhão de desempregados. Os dados do Ipea indicam que preservaram seu emprego os trabalhadores que ganham entre meio e um salário mínimo e que são jovens, o que é melancólico, pois sequer permite a ilusão de que ao menos uma parte da sociedade está preservada contra a crise e indicaria para ela uma saída possível. A economia de mercado não se robustece em cima de misérias como essa.

O mercado de trabalho brasileiro expressa, nesse quadro, uma característica própria de país subdesenvolvido e, além do mais, sem perspectiva de superação das dificuldades que crescem para os que dependem do trabalho para viver. A economia brasileira hoje é uma economia dependente de lucros do comércio de exportação e sua vantagem comparativa em relação a outras economias depende do baixíssimo nível de remuneração de sua mão-de-obra.
Complementarmente, o preço da terra e as formas criminosas de acesso à posse da terra têm assegurado também uma renda fundiária diferencial que torna mais lucrativo que grupos estrangeiros produzam aqui o que produzido em outros países seria muito mais caro.

A órfã massa humana que, no mundo todo, viabilizou a imensa acumulação e concentração de riquezas, a partir dos anos 70, era a única e sólida alternativa para salvar o sistema econômico da ruína decorrente de seus ganhos financeiros escandalosos, sem qualquer contrapartida social e mesmo econômica. O que foi tirado em excesso dos que trabalham, acumulado em excesso e desfrutado irracionalmente reflete-se na pobreza social do mercado constituído por aqueles que poderiam manter o que Keynes definia como nível de renda e emprego e seu efeito multiplicador.
A irracional economia do neoliberalismo matou seus salvadores. Pouco ou nada adiantam, agora, políticas de distribuição de esmolas à mão cheia, como nos programas pseudo-sociais do governo brasileiro. Elas não terão o impacto de que a economia precisa. Os dados das pesquisas mencionadas indicam que se salvam os que conseguem trabalhar sem plena inserção econômica e social, os chamados excluídos.

Os países nessa situação encontram-se há anos em busca do chamado trabalho puro, o trabalho sem corpo nem vida, o trabalhador que não come nem grita, nem vive. As reiteradas denúncias da Organização Internacional do Trabalho quanto ao número de trabalhadores vivendo em condições de escravidão em países como a Índia, a China e o Brasil são reveladoras da disseminação dessa insidiosa economia do extermínio, em que o próprio trabalhador é convertido em matéria-prima da produção.

Nesse cenário, o vocabulário do trabalho e do desemprego desdobra-se e complica-se, distanciando-se da linguagem mais precisa dos fins do século 19 e do início do século 20, quando a sociedade de classes ainda era dominada pela polarização de interesses entre o capital e o trabalho. Quando o trabalho era concebido como uma força social com potencial histórico e competência de mudança e era propriamente uma força política antes de ser um instrumento partidário. Dia do Trabalho era o dia de celebrar o martírio do trabalhador numa sociedade que ainda não reconhecia o sujeito social e político gestado pela força laboral dos que trabalhavam. A confusão vocabular de hoje, num emaranhado de tecnicismos que procuram distinguir níveis de emprego e níveis de desemprego, expressam justamente o esfacelamento desse sujeito social, de sua força histórica e de sua competência política. Resta-lhe o circo, mais do que o pão.

*Professor titular de sociologia da Faculdade de Filosofia da USPe autor, entre outros títulos, de A Sociabilidade do Homem Simples (Contexto)

As faces do desemprego

DEU EM O GLOBO ONLINE

Do Rio, São Paulo e Pernambuco, histórias por trás das 753 mil vagas fechadas no país

RIO, SÃO JOSÉ DOS CAMPOS (SP) e RECIFE - O desemprego no país bateu 9% em março, a maior taxa desde 2007, e deixou mais de 2 milhões de pessoas sem trabalho nas seis principais regiões metropolitanas brasileiras. No caso do emprego com carteira assinada, desde que a crise internacional se agravou, 753.518 vagas já desapareceram de novembro a março. José Figueiredo Santos, do Rio de Janeiro, Alexandre Rodrigues Albuquerque Costa, de Recife, Júlio César da Silva, de São José dos Campos (SP), viram de perto esta que é a face mais cruel da crise. Desempregados, os três vivem - sem sucesso - o drama de buscar recolocação.

" Vou atrás dessa luzinha até o fim do túnel "

Leia também: Especialistas dizem onde está o emprego em tempos de crise.

Nos últimos três meses, O GLOBO vem acompanhando a via-crúcis destes trabalhadores. Do primeiro dia na fila do seguro-desemprego, em fevereiro, para cá, Santos, do Rio, fez várias descobertas dolorosas: entre elas, que, na era da internet, quem está fora do mercado de trabalho fica condenado ao isolamento. Agora, na hora de buscar uma vaga, o único caminho é enviar o currículo pelos sites das empresas.

Desempregado desde outubro, Costa, engenheiro pernambucano, encontrou no empreendedorismo uma maneira de driblar a falta de vagas. Está estruturando sua consultoria e já conseguiu quatro clientes.

O paulista Silva, por sua vez, mergulhou de cabeça no movimento sindical: após 20 anos na Embraer, está na briga não só pelo seu emprego, mas pela readmissão dos 4.200 demitidos pela empresa:

- Vou atrás dessa luzinha até o fim do túnel.

Leia a íntegra da reportagem dos jornalistas Luciana Casemiro, Ronaldo D'Ercole e Letícia Lins na edição digital do GLOBO, disponível para assinantes

Bolsa Família atingirá 1 em cada 3 brasileiros em 2010

Leila Suwwan, Brasília
DEU EM O GLOBO

Em seis estados, programa beneficia mais da metade dos moradores

Depois de ver minguar a marca Fome Zero logo após assumir em 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fechará seu segundo mandato em 2010, ano eleitoral, com o programa Bolsa Família nos lares de um entre cada três brasileiros. Hoje, o benefício chega direta ou indiretamente a 29% da população — e praticamente metade das pessoas em seis estados do Nordeste estão no raio de ação dessa distribuição de renda.

Os dados revelam a dependência de alguns estados e de milhares de municípios. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), em 1.200 cidades (20%) do Brasil, a cobertura do benefício varia de 50% a 96% das famílias. Nos casos mais dramáticos, o auxílio mensal — de R$ 20 a R$ 182 — é a principal fonte de renda dos municípios.

A situação é mais crítica no Maranhão, no Piauí e em Alagoas, onde de 58% a 59% da população são beneficiárias direta ou indiretamente pelo Bolsa Família. No Maranhão está a maioria dos municípios com extrema dependência do programa (mais de 90%). Segundo dados oficiais do MDS, a cidade de Junco do Maranhão, com 4.101 habitantes, tem 95,7% das famílias atendidas pelo programa. Essa é a maior cobertura registrada pelo governo.

Em segundo lugar, aparece Severiano Melo, no Rio Grande do Norte, com 5.728 habitantes e 95,4% das famílias com o Bolsa Família.

O alcance direto e indireto do programa foi calculado pelo GLOBO a partir do cruzamento do número de benefícios pagos com a média de pessoas que vivem em cada casa atendida pelo Bolsa Família, calculado na Pesquisa Nacional por Amostra em Domicílios (Pnad 2006, do IBGE).

Na média, cada domicílio contemplado no Nordeste tem 4,8 moradores. No Norte, 5,3. Os moradores não pertencem, necessariamente, ao mesmo núcleo familiar. Mas, diante da situação de pobreza, podem se beneficiar indiretamente do ingresso da renda.

Dessa forma, os 11 milhões de bolsas pagas em março atenderam 52,9 milhões de pessoas direta ou indiretamente.

Com a elevação do teto de renda máxima das famílias beneficiadas, o governo ampliará gradativamente o atendimento até 12,9 milhões de lares e poderá chegar a 33% da população do país.

O MDS contesta essa medida e considera como beneficiários apenas os integrantes cadastrados da família, numa média nacional de 4,5. Dessa forma, 24% da população são atendidas e o grau de dependência estadual é menor.

Apesar dessa diferença, a secretária nacional de Renda e Cidadania, Lúcia Modesto, considera positiva a abrangência numérica e diz que cabe aos estados combater de forma mais localizada as causas estruturais da pobreza.

O debate sobre o caráter assistencialista do Bolsa Família, para ela, só acabará a médio prazo, quando houver evidências empíricas de mobilidade social.

— O dado é indicação de que o programa está chegando nas regiões mais pobres.

Mas é importante que os estados implementem políticas de inserção.
É preciso que olhem para suas populações pobres. Mas não me parece que hoje temos uma situação de construção de um conformismo das condições socioeconômicas — diz.

Ela não falou especificamente sobre o Maranhão. Sobre Alagoas, disse que o Bolsa Família e benefícios previdenciários são uma fonte de renda mais importante que a extração da cana-de-açúcar. E que, em muitas cidades nordestinas, o programa repassa mais recursos que o Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

De acordo com o professor Elimar Nascimento, da Faculdade de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), o Bolsa Família avança de forma salutar, mas peca ao não ser integrado a outras políticas que permitam que os beneficiários rompam com o ciclo de pobreza.

— O objetivo estratégico de um programa assim não é atender a todo mundo, é criar condições para que a pessoa deixe o programa. É evidente que não se pode atingir esse objetivo com todas as pessoas. Há aqueles em situações extremamente precárias. Famílias que têm pobreza estrutural, não têm renda, não têm bens, não têm meios de obter renda. É um conjunto da população que precisa ser protegido — disse Nascimento. — Agora, do ponto de vista político, moral e ideológico, a saída é fundamental.

A crítica relativa ao populismo eleitoral, mais frequente entre adversários políticos, será testada em 2010, segundo o sociólogo: — Quando não há informação para as pessoas, se criam condições favoráveis para que pequenos políticos possam dizer que são os responsáveis, e isso cria uma “dívida”. Além disso, temos uma cultura de populismo e dependência ainda muito arraigada — diz Nascimento.

Em contraste com Norte e Nordeste, o grau de cobertura do Bolsa Família é menor que 20% no eixo Sul-Sudeste, com Paraná, Rio Grande do Sul, Rio, São Paulo, Santa Catarina e Distrito Federal no final do ranking.

Capitalismo estatal

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


As 13 maiores empresas de petróleo do mundo são estatais. O Estado, na Rússia, controla da telefonia fixa às fábricas de armas. No Brasil, ele é dono de 40% do mercado bancário, da produção de petróleo e de 70% da geração de energia. A China é quase toda estatal. Empresas privadas vivem das benesses do Estado. Nos países emergentes e pobres, o Estado sempre foi o dono do jogo.

Esta é a tese do artigo publicado na revista “Foreign Affairs” por Ian Bremmer, presidente do grupo Eurásia. Uma tese que merece reflexão nestes tempos em que se diz que houve no mundo um exagero liberal e em que governos, como o brasileiro, acham que a intervenção dos governos dos países ricos para enfrentar a crise é uma rendição à ideia de que o Estado é que deve gerir a economia.

Segundo o economista, a diferença é que nos países de economia madura, como os Estados Unidos e a Inglaterra, os governos sabem que qualquer controle estatal deve ser revertido tão logo passe a crise. Mas em muitos países emergentes e em desenvolvimento, a mão pesada do Estado nunca saiu da economia e há, em vários desses países, uma rejeição doutrinaria à economia de mercado. Rejeição que deve, agora, se fortalecer.

O mais impressionante é o inventário que ele faz da presença existente do Estado na economia, anterior até à crise econômica, quando era um bordão muito repetido — no Brasil inclusive — a ideia de que a privatização tinha ido longe demais. Começa pelos fundos soberanos, que mesmo tendo perdido US$ 1 trilhão, continuam tendo US$ 3 trilhões de patrimônio.

Ao contrário do nosso, que é pequeno, feito na undécima hora e constituído com endividamento, os fundos soberanos de inúmeros outros países foram formados pelo excesso de poupança com a alta dos preços das commodities nos últimos anos. A alocação desse dinheiro é toda feita pelo Estado. “Hoje, os emergentes já emergiram e funcionários estatais em Abu Dhabi, Ancara, Pequim, México, Moscou, Nova Délhi, tomam decisões econômicas — sobre investimento estratégico, propriedade estatal e regulação — que se refletem no mundo inteiro”.

Um dos maiores empregadores do mundo na área não militar é a empresa ferroviária da Índia. Tem um milhão e meio de empregados.

Na China, são as estatais que controlam o monopólio do alumínio, as maiores empresas de telecomunicações, a transmissão de energia e as companhias aéreas, por exemplo. Medidas pelas reservas que controlam, as 13 maiores empresas de petróleo do mundo são estatais, entre elas a nossa Petrobras. A Aramco, da Arábia Saudita, a Companhia Iraniana, a Petróleos da Venezuela, a Gazprom e Rosneft, da Rússia, a Petronas, da Malásia, a Corporação Nacional de Petróleo da China. Empresas estatais controlam 75% das reservas globais de petróleo e a sua produção. O governo ficou sócio em outras indústrias e ativos do setor de tal forma que empresas totalmente privadas controlam só 10% da produção mundial, diz Bremmer.

E tem mais, ele explica.

“Uma tendência recente complicou mais o fenômeno.

Em alguns países em desenvolvimento, grandes companhias que continuam em mãos privadas dependem do patrocínio governamental em termos de crédito, contratos e subsídios”. Esse patrocínio governamental para as grandes empresas, que são tratadas como “campeãs nacionais”, o Brasil conhece bem e tem se aprofundado nos últimos tempos, a pretexto da crise econômica. Na Rússia, esses “campeões nacionais” são “controlados por pequenos grupos de oligarcas, que são pessoalmente favorecidos pelo Kremlin”, como os grupos que controlam a mineração, a metalurgia e a siderurgia.

Na China, entre várias empresas mais favorecidas pelo governo e dirigidas por pessoas bem conectadas com os poderosos do regime, o autor inclui a Lenovo. Entre os “campeões nacionais”, empresas que as autoridades tratam como estratégicas, o autor inclui a Vale, no Brasil. Se for da perspectiva de receber dinheiro subsidiado, a lista brasileira é extensa, e ficou maior ainda durante o atual governo.

O artigo deixa claro que nunca houve um exagero de privatização, como se apontou. Houve um movimento nos anos 80 e 90 que reduziu a força do capitalismo de Estado nos países desenvolvidos, como a Inglaterra, por exemplo, mas que nem alcançou completamente a Europa.

A França ainda tem estatais em áreas como energia.

Nos países emergentes, o capitalismo de Estado continua forte, vigoroso e se fortalecendo à sombra das dramáticas decisões que os governos dos Estados Unidos e de diversos países europeus estão tomando na esteira da atual crise econômica.

O argumento contra o capitalismo estatal perdeu força quando se vê o campeão da economia de mercado virando sócio de fabricantes de automóveis, de seguradoras e de bancos, como é o caso dos Estados Unidos.

A diferença é que, nos Estados Unidos, o custo político de manter o Estado controlando empresas será tão alto que todos sabem que é um período transitório.

Mas em países como o Brasil, o que se vive é um retrocesso mesmo no aumento da presença do Estado na economia, e também na mistura de interesses partidários com as empresas estatais.

Certos desafios à frente, como, por exemplo, os desastres ambientais, diz o autor, podem provar que burocratas, ou militantes partidários, não são os melhores gestores da economia.

Ficou para depois

Celso Ming
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O anúncio dos resultados dos testes de estresse a que estão submetidos 19 bancos americanos deve ser adiado, o que reflete os novos conflitos de interesses com que o governo Obama tem de lidar.

Para entender do que se trata é preciso voltar ao início de fevereiro, quando o secretário do Tesouro americano, Tim Geithner, avisou que a capitalização com dinheiro público dos bancos americanos, epicentro da enorme crise financeira que varre o mundo, só seria feita depois que fossem submetidos a testes de estresse para saber de quanto capital de fato necessitam.

Para quem não está habituado com essas técnicas de administração, teste de estresse é uma simulação que avalia quanto calote uma instituição pode suportar. Primeiro, definem-se os cenários macroeconômicos que devem determinar o nível de inadimplência a que um estoque de dívidas vai ser submetido: recessão, desemprego, evolução dos preços dos ativos (imóveis, ações, títulos). Em seguida, avalia-se, segmento por segmento, o risco de calote propriamente dito. E, finalmente, vê-se qual é o nível de exposição de cada banco a esse risco.

Bancos sem condições de aguentar o repuxo deverão repassar para o setor privado suas aplicações (ativos) que encontrarem comprador. Se essa liquidação não for suficiente para garantir a saúde patrimonial, o banco receberá capital do Tesouro, o que implica alguma estatização.

Os 19 bancos submetidos ao teste sob supervisão do banco central americano, o Fed, correspondem a quase 70% dos ativos bancários e a mais de 50% do crédito nos Estados Unidos.

O secretário Geithner disse há 10 dias que os resultados preliminares mostram que a maioria deles não vai precisar de mais capital. Mas isso não chegou a tranquilizar o mercado porque na minoria necessitada de transfusão de sangue novo podem estar alguns bancões que pesam mais como símbolo do que como fatia de mercado - que seriam os casos do Citigroup, do Bank of America e do Goldman Sachs. Na semana passada, informações não oficiais sinalizaram que seis bancos precisarão de injeção de capital.

O adiamento da divulgação mostra que o governo americano ainda não sabe como tratar o problema. De um lado, as autoridades têm de garantir transparência numa operação que causou muito atrito político. De outro, não podem deixar que informações delicadas criem mais desconfiança sobre a situação dos bancos, derrubem preços das ações e, eventualmente, promovam uma corrida aos depósitos.

Os administradores dos bancos apresentam outro tipo de objeção: o de que seria um despropósito mudar a estrutura acionária de bancos com base em pressupostos (cenários) com pouca probabilidade de acontecer.

Por aí se vê que os bancos estão manobrando para evitar a intervenção. No entanto, as pressões contra eles são enormes. Estão sendo apontados como os causadores da maior crise financeira desde os anos 30. Os políticos são diariamente questionados sobre as razões que os levam a salvar, com enorme sacrifício do contribuinte, instituições irresponsáveis. A solução do problema pode esperar um pouco mais, mas não pode ser indefinidamente adiada. O presidente Obama vai precisar arbitrar rapidamente sobre o que tem de ser feito.

Meu caro amigo (dedicado à Boal)

Chico Buarque
Vale a pena ver o vídeo

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http://www.youtube.com/watch?v=EbVm1EXbAuA

Morre Augusto Boal, um dos maiores dramaturgos do Brasil

DEU EM O GLOBO ONLINE

RIO - Morreu na madrugada de sábado aos 78 anos o diretor de teatro, dramaturgo e ensaísta Augusto Boal. Expoente do Teatro de Arena de São Paulo (1956 a 1970) e fundador do Teatro do Oprimido (inspirado nas propostas do educador Paulo Freire), ele sofria de leucemia e estava internado na CTI do Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro. No final de março, ainda teve forças para marcar presença um uma conferência da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), em Paris, onde recebeu o título de Embaixador Mundial do Teatro.

A notícia foi enviada aos amigos pelo diretor Aderbal Freire-Filho, que lamentou a grande perda para o teatro brasileiro. O último encontro de Aderbal com o amigo foi na sala de espera do consultório do Dr. Flavio Cure Palheiro, médico que monitorou o desenvolvimento da doença de Boal.

- A gente sempre diz que os mortos são insubstituíveis, mas Boal, de fato, o é. Ele é um dos deuses do arquipélago do teatro, um dos mitos da nossa religião. É uma perda irreparável - lamentou Aderbal.

Augusto Pinto Boal nasceu em 16 de março de 1931, na Penha, bairro da zona Norte do Rio. Suas técnicas e práticas difundiram-se pelo mundo, notadamente nas três últimas décadas do século XX, sendo largamente empregadas não só por aqueles que entendem o teatro como instrumento de emancipação política mas também nas áreas de educação, saúde mental e no sistema prisional. Suas teorias sobre o teatro são estudadas nas principais escolas de teatro do mundo. No jornal inglês The Guardian, já se escreveu que "Boal reinventou o teatro político e é uma figura internacional tão importante quanto Brecht ou Stanislavski".

- Boal nos representa no Brasil e fora dele. Há livros traduzidos em francês, holandês, mais de vinte línguas. O Teatro do Oprimido é estudado em muitos países. Se ele falecesse na França, a repercussão ia ser enorme - comenta Aderbal Freire-Filho.

Ao voltar de uma temporada em Nova York - onde estudou Engenharia Química (Columbia University) e dramaturgia (School of Dramatics Arts) e pôde acompanhar as montagens do Actor's Studio, que utlizava o método de interpretação Stanislavski - em 1956, Boal passa a integrar o Teatro de Arena de São Paulo, que tornou-se uma das mais importantes companhias de teatro brasileiras. Com sua experiência, incentivou a encenação de textos brasileiros, de autores como Gianfrancesco Guarnieri, o que livrou o grupo da falência, na década de 50. Essa retomada do Arena causa uma revolução na cena brasileira, abrindo caminho para uma dramaturgia nacional de nomes como Oduvaldo Vianna Filho.

A enciclopédia do Itaú Cultural traz uma análise do crítico Yan Michalski, um dos mais importantes do teatro brasileiro, sobre Boal:

"Até o golpe de 1964, a atuação de Augusto Boal à frente do Teatro de Arena foi decisiva para forjar o perfil dos mais importantes passos que o teatro brasileiro deu na virada entre as décadas de 1950 e 1960. Uma privilegiada combinação entre profundos conhecimentos especializados e uma visão progressista da função social do teatro conferiu-lhe, nessa fase, uma destacada posição de liderança. Entre o golpe e a sua saída para o exílio, essa liderança transferiu-se para o campo da resistência contra o arbítrio, e foi exercida com coragem e determinação. No exílio, reciclando a sua ação para um terreno intermediário entre teatro e pedagogia, ele lançou teses e métodos que encontraram significativa receptividade pelo mundo afora, e fizeram dele o homem de teatro brasileiro mais conhecido e respeitado fora do seu país".

Com o fechamento do Teatro de Arena, veio o Teatro do Oprimido. Boal dizia que "o Teatro do Oprimido é o teatro no sentido mais arcaico do termo. Todos os seres humanos são atores - porque atuam - e espectadores - porque observam. Somos todos 'espect-atores'". Criada no final da década de 60, em São Paulo, sua técnica utiliza a estética teatral para discutir questões políticas e sociais.

Na década de 70, enquanto esteve exilado em Lisboa, durante a ditadura militar no Brasil, Boal difundiu o método na América Latina e Europa. Na época, Chico Buarque compôs "Meu caro amigo", como uma carta em forma de música, em homenagem ao dramaturgo.

Em 2008, foi indicado ao prêmio Nobel da Paz devido ao reconhecimento a seu trabalho com o Teatro do Oprimido. No dia 16 de março do mesmo ano, atores, teatrólogos e militantes da cultura comemoraram pela primeira vez o Dia Mundial do Teatro do Oprimido. A data foi escolhida por ser a mesma do nascimento de Augusto Boal.

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