domingo, 19 de abril de 2009

PENSAMENTO DO DIA

“Não foi propriamente como um raio em dia de céu sereno a notícia do fechamento da revista eletrônica La Insignia. Nós, de Gramsci e o Brasil, acompanhamos de perto seus últimos tempos, preocupando-nos como quem se preocupa com a sorte de um amigo próximo. Na verdade, entre os dois sítios acumularam-se, ao longo dos anos, inúmeras publicações comuns, bem como articulistas que transitavam livremente de um para o outro lugar. Num mundo eletrônico tão partidarizado e muitas vezes fanatizado, La Insignia era, de fato, o que sempre quisemos ser: uma ocasião de análise e aprofundamento, contra o pensamento único de direita e, também, ai de nós, o de esquerda. Daí a profunda afinidade eletiva.”

(Luiz Sergio Henriques, editor do site Gramsci e o Brasil, sobre o fechamento da revista eletrônica espanhola La Insígnia)

Para prefeitos do PSDB, importante é a vitória

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Objetivo de grupo é tornar as prévias dispensáveis

Quando a cúpula do PSDB decidiu dispensar a presença dos dois presidenciáveis do partido - os governadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG) - no seminário de prefeitos tucanos realizado na quarta-feira, em Brasília, um outro encontro já havia acontecido dois dias antes em São Paulo.

A pretexto de prestigiar a posse do novo secretário estadual de Educação, Paulo Renato de Souza, quatro prefeitos tucanos de capitais e outras grandes cidades fora de São Paulo foram a Serra, entoando o discurso da unidade do partido em torno de um só candidato.

A solenidade de posse de Paulo Renato transcorreu em clima de ato pró-Serra, mas a conversa dos prefeitos com o governador foi restrita e pragmática, no melhor do atual estilo do Palácio dos Bandeirantes. Com bom trânsito no tucanato desde os tempos em que presidiu o Instituto Teotônio Vilela, entidade de estudos e pesquisas do PSDB, o prefeito de Imperatriz, Sebastião Madeira, deixou claro que os tucanos não querem tratar a fartura de candidatos como questão de preferência pessoal. "Nossa preferência não é por Serra ou Aécio, é pela vitória. O que todos queremos é entrar nesta eleição para ganhar."

A iniciativa de criar um fórum de administradores tucanos de capitais para ajudar na costura da unidade interna do PSDB partiu do prefeito de Teresina (PI), Sílvio Mendes. Ele diz que o tema que tomou mais tempo do encontro, do qual também participaram os prefeitos Beto Richa, de Curitiba, e Wilson Santos, de Cuiabá, foram as dificuldades econômicas mundiais. "Fui inspirado pelo momento de crise, que demanda muita conversa, bom senso e a experiência de gestão dos tucanos que comandam cinco Estados (São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Alagoas e Roraima), além de quase 800 cidades Brasil afora"", contou. Mas quem melhor traduziu a preocupação central dos tucanos de Norte a Sul foi mesmo Sebastião Madeira.

ACORDO

A ideia do grupo, que também conta com o apoio do presidente nacional do partido, senador Sérgio Guerra (PE), é conversar com Serra, Aécio e com a direção do partido para tentar encontrar uma "confluência" que acabe tornando as prévias dispensáveis. "É mais um fórum para tentar aplainar os caminhos para a escolha do candidato a presidente do PSDB", disse Madeira, ao explicar que o grupo trabalha para que haja um convencimento de todos em torno de um candidato.

A preocupação não é evitar a disputa nas prévias, e sim construir um entendimento para que o partido chegue mais forte para a largada oficial da corrida sucessória. O que dá vantagem a Serra no cenário de hoje é a avaliação geral de que o escolhido deve ser aquele que se mostrar eleitoralmente mais forte, porque não se pode subestimar uma candidatura que tenha um cabo eleitoral como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

FATOR SOCIAL

Madeira diz que sua experiência na eleição municipal do ano passado mostrou que o governo tem um programa social forte e milhões de militantes em todo o Brasil dizendo "em todo canto" que essa ajuda vai acabar. "Não dá para subestimar uma candidatura dessas, que se impõe pelo medo, implantando o terror nas pessoas humildes que precisam desse dinheiro", observou o prefeito.

Madeira lembra que foi ele o relator do Fome Zero, projeto que reuniu todos os programas sociais em um só, mas pondera que não adianta dizer isso aos eleitores aterrorizados com a perspectiva de perder a ajuda.

"Não somos Serra?s boys. Estamos a serviço do PSDB", completou o prefeito, convencido de que o partido não pode se dar ao luxo de dispersar forças. "Não podemos permitir que quem não for candidato fique ressentido, guarde as armas e encerre a luta."

Serra evita atos com Aécio pelo País

Christiane Samarco
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Cúpula da legenda também teme acusações de uso de máquina se governadores fizerem campanha pelas prévias

O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, não arrastará o paulista José Serra a tiracolo, Brasil afora, em campanha pelas prévias destinadas a escolher o candidato tucano a presidente em 2010. Com apoio de parte expressiva da direção do partido, Serra se recusa a assumir desde já a condição de candidato, para não se tornar um alvo fácil do governo e dos adversários petistas. O PSDB também não quer estimular a competição entre os dois tucanos, na esperança de evitar uma disputa que pode produzir um racha partidário.

A cúpula tucana avalia que uma campanha com a participação de dois governadores de Estados que têm grande força política e econômica, no exercício do cargo, abrirá espaço a todo o tipo de pressão, inclusive de pequenas prefeituras em dificuldades financeiras. O tucanato que acionou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra Dilma Rousseff na Justiça, acusando-os de fazer campanha antecipada, não quer expor seus candidatos a um "risco gigantesco de escândalo" a partir de denúncias de irregularidades.

Aécio, no entanto, insiste na necessidade de fazer "alguns eventos grandes pelo País", com a presença de Serra, para mostrar o que diferenciará um projeto capitaneado pelo PSDB, qualquer que seja o candidato, do projeto do atual governo. Entende que seria um momento "quase de refundação do partido", em que ele e Serra estariam juntos. "Não disputando, mas mobilizando as bases."

Para o governador de Minas, "ninguém pode ser contra algo tão positivo". Ele diz que a campanha das prévias pode ser feita nos finais de semana, com uma agenda que não comprometa ações de governo. "No segundo semestre poderemos definir as datas das prévias."

Não é o que pensam os dirigentes tucanos mais experientes. Eles consideram fatal que, a cada evento com a presença de ambos, alguém se encarregue de medir quem foi o mais aplaudido, quem levou mais apoiadores, quem teve mais faixas com manifestação de apoio. E tudo o que a direção do partido não quer é estimular uma disputa que pode deixar sequelas. A avaliação, neste caso, é de que bastará um Aécio magoado para que falte a Serra o empenho de Minas para elegê-lo.

Também não é à toa que os serristas se recusam a facilitar a vida de Aécio, fortalecendo a campanha das prévias. Em conversas reservadas, até aliados do governador mineiro avaliam que, a permanecer o cenário atual, o candidato já está escolhido: é José Serra. Eles próprios chamam a atenção para o fato de o governador paulista vir se mantendo, há mais de um ano, no patamar dos 40% de preferência do eleitorado, de acordo com as pesquisas de intenção de voto para presidente. Neste contexto, entendem que rodar o País em favor das prévias pode ser útil ao governador de Minas, que é pouco conhecido fora de seu Estado, mas não ao paulista. Na cúpula do partido a preocupação é outra. Para o tucanato, quem pode acabar capitalizando a campanha é o governo Lula, que investe no racha do PSDB como forma de fortalecer a candidatura presidencial de Dilma.

Crise distancia classe política de eleitorado

Da Reportagem Local
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A sucessão de escândalos no Congresso é mais um sintoma do distanciamento entre a classe política e o eleitorado, dizem cientistas políticos ouvidos pela Folha.

Para Renato Lessa, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, o sistema de representação política está sofrendo um processo de "autarquização". "Os partidos não fazem função de representação, são cartórios para registrar as candidaturas e possibilitar que indivíduos assumam uma vaga." O cientista político diz estar preocupado com a "folclorização" das denúncias de irregularidades, que pode diminuir o impacto em relação às irregularidades.

Leôncio Martins Rodrigues, autor de "Mudanças na Classe Política Brasileira", diz que há dois fatores para o aumento de escândalos: o eleitorado quer saber mais sobre seu representante e a imprensa está "mais atenta".

"A corrupção é algo comum na história do Brasil, e a classe política sempre usou o Estado como forma de ascensão social e de conseguir dinheiro", diz Rodrigues.

Fábio Wanderley Reis, professor emérito da faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, afirma que os congressistas envolvidos nos escândalos não deverão sofrer prejuízos eleitorais significativos. Reis propõe uma distinção entre opinião pública e eleitorado. "A opinião pública é um setor do eleitorado que acompanha as notícias sobre política. Mas a maioria do eleitorado não tem muito interesse nesse tipo de notícia." Para o professor, os escândalos poderão gerar algum tipo de reação do Judiciário. "Vemos hoje um Judiciário ativista, que tem se substituído ao Congresso na atividade de legislar, decidir e inovar."

Gasto da Presidência com publicidade sobe 24,9%

Regina Alvarez
DEU EM O GLOBO

Secretaria de Comunicação atribui à crise o aumento da despesa, que chegou a R$37,1 milhões no primeiro trimestre

BRASÍLIA. Em plena crise econômica, as despesas da Presidência da República com publicidade cresceram 24,9% no primeiro trimestre do ano, em relação ao mesmo período de 2008.

Enquanto o setor privado apertou o cinto para fazer frente ao abalo global da economia, o governo seguiu na direção inversa, elevando despesas em geral e os gastos com propaganda. Até março, esses gastos já chegavam a R$37,1 milhões, contra R$29,7 milhões registrados nos três primeiros meses de 2008.

No cálculo estão computados os pagamentos feitos do Orçamento do ano e os chamados restos a pagar - despesas de exercícios anteriores pagas em 2009. A maior parte das despesas se refere a publicidade institucional - R$26,649 milhões em 2009 - para divulgar ações do governo. O restante foi gasto com publicidade de utilidade pública, como campanhas de trânsito e de vacinação.

O Orçamento de 2009 destina R$171 milhões para a Presidência gastar com publicidade, sendo R$139 milhões para as campanhas institucionais e R$32 milhões para peças de utilidade pública. O valor é 10% maior em relação à dotação de 2008, de R$155,2 milhões.

O governo atribui esse aumento à crise. O subchefe-executivo da Secretaria de Comunicação Social, Ottoni Fernandes Júnior, disse que a pasta optou por começar mais cedo as campanhas institucionais para informar à sociedade as ações que o governo adota para enfrentar e combater a crise - as chamadas medidas anticíclicas.

- A grande massa não lê jornal. Fizemos ações de assessoria de imprensa, mas depois percebemos a necessidade de reforçar a comunicação com as campanhas – disse.

O crime do padre Lugo

José de Souza Martins* -
DEU EM O ESTADO DE S.PAULO/ ALIÁS

Caso pode abalar a tolerância da Igreja com o uso partidário da religião não só no Paraguai, mas em todo o continente

- O caso da autoria de paternidade envolvendo o ex-bispo católico Fernando Lugo, presidente do Paraguai, constitui um desses afloramentos, nas fraturas da sociedade, de problemas pessoais de largas implicações sociais, aqui, no plano da religião e da política. Não é de agora que Lugo está enredado numa teia de dificuldades próprias de quem se propõe a personificar conjunções sociais e políticas teoricamente impossíveis. Refiro-me, em particular, ao desencontro entre sua opção pela missão religiosa e sua opção pelo poder político. Não só a Igreja Católica no Paraguai se opôs às pretensões do bispo. O Vaticano também se opôs, suspendendo-o das funções sacerdotais. No ano passado, já em andamento o processo eleitoral, o Papa Bento XVI decretou a perda do estado clerical de Lugo, livrando-o dos votos religiosos. Na linha atual de restauração de uma religiosidade mais densa e mais católico-romana, que marca o pontificado de Ratzinger, a solução de Roma para o caso de Lugo pode indicar uma tendência. Esse ato desobrigou Lugo até mesmo em relação ao celibato. Além de divorciá-lo do casamento com a Igreja, deu-lhe a liberdade de um segundo matrimônio, a de casar-se com a política. Na verdade, o Vaticano livrou-se de Lugo.

Isso, porém, não livra a Igreja de um pesadelo. Lugo, ainda bispo, seduziu a adolescente que se tornaria mãe de seu filho, na época em que se hospedava na casa da madrinha da menina de 16 anos, com a qual ela vivia. Manteria com ela um relacionamento de dez anos. Se ele se confessou alguma vez nesse período, como exige de seus fiéis a Igreja, e se se confessou regularmente, como é de esperar, teve a conivência de seu confessor, que ao absolvê-lo, liberou-o para comungar e ministrar o sacramento da comunhão em estado de pecado. Se se confessou, mas omitiu o pecado, mentiu, e pecou de novo.

Um segundo aspecto da questão é o de que, conforme o noticiário, a moça engravidou de Lugo somente há cerca de dois anos. São vários os fatores de uma gravidez tardia num relacionamento duradouro, dentre eles ou ela usara anticoncepcional ou ele usara preservativo até então. Aí também deu-se ele uma liberdade que a Igreja tem insistentemente negado aos seus fiéis, no que se refere à proibição do uso da camisinha. A rapidez com que Lugo reconheceu a paternidade do menino e providenciou a inclusão de seu sobrenome no da criança foi medida louvável que, provavelmente, não conserta toda a extensão dos danos que o fato pode acarretar para sua vida política. Ele, aliás, não incluiu a moça nos reparos que ofereceu ao filho.

Já o pedido de perdão aos católicos, feito pela Igreja, dificilmente atenuará o estrago imenso que o fato acarreta à convicção religiosa dos católicos paraguaios, como se pode inferir de uma indignada declaração de dom Ignacio Gogorza, bispo de Encarnación. Até porque, neste nosso catolicismo ibero-americano, há um conjunto de crenças associadas à sacralidade do padre e à função litúrgica de seu corpo que é facilmente atingido por rupturas como essa. Há nesses casos o rompimento dos liames de sentido que asseguram ao entendimento da sociedade a razão de ser das instituições, como, neste caso, religião e Igreja. O padre Lugo reduziu o sagrado a uma função nominal e meramente simbólica. Coisa que, aliás, ocorre mais do que seria de esperar na tolerância dos leigos que, em nome de um certo vanguardismo social e político, minimizam a consistência do sagrado e, em decorrência, a da religião.

Para muitos a insistência da Igreja na questão do celibato é coisa de quem recusa as conquistas do mundo moderno relativas à liberdade da pessoa. Mas o sagrado tem conteúdo próprio, que se estende aos ritos e comportamentos. É verdade que o celibato não é dogma religioso e sua prática decorre de arraigada tradição que de certo modo é dogma popular para extensas populações de católicos praticantes. Por ser, justamente, da tradição, sob o pálio papal abriga-se orientação discrepante quanto ao celibato, como é o caso das igrejas de rito bizantino. Por outro lado, desde o concílio Vaticano II, a revalorização do diaconato amplia o número dos ministros que não estão sujeitos às limitações do celibato. É verdade que há amplo e significativo movimento de padres casados, presbíteros, que, embora sejam sacerdotes plenos, diversamente do que fez Lugo, renunciaram ao sacerdócio para contrair matrimônio e constituir família. Eles não têm tido a acolhida do Vaticano em sua reivindicação de que, tendo sido consagrados, poderiam exercer o sacerdócio, mesmo sendo pais de família. É uma decisão difícil, mas não impossível.

Mas o dano que não se pode desconsiderar numa análise deste caso é à democracia no Paraguai. A direita paraguaia é a maior beneficiária política do caso do padre Lugo. Num continente como o nosso, a ficção da democracia ficou confinada na teatralidade do processo político, sem efetiva e democrática participação da massa do povo, de muitos modos marginalizada na sua participação política meramente teatral. A rotina excludente do poder só começou a ser rompida com o advento de novos sujeitos políticos atuando a partir de marcos referenciais, valores e concepções extrapolíticos, especialmente a religião. Estamos vendo isso nas últimas décadas no Brasil, na Nicarágua, no Paraguai, em El Salvador. Sem uma base social de motivação religiosa, a nova esquerda latino-americana não teria alterado o cenário político regional e a própria concepção de povo, uma novidade que os partidos democráticos e mesmo os de esquerda tem tido imensa dificuldade para compreender. Se a Igreja nesses países tem sido tolerante com o uso partidário da religião católica, essa tolerância deve ficar abalada a partir do caso Lugo. Não só no Paraguai, mas nos outros países alcançados por essa inflexão política, o caso atinge diretamente a confiança da comunidade católica na catolização da política partidária, o que, no fundo mesmo, é ruim para a democracia praticada nessas circunstâncias anômalas e adversas.

*Professor titular de sociologia da Faculdade de Filosofia da USP e autor, entre outros títulos, de A Aparição do Demônio na Fábrica (Editora 34)

Copo meio cheio?

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


A sabedoria popular tem frases que explicam bem o momento atual da economia brasileira, que poderia ser definido como aquele em que o relógio parado aponta a hora certa, ou simplesmente pelo ditado "em terra de cego, quem tem um olho é rei". As autoridades brasileiras, depois de rejeitarem, a começar por Lula, a gravidade da crise internacional, agora dizem que o Brasil foi o último país a entrar nela e será o primeiro a sair, em condições melhores do que os demais competidores. Mesmo que tenha sido o último, nada impediu que o Brasil fosse dos países mais atingidos pela crise. No último trimestre do ano passado, o PIB brasileiro teve queda de 15,2%, se adotarmos o critério da maioria dos países, inclusive os europeus e os Estados Unidos, que anualizam as perdas. Por essa mesma metodologia, o PIB americano caiu 6,8%, e o da Europa, 6%.

Na mesma faixa do Brasil caíram Singapura, com 16,4%; Coréia, com 20%; Taiwan, com 22%. Em consequência, a partir de janeiro deste ano o panorama econômico tornou-se o contrário do que acontecia nos últimos cinco anos, com a economia tendo crescimento negativo, piorando a distribuição de renda.

As autoridades brasileiras insistem, porém, em olhar pelo retrovisor, defendendo a tese de que as vantagens comparativas do Brasil em relação aos demais países, vistas dentro da crise, são os antigos defeitos pelo modelo econômico que agora está sendo revisado.

Foi o que defendeu o senador Aloísio Mercadante, por exemplo, no Fórum Econômico Mundial no Rio, esta semana, quando rebateu o fato de que o Brasil estaria mal classificado em um índice de competitividade, entre 132 países do mundo. "Temos que ver esse ranking no próximo ano, pois metade dos países que estão à frente do Brasil quebrou com a crise internacional", alegou.

Para ilustrar sua tese, Mercadante disse que o depósito compulsório dos bancos brasileiros, que era um peso para o desempenho em comparação com os bancos estrangeiros, foi o que deu garantia de solidez ao nosso sistema financeiro, enquanto os maiores bancos do mundo estão quebrados.

Nosso sistema bancário, sólido e altamente regulado, é um dos pontos destacados pelos governistas, que passaram anos a fio criticando o Proer, o programa de reestruturação dos bancos que impôs as regras que hoje são apontadas como exemplos para o sistema financeiro internacional.

Modelo imposto por um governo que os petistas acusavam de neoliberal e hoje é elogiado justamente por suas características regulatórias.

Um dos paradigmas que o governo considera que foi quebrado pela crise econômica é o da demonização dos bancos públicos, que na atual situação estão irrigando o mercado com financiamentos que os bancos privados mostram-se mais cautelosos em retomar.

O elogio aos bancos públicos parece a muitos, no entanto, como a história do relógio parado, que está sempre certo duas vezes por dia. A longo prazo, seus efeitos perniciosos no sistema financeiro continuariam existentes, embora, no momento, eles tenham importante papel a desempenhar.

Além disso, o dinheiro dos bancos públicos, quando o Brasil cresceu muito no "milagre econômico", era usado também para grandes investimentos, ao contrário de hoje, em que essa expansão dos bancos públicos seria parecida com a questão fiscal: não estão aumentando sua atuação para construir, mas para consertar erros já cometidos, e fortalecer empresas que já têm forte presença no mercado, seja a Petrobras, que buscou empréstimo na Caixa Econômica, sejam financiamentos do BNDES para a compra da Brasil Telecom pela Oi.

Outro ponto destacado pelo governo é a diferença entre o déficit público dos Estados Unidos, que pode ultrapassar os 10% do PIB, e o nosso, de cerca de 1%. Além do fato de que o nosso déficit aumentará com a redução do superávit primário, os Estados Unidos pode fazer isso porque produz dólar, moeda que até o momento o mundo inteiro compra.

O fechamento relativo da economia brasileira, e a falta de um mercado de crédito mais amplo foram outros erros que se transformaram em virtudes, evitando que nos tornássemos vulneráveis a esses canais de transmissão da crise. Escapamos da bolha imobiliária que atingiu vários países, e da redução do fluxo internacional de financiamento, que atingiu fortemente apenas as nossas empresas de ponta, mais ligadas ao comércio exterior.

Para se ter uma ideia de como estamos ainda longe de sermos um país aberto ao mundo, a China tem em execução nada menos que 88 tratados bilaterais de comércio, a Índia, 47, e o Chile, nosso vizinho, 39. O Brasil tem 14 desses tratados ainda dependentes da autorização do Congresso, e nenhum com os Estados Unidos.

Ao analisar nossas supostas vantagem comparativas, autoridades chegam a fazer um paralelo entre o crescimento do Brasil e o dos Estados Unidos, ambos baseados, sobretudo, no consumo interno.

Enquanto no Brasil o consumo aumentou, devido à melhoria da distribuição de renda e ao crescimento da classe média, nos Estados Unidos o crescimento deu-se devido aos ganhos do sistema financeiro e à concentração de renda, o que os coloca hoje em situação delicada.

A questão é saber se o nosso consumo interno também é sustentável, pois não se baseia em ganhos de produção nem em mudanças estruturais, mas em programas assistencialistas como o Bolsa Família, e no aumento real do salário-mínimo, que impulsiona as aposentadorias.

Um sintoma negativo é a classe C, que vinha crescendo e chegara a 53,8% da população, em dezembro de 2008, ter caído para 52% em janeiro, e manter-se como a classe social predominante mais pela queda de poder aquisitivo de pessoas que estavam na classe AB do que pela subida de integrantes da classe D, como vinha ocorrendo nos últimos anos.

Caras sem sorte

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Impossível quantificar o que é mais ultrajante: se as bandalheiras no Congresso ou a violência contra os usuários dos trens suburbanos no Rio de Janeiro, se a real ameaça de empossar no governo do Maranhão, a derrotada no último pleito, Roseana Sarney ou a demora de sete anos para decidir se o acusado de mandar matar o prefeito de Santo André, Celso Daniel, deve ir a júri popular.

Duas coisas estão claras: Lula é o “cara”, mas no país do “cara” não vige o Estado de Direito. Temos eleições regulares, uma Justiça Eleitoral autônoma, os Três Poderes são independentes e o Ministério Público é soberano, mas estas são constatações formais, figurativas. Na vida real, na esfera dos direitos do cidadão estamos em pé de igualdade com qualquer regime de exceção.

A sucessão de insultos ao eleitor-contribuinte revelados na interminável série de escândalos legislativos não pode ser classificada como mera irregularidade a ser corrigidas com atos administrativos. São ilícitos evidentes. Atentado ao pudor é crime, previsto no Código Penal. O enxovalhamento do Congresso transcende as divisões partidárias, abarca indistintamente todas as ideologias, fere a instituição parlamentar no seu conjunto e compromete um dos alicerces da República.

As violências cometidas pelos funcionários da Supervia, concessionária privada dos serviços de trens do Rio de Janeiro, não podem ser minimizadas como “falhas de treinamento” do pessoal que atua nas plataformas. A empresa revelou um desprezo cabal pelas responsabilidades que assumiu. É inepta. Seus diretores deveriam ser questionados na Justiça porque suas primeiras manifestações foram assinadas pelo diretor de Marketing.

O bem-estar do público e o interesse social não podem ser equacionados através dos esquálidos valores que regem a disputa pelos mercados. Os acionistas de concessionárias de serviços públicos estão legitimamente interessados nos lucros e na expansão de suas atividades, mas a razão de ser de seus negócios depende exclusivamente da qualidade dos serviços oferecidos à população. Como são monopolistas e não sofrem qualquer concorrência, só podem ser punidos através de multas.

O conceito vale para a empresa ferroviária que protagonizou o vexame internacional produzido pelas imagens dos funcionários chicoteando os passageiros no país do “cara” e vale igualmente para as operadoras de telefonia e serviços de transmissão de dados, cada vez maiores, cada vez piores, cada vez mais arrogantes nas suas pretensões hegemônicas e mais ineficientes. Vale para um sistema bancário superconcentrado e menos atento às suas responsabilidades como gestor da economia privada.

O cidadão-usuário no país “do cara” é cada vez mais espezinhado por um Big Brother telefônico muito pior do que o imaginado por Orwell porque se exprime através de torturantes gerúndios que prometem algo em vias de consumar-se e que jamais se consuma.

Aberração maior – capaz de ser percebida por qualquer torcedor de futebol – é dar o título a quem ficou em segundo lugar. Quem perdeu a partida não pode ser considerado vencedor. O correto e, sobretudo, o justo, seria promover uma nova partida. Este automatismo pseudo-legalista vai privilegiar Roseana Sarney e constitui um incentivo à sobrevivência da figura emblemática da atual degradação legislativa: o seu pai, o senador José Sarney, vice-Rey do Brasil e um dos principais avalistas políticos “do cara”.

Mais deprimente é saber que passados sete anos do assassinato de Celso Daniel, prefeito de Santo André e encarregado de preparar o programa de governo “do cara”, o então candidato à presidência, Lula da Silva, nada aconteceu. Um suposto mandante foi preso, depois liberado (mas não inocentado, não representava perigo para a sociedade). Lula, “o cara”, foi eleito, está encerrando o seu segundo mandato e até hoje não se conseguiu definir se o suspeito vai a júri popular ou continuará impune.

Tal como os passageiros chicoteados pelos “caras” treinados pelo departamento de marketing, somos caras sem sorte.

» Alberto Dines é jornalista

O silêncio dos mais decentes

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O Congresso não tem controles internos, os congressistas rejeitam o controle externo da opinião pública; logo, o Legislativo é um Poder descontrolado.

Embora as premissas sejam corretas, a conclusão lógica é apenas teórica. Na prática, o Legislativo é controlado sim: por interesses do Executivo, por força do corporativismo, pelo domínio dos grupos de pressão, pela dinâmica do fisiologismo, pela ótica do privilégio.

Uma série de disfunções cuja origem pode (e deve) ser discutida, mas cujo resultado já é indiscutível: a completa deformação do conceito da representatividade popular.

Dificilmente a um cidadão ou entidade ocorre fazer do Congresso um instrumento de transformação, seja do que for: uma situação específica ou uma causa coletiva.

Esse sentimento nasceu na instalação da Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, floresceu cheio de exageros e equívocos por quase dois anos e começou a morrer no fim de 1988, com a promulgação da nova Carta.

O que é hoje o Parlamento?

Não é um representante à altura da expectativa dos representados, não é atuante, sequer é um Poder transparente como reza a lenda. É, sim, vulnerável por ter se tornado acessível a interferências de toda sorte, ter aberto gradativamente mão de suas prerrogativas e, com isso, ter perdido autonomia.

O Legislativo está de pernas para o ar, cada vez mais próximo da seguinte encruzilhada: ou se moderniza e se enquadra às exigências de uma sociedade democrática, ou será uma instituição decorativa.

Dentro da normalidade institucional - a única forma aceitável de ação - só quem pode deter esse processo de decomposição são os próprios congressistas, pois foram eles que se deixaram subtrair nas atribuições a eles conferidas.

Não debatem as grandes questões de interesse nacional, a menos que esteja em jogo alguma disputa entre governo e oposição.

Não encaram com seriedade a função fiscalizadora, porque se dividem em dois grandes grupos: um defende todas as ações do governo, incluídas as erradas e, não raro, as criminosas, e outro condena qualquer coisa que faça o governo, sem distinção de qualidade ou propriedade.

As poucas tentativas de criação de espaços de bom debate e de construção de propostas referidas no bem comum acabam caindo no vazio, atropeladas por algum tipo de interesse que se faz preponderante.

Não assumem a ferro e fogo a tarefa de legisladores. Obrigam o Judiciário a preencher os vazios dessa omissão ou deixam que o Executivo faça gato e sapato das medidas provisórias, mesmo tendo o Legislativo o poder constitucional de decidir se as MPs podem tramitar ou se devem ser devolvidas ao gabinete presidencial.

Não se preocupam com a depuração interna, com a melhoria da qualidade do serviço prestado, em abrir espaços para os melhores quadros. Tudo parece virado do avesso: os líderes de bancadas, principalmente na Câmara, de um modo geral são deputados sem qualificação nem reconhecimento interno ou externo pelo mérito do exercício parlamentar.

Os melhores estão dispersos, relegados ao ostracismo, sobrepujados por personagens menores, alijados do núcleo de poder efetivo. A perda de qualidade, a ascensão do baixo clero ao cardinalato é algo tangível dentro do Congresso.

Os parlamentares têm consciência disso, sabem que enquanto prevalecerem as nulidades não há possibilidade de melhorar. O problema maior é que os deputados e senadores não envolvidos em desvios, com uma noção mais adequada do Parlamento e, por que não dizer, imbuídos de espírito público, não dão sinais de reação.

Um ou outro atua de forma isolada, faz um gesto pontual, é reconhecido, festejado, mas nada se transforma em movimento coletivo. Desse jeito, fica impossível a população distinguir quem tem qualificação de quem é totalmente desqualificado.

A proposta do ministro da Justiça, de que se diferenciem os políticos e se condenem os ruins, absolvendo a instituição do Congresso, é boa, mas inexequível no momento.

Pelo simples fato de que não há uma maneira de fazer a separação. Para isso seria necessário que a banda boa encontrasse alguma forma de se destacar, mostrando à sociedade condutas e raciocínios diferentes.

"Prestigiar a Câmara e o Senado", como sugere o ministro Tarso Genro, não é solução, porque não é possível conferir prestígio a duas Casas que diariamente produzem razões para o desprestígio.

Não são todos os que transgridem? Não. Então, não seria normal, e até indispensável, que quem não transgride reagisse?

Seria. No entanto, todos se deixam igualar. Ou se calam, como se as denúncias fossem problemas exclusivos dos denunciados, ou se associam às queixas contra as notícias dos malfeitos, sem criticar os malfeitores.

Se os bons não condenam os maus, se aceitam o papel de reféns do prejuízo socializado, deixam de ser diferentes, passam a ser cúmplices por omissão e avalizam a equivocada conclusão de que os gatos são todos pardos.

DOENÇAS DA ALMA (poema)

Graziela Melo

Dúvidas
Atrozes

Medos
Repetidos

Angústia
Permanente

Desejos
Reprimidos

Ilusões

Sempre
Vivas

E
Recentes

Desilusões
Rotineiras

Amarguras
Verdadeiras!!!


Rio, 16\9\2004

Cúpula das américas

DEU NO DIÁRIO DO NORDESTE (CE)

Clima de conciliação domina cúpula

Denise Chrispim Marin
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Líderes latino-americanos elogiam disposição de Obama de tentar mudar relação de Washington com vizinhos

Mesmo diante da ameaça de veto à declaração final, a 5ª Cúpula das Américas foi marcada ontem por um clima de conciliação inédito entre a América Latina e os EUA. A peça central dessa mudança foi Barack Obama, presidente americano há 90 dias, que levou a Trinidad e Tobago uma disposição sem precedentes em ouvir os colegas latino-americanos e falar em cooperação, em vez de impor a visão da Casa Branca.

Os sinais de conciliação surgiram logo pela manhã, quando ele se reuniu com líderes da União de Nações Sul-americanas (Unasul) e reforçou o novo estilo de liderança dos EUA. Diplomatas brasileiros comentaram que até os agentes de segurança americanos estavam menos truculentos. No fim do dia, Obama anunciou inclusive a liberação de um fundo de US$ 100 milhões para microcrédito na região, em conjunto com o Banco Interamericano de Desenvolvimento.

"Obama teve uma atitude franca e amistosa", disse o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Amorim. "Houve um diálogo e não uma sucessão de monólogos."

Obama não ficou constrangido nem mesmo quando abordado sobre temas delicados. Ao contrário, desarmou os espíritos incendiários, como o do impulsivo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e ditou o tom de concórdia que prevaleceu na conversa a portas fechadas.

O mesmo comportamento foi observado nos demais encontros de Obama com os países centro-americanos e nas sessões plenárias da cúpula. As divergências foram expostas em tom cordial, segundo o chanceler brasileiro, e respondidas da mesma forma.

"O presidente Chávez, surpreendentemente, fez um discurso curto e cordial", analisou Amorim. O tom amistoso foi mantido até mesmo quando os líderes sul-americanos tocaram na questão mais delicada da cúpula: as relações dos EUA com Cuba, assunto que pode levar a Venezuela a vetar o texto final da declaração.

Ao avaliar o significado do encontro, Amorim deixou escapar que a Unasul foi aceita e percebida como um fórum importante pelo governo americano. A bênção de Washington era rechaçada por alguns líderes da região, entre os quais Chávez.

Questionado se a região deixara de ser vista pelos EUA como um conjunto de "repúblicas de bananas", Amorim disse que o termo deveria ser aposentado e ficar "restrito aos filmes de Woody Allen" - em 1971, o diretor americano lançou a comédia Bananas, na qual satirizava os movimentos revolucionários da esquerda latino-americana.

"Nós somos agora as repúblicas do software, dos aviões a jato. O fato de os EUA aceitarem negociar com a Unasul, com o Caricom (Comunidade Caribenha) e com os países centro-americanos é uma coisa nova", disse o chanceler. "Isso mostra que essas instâncias regionais foram aceitas. É um sinal de respeito."

O rateio do saldo primário

Suely Caldas*
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A redução da meta do superávit primário, anunciada pelo governo na última quarta-feira, tem aspectos positivos e negativos. Foram bem-vindas a desvinculação da Petrobrás da contabilidade global das contas públicas e a ideia genérica de usar a política anticíclica aplicando a sobra do superávit em investimentos. O problema está no varejo, nos detalhes, no destino que o governo dará aos R$ 40 bilhões liberados. Na entrevista em que anunciaram as novas metas fiscais, os ministros Guido Mantega e Paulo Bernardo não assumiram o compromisso de respeitar o conceito de ação anticíclica e aplicar esses R$ 40 bilhões em favor de toda a população, priorizando investimentos e aliviando a queda da atividade econômica e o desemprego decorrentes da crise.

Não garantiram para os brasileiros que, em nenhuma hipótese, esse dinheiro será usado para contratar mais funcionários, aumentar o número de cargos públicos e preparar a estrutura de apoio para o candidato do governo nas próximas eleições; que em nenhuma hipótese servirá para aumentar os salários do Executivo, Legislativo e Judiciário, que já recebem mais que o triplo da média dos trabalhadores privados e fazem de Brasília a cidade de maior renda per capita do País; que em nenhuma hipótese aumentarão os gastos correntes da máquina pública e que, para comprovar, apresentariam um plano com metas definidas de economia de despesas (infelizmente não há nenhum compromisso do governo com um plano desse tipo).

O problema não está na redução do superávit em si, mas na qualidade do uso da sobra de dinheiro. A tônica do governo Lula nos últimos anos foi a de gastar mais do que pode, contratar um número excessivo de funcionários, criar outras despesas permanentes sem chances de serem removidas, elevar gastos correntes a taxas acima do PIB. Abandonou as reformas e as microrreformas. Fez o que não deveria e não fez o que precisava para dar uso mais racional ao dinheiro público, aplicando em saneamento, habitação, portos, estradas, infraestrutura, geração de empregos, coisas que beneficiam a população e induzem ao progresso.

Enquanto a economia crescia e levava junto a receita com impostos, as consequências negativas de contrair crescentes despesas fixas eram disfarçadas. Mas agora, com a crise econômica derrubando a receita (a perda do primeiro trimestre foi de R$ 11,3 bilhões) e sem condições para cortar gastos fixos, o governo constata o erro de ter imaginado que a fase de prosperidade seria eterna.

É com o superávit primário que o governo paga os juros de sua gigantesca dívida de mais de R$ 1 trilhão. Como agora ele será reduzido de 3,8% para 2,5% do PIB, o estoque da dívida logicamente vai aumentar, mas não muito porque a queda da taxa Selic amortece sua expansão.

Nada preocupante e até justificável em momentos de crise. Mas, na entrevista de quarta-feira,
os ministros Mantega e Paulo Bernardo exibiram projeções fantasiosas para a trajetória futura da dívida. Segundo os dois, entre 2008 e 2009 o saldo da dívida sobe de 39,1% para 39,4% do PIB. Em 2010 cai para 36,9%, até chegar a 31,2% do PIB em 2012. Ora, se nos últimos anos de prosperidade, sobrando recursos, a dívida ficou patinando em 40% do PIB, como agora, com escassez de dinheiro, receita tributária em queda, superávit primário menor, ela reduzirá em quase três pontos porcentuais em 2010, justamente um ano eleitoral, e 8% em 2012? Estariam contando com um milagre? As projeções de especialistas discordam desse inexplicável otimismo.Como as novas metas fiscais alteram a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2009, o governo vai encaminhar ao Congresso um projeto de lei com as mudanças. Os dois ministros acham que senadores e deputados o aprovarão com facilidade. De fato, não há por que rejeitar.
Mas novamente o problema está no varejo, nos detalhes. Uma sobra de R$ 40 bilhões no Orçamento soa como música aos ouvidos dos parlamentares. Como de praxe, eles tentarão abocanhar uma parte da sobra para emendas parlamentares - aquelas que sustentam gastos paroquiais em seus Estados - ou em outros projetos de interesse dos partidos da base do governo. Afinal, por que entregar tudo para o Executivo gastar? E como fica o Legislativo? É triste, mas o raciocínio é esse. Uma vez atendidas as demandas de quem tem poder de fazer e executar leis (o Congresso e o governo), o dinheiro que sobrar pode vir a ser destinado a projetos de interesse do País.
*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio

Um encontro no Caribe

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


PORT OF SPAIN - A abertura da 5ª Cúpula das Américas, ao anoitecer da sexta-feira, foi o encontro entre um passado rico em retórica e pobre em ideias, consubstanciado no discurso de Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, e num futuro ainda incerto e não sabido anunciado por Barack Obama.

Ortega parece ter pesquisado em algum manual da antiga União Soviética para despejar a coleção completa de bordões do socialismo do século 20. Se alguém se distraísse -e era fácil fazê-lo pela absurdamente longa duração do discurso-, acharia que o socialismo ganhou e o capitalismo perdeu.

Mais: Ortega jogou a culpa de tudo o que acontece nas Américas nos ombros dos Estados Unidos, esquecendo o papel relevante dos governantes locais, inclusive o dele próprio.

Lembrete: Ortega é acusado pela enteada de acosso sexual e aliou-se a um dos mais corruptos governantes que a Nicarágua teve (e não foram poucos), chamado Arnoldo Alemán.Sua retórica revolucionária é, portanto, uma fraude.

Um parêntese: louve-se Luiz Inácio Lula da Silva, que tem dito que não dá para ficar eternamente culpando os outros pelos problemas de cada país. Pena que ele muitas vezes o faça.

Obama, ao contrário de Ortega, pediu que a página fosse virada e que se olhasse para o futuro, além de lembrar que "nem todos os problemas da região são culpa dos Estados Unidos".Não sei, ninguém sabe, se o futuro que Obama promete será mesmo de prosperidade para todos.

Mas sei que o capitalismo ganhou a batalha ideológica, goste-se ou não do resultado. E sei também que falta agora demonstrar que é capaz de ganhar a outra e mais importante guerra, a de conseguir melhorar o índice de felicidade nacional bruta, que é mais importante que o produto interno bruto, que ele sabe, quase sempre, fazer crescer.

A combinação de política equivocada

Yoshiaki Nakano
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Erro grosseiro do BC gerou um paradoxo: liquidez no over e no mercado aberto e falta de crédito para o setor produtivo

OS DADOS divulgados pelo IBGE sobre o desempenho do comércio confirmam que a contração dos investimentos, a taxas anualizadas de 45,3% e do PIB de 15,2%, no último trimestre de 2008, foi causada pela paralisia no sistema de crédito. Não foi uma crise típica iniciada pela queda no consumo, aumento nos estoques e consequente ajuste da produção à demanda. As vendas do comércio sofreram ligeira queda no último trimestre do ano nos setores afetados pela contração no crédito, mas em fevereiro já superam o nível de setembro último em 1,5%. A queda nas vendas do comércio está circunscrita a setores dependentes de crédito. Enquanto isso, a produção industrial teve queda de 13,5% no mesmo período. Esses dados são fundamentais para avaliar a estratégia de enfrentamento da crise adotada pelo governo.

Precisamos desfazer um equívoco cometido pela maioria dos analistas que consideram o comportamento da economia brasileira nos últimos cinco meses como um processo normal de ajuste de estoques. Para os estoques aumentarem e provocarem tal contração na produção, é preciso que a demanda final tenha sofrido uma queda, pelo menos similar e inesperada. Isso aconteceu no setor automobilístico, com alguns bens duráveis e com aço e mineração, que dependem de crédito e da demanda externa. Do lado da demanda doméstica, ela continuou elevada, pois a massa salarial ainda vem crescendo 8%. O que os dados mostram é a queda generalizada na indústria e também no setor de serviços, que não acumula estoques.

O que causou a contração foi um erro grosseiro do Banco Central, que não cumpriu sua função básica de prover liquidez para o setor produtivo. Os dados do próprio BC mostram que entre setembro e novembro as concessões de crédito com recursos livres dos bancos sofreram queda de 12,2%; de setembro até fevereiro a queda foi de 23,9%. Por isso, a arrecadação do IOF caiu 26,2% em março deste ano em relação a 2008. A liquidez ainda está "empoçada", e no BC, pois pagando a taxa de juros elevada no overnight, tomou emprestado em fevereiro, diariamente, a média de R$ 100 bilhões do sistema bancário. As aplicações em títulos públicos, no mercado aberto, em operações compromissadas, saltaram de R$ 278,7 bilhões em setembro para R$ 384,4 bilhões em fevereiro. Um paradoxo: liquidez no over e no mercado aberto e escassez de crédito para o setor produtivo.

A política macroeconômica praticada pelo governo está duplamente equivocada. Antes da crise, em vez de fazer uma política fiscal anticíclica para conter a demanda agregada e o déficit em transações correntes que estava se expandindo excessivamente, o governo fazia o contrário.

Com a crise financeira explodindo nos Estados Unidos e a reversão no fluxo de capitais, aumentou a taxa de juros a partir de abril de 2008 para provocar a superapreciação do real, explosão no déficit em transações correntes e alimentar o crescimento da dívida pública.

Depois da crise, em vez de usar o instrumento em que havia folga -redução dos juros e liberação do depósito compulsório-, o BC aciona a política fiscal, onde não tem muito espaço, comprometendo o futuro.

Yoshiaki Nakano, 64, diretor da Escola de Economia de São Paulo, da FGV, foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo no governo Mario Covas (1995-2001).

Tempo instável

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Alvaro Gribel é um jovem jornalista enfrentando sua primeira crise econômica. Trabalha comigo no blog. Na quinta, ele me ligou, quando eu estava a caminho do aeroporto, estranhando três notícias simultâneas: uma imobiliária americana tinha quebrado, o JP Morgan tinha dado lucro e a arrecadação do Brasil, caído. A nota no blog foi, então, sobre os sinais contraditórios dos tempos atuais.

Este é um momento da crise econômica em que surgem, diariamente, sinais bons e ruins. Os primeiros acalantam a ideia de luz no fim do túnel, já os outros confirmam a certeza de que o túnel é longo. Um tempo complexo. Não está afastado o risco de novos agravamentos, mas há uma esperança de que cada trimestre seja melhor do que o anterior na lenta pavimentação para o fim desta crise, sem antecedentes e limites.

A China deu alguns bons sinais, houve uma ligeira alta de algumas commodities e as análises passaram a ser sobre a suposta recuperação chinesa. Uma avaliação menos apressada mostra que os chineses ainda estão patinando e mantêm suas vendas com táticas de liquidação de fim de feira. A mesma tática usada pela Índia para despejar na China seu minério de ferro. Má notícia para o Brasil, que perdeu o lugar de segundo maior fornecedor de minério para a China.

Os bancos americanos têm anunciado lucros acima do esperado no primeiro trimestre deste ano e passaram pelo "teste de estresse" do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos. Fim da crise bancária? Longe disso. Os testes de estresse têm cenários benignos demais, alertam os economistas. Os ativos tóxicos estão todos lá, e os lucros são, em parte, fruto dos anabolizantes injetados pelo Tesouro nos bancos, à custa dos contribuintes. O sistema de crédito continua funcionando precariamente, aqui, lá e acolá.

A quebra da General Growth lembra que os Estados Unidos não venceram ainda nem o detonador original da crise, a queda do valor dos imóveis. A indústria automobilística está vendo esgotar os 60 dias que ganhou do governo americano sem encontrar amortecedores para os seus desequilíbrios. Enfim, os Estados Unidos, origem e propagador da crise atual, não removeram as crises bancária e imobiliária e nem o risco de falência da indústria automobilística. O tormento econômico está longe do fim, e não estão descartadas novas surpresas desagradáveis. Na segunda-feira, a Casa Branca vai se reunir com as companhias de cartão de crédito, onde mora um dos fantasmas dessa crise.

No Brasil, o Banco Central detectou sinais de que as medidas para dar mais liquidez aos bancos pequenos e médios - como a garantia via Fundo Garantidor aos depósitos deles - estão surtindo efeito. Mas o BC admite que o crédito ainda não se normalizou depois do brusco colapso de setembro.

O país tem a vantagem do atraso. Até agora, o Banco Central já reduziu em dois pontos percentuais e meio a taxa de juros, liberou R$100 bilhões de depósito compulsório, emprestou US$22 bilhões aos bancos para restabelecer os créditos ao comércio internacional e às empresas com dívidas externas, vendeu US$14,5 bilhões no mercado a vista e US$35 bilhões em derivativos. Mas os juros ainda estão em 11,25% e o Banco Central continua com R$160 bilhões de compulsório. Os juros podem e vão cair na próxima semana, e muita munição está na mão do BC.

Novas quedas vão passar pela mudança da remuneração da caderneta de poupança, área na qual o presidente Lula e o ministro Guido Mantega têm mostrado uma espantosa imperícia. Não se especula sobre mudança na poupança em país traumatizado. Fala-se dela com clareza quando houver decisão tomada. O tema também não se presta aos contorcionismos de palanque do presidente: queda da remuneração não é proteção a poupador, é diminuição do ganho da caderneta.

O Ministério da Fazenda e o Planalto continuam fazendo uma administração discutível da crise. A arrecadação cai, e o governo amplia o gasto com medidas dadas a setores escolhidos, com fortes lobbies empresarial e sindical. Quem anunciou a queda do IPI da linha branca foi o Paulinho da Força Sindical. O ministro Guido Mantega apenas o ratificou.

A redução da meta de superávit primário era esperada. A saída da Petrobras também. Mas isso não é um sinal de boa governança, de separação entre a empresa e o governo. Está havendo um explícito retrocesso nesta área. Basta conferir dois sinais desta semana. A promessa de redução do preço do diesel foi feita pela ministra Dilma Rousseff aos caminhoneiros, em reunião no Planalto. O presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, admitiu que o preço é político. Uma empresa cujos preços são definidos desde a Casa Civil, com concordância do seu maior executivo, um militante partidário, é um braço do governo - e do partido -, e não uma empresa com critérios transparentes e auditáveis, como deveria ser uma companhia de capital aberto.

Os sinais da conjuntura também são contraditórios. Gráficos que publicamos no blog (www.miriamleitao.com) mostram isso: a produção industrial despencou, as vendas do comércio se mantiveram com apenas um pequeno soluço no fim do ano passado. No varejo, as vendas dos setores que dependem do crédito caíram, o resto se manteve ou cresceu. A queda da inflação aumentou a capacidade de compra das pessoas. Mas em junho sairá o dado do PIB do primeiro trimestre. Ele vai confirmar que o Brasil está em recessão.

Geni e o Zepelim

Chico Buarque

Vale a pena ver o video

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