quarta-feira, 1 de abril de 2009

FRASE DO DIA

“Assinala-se nesse período, como acontecimento marcante, o golpe militar reacionário de 1º de abril do ano passado, com a conseqüente deposição do presidente João Goulart e à instauração, no País, de uma ditadura reacionária e entreguista. Interrompeu-se, assim, o processo democrático em desenvolvimento. As forças patrióticas e democráticas e, em particular, o movimento operário e sua vanguarda – nosso Partido – sofreram sério revés. Modificou-se profundamente a situação política nacional.”

( Resolução Política do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro, em maio de 1965)

O erro e o golpe

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Nada justifica a deposição de um governo eleito como o de João Goulart, muito menos a violenta repressão que se seguiu, mas isso não significa que os militares sejam os únicos responsáveis

O ex-ministro Jarbas Passarinho, um dos signatários do Ato Institucional nº5, que escancarou a ditadura militar no Brasil, caracteriza a deposição do presidente João Goulart (PTB), há 45 anos, como um “golpe preventivo”. Os militares tomaram o poder em razão da opinião pública e da articulação dos políticos de oposição, liderados por Carlos Lacerda e Magalhães Pinto. Além disso, Jango cometera o desatino de instigar a indisciplina de soldados, cabos e sargentos contra seus oficiais. “Jango detonou a contrarrevolução, apoiada maciçamente pelo povo. Não houve um só tiro disparado”, resumiu, em seu artigo semanal, ontem, aqui no Correio.

A crise

Segundo Passarinho, o comunismo era uma força em expansão no mundo, desde o fim da II Guerra Mundial. O capitalismo adotava uma posição defensiva, o que tornou inevitável o desfecho da crise política de 1964. A revolução cubana havia levado esse avanço às portas dos Estados Unidos. Mikhail Suslov, ideólogo comunista, ao defender a invasão da Tchecoslováquia, explicitou a doutrina soviética: a preservação da paridade estratégico-militar entre a União Soviética e os Estados Unidos abria caminho para a chegada ao poder dos movimentos de libertação nacional e para as revoluções nacionalistas na Ásia, na África e na América Latina. Pietro Ingrao, ex-diretor do L’Únitá, num artigo intitulado “O Erro”, recentemente reconheceu que o maior equívoco dos comunistas foi apoiar a invasão da Hungria pelos soviéticos em 1956. Ali teria começado a guerra fria e a derrocada histórica dos comunistas.

No seu livro recentemente lançado no Brasil pelo Instituto Astrojildo Pereira, intitulado Por um novo reformismo (Editora Contraponto), Giuseppe Vacca, outro ex-dirigente do Partido Comunista Italiano, mostra, ironicamente, que a Alemanha e o Japão, no Ocidente, foram os que mais se beneficiaram da Guerra Fria. Até que os EUA resolveram ultrapassar o “fordismo” e partir para a “economia da informação”. Com isso, desestruturaram o “New Deal” europeu, reorientaram o mercado mundial para o Pacífico e conseguiram implodir o bloco soviético. Agora, os EUA provam do próprio veneno.

A derrota

De volta ao golpe de 1964. Nada justifica a deposição de um governo eleito democraticamente como o de João Goulart, muito menos a violenta repressão que se seguiu, mas isso não significa que os militares sejam os únicos responsáveis. Havia uma crise econômica no país, com inflação ascendente. O processo de substituição das importações, responsável pelo surgimento de um novo proletariado, e o avanço das relações capitalistas no campo, com o surgimento do agronegócio, exacerbaram contradições sociais. O Brasil se urbanizava rapidamente. A principal tese da esquerda brasileira, de que o país não poderia se desenvolver com latifúndio e domínio do capital estrangeiro, era falsa.

Jango apostava num suposto “dispositivo militar” que lhe garantiria “cortar a cabeça dos gorilas”, como avaliava Prestes, caso os militares tentassem um golpe de estado. “A resistência armada ao golpe seria um banho de sangue inútil, politicamente já estávamos derrotados”, disse-me Salomão Malina, herói da FEB condecorado com a Cruz de Combate de 1ª Classe, que sucedeu Giocondo Dias na secretaria-geral do PCB. Ele e outros ex-militares do Comitê Central do PCB, a maioria remanescente da chamada Intentona de 35 (Giocondo, Dinarco Reis, Teodoro Melo, Almir Matos, Ivan Ribeiro e Agliberto Azevedo), apoiaram a decisão do brigadeiro Francisco Teixeira, comandante da 3ª Zona Aérea, de não bombardear as tropas de Mourão Filho que desciam de Juiz de Fora. Teixeira era ligado ao “Setor Mil” do PCB.

O informe de balanço do Comitê Central ao 6º Congresso, realizado em 1967, na clandestinidade, explica as divergências sobre as razões do golpe de 1964 da cúpula do Partidão com Carlos Marighella e outros dirigentes que optaram pela luta armada. No plano eleitoral, havia duas opções antes do golpe: manter a aliança com o PSD e apoiar Juscelino em 1966; ou romper e fazer de Leonel Bizola (PTB) o sucessor de Jango. A esquerda considerava Juscelino pró-imperialista e preferiu lançar a candidatura de Brizola, com a bandeira das reformas de base “na lei ou na marra”. Foi derrotada.

Em tempo: Passarinho é protagonista de um debate imperdível com o ex-deputado cassado Marco Antônio Tavares Coelho, ex-membro da Executiva do PCB preso em 1975, e Ivo Herzog, filho do jornalista Vladimir Herzog e Clarice, no programa 3 a 1, da TV Brasil, hoje, às 22h.

''Ambiguidade é característica da carreira de Lula''

Roldão Arruda
Entrevista Marco Antonio Villa
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para historiador, presidente aplica discurso de esquerda no exterior, mas pratica política conservadora no País

Nos encontros que mantém com autoridades do exterior, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem procurado cultivar a imagem de liderança democrática de esquerda. Diante dos microfones das redes internacionais de comunicação, critica os ricos e sai em defesa dos oprimidos. Internamente, porém, a política econômica praticada pelo ex-líder sindical não tem nada a ver com a esquerda: herdada de seu antecessor, ela é estritamente capitalista, de contornos liberais, conservadora. Qual a razão desse descompasso entre discurso e prática? Para o historiador Marco Antonio Villa, professor do programa de pós-graduação em ciência política da Universidade Federal de São Carlos, a ambiguidade tem sido uma característica do presidente Lula desde os tempos de sindicalismo.

Como o sr. vê a ambiguidade do discurso presidencial, líder de esquerda no exterior e conservador internamente?

Parece-me que quando o presidente está lá fora ou conversando com líderes estrangeiros o que predomina é a visão de Marco Aurélio Garcia, seu assessor para assuntos internacionais. De acordo com essa visão é necessário cultivar simpatias e aproximações fortes com governos de esquerda, adotando a mesma linguagem dos líderes desses governos. Isso não combina com a política econômica interna, que é ultra ortodoxa e responsável, precisamos reconhecer, pelo sucesso que o governo teve até o terceiro trimestre do ano passado - quando a conjuntura internacional era favorável.

Por que ele não aplica internamente o discurso que faz fora?

Porque perderia a base de sustentação política, econômica e social.

Na prática, esse discurso de líder não alinhado traz alguma vantagem para o País?

Nenhuma. Na prática isso não tem redundado em benefícios concretos. Em todas as ocasiões em que tentou colher frutos dessa política, o governo foi derrotado.

O sr. falou na influência de Marco Aurélio Garcia. Mas como é que o presidente Lula se enquadra nesse figurino ambíguo?

A ambiguidade tem sido uma característica da carreira do presidente. Ela já se manifestava nos tempos de sindicalismo. Durante a grande greve de 1980, a mais longa do ABC, Lula começou a defender para as pessoas mais próximas que estava na hora de pôr um fim ao movimento. Ele queria um ponto final para a greve, mas não tinha coragem de falar isso publicamente. Então, pediu aos colegas da diretoria do sindicato para que o fizessem. Foi um desastre: eles receberam vaias assim que tocaram no assunto. Lula então apareceu em cena e pediu um voto de confiança aos grevistas para dialogar com os empresários. Conquistou o voto e acabou fazendo uma negociação, por debaixo do pano, para acabar com a greve. Essa ambiguidade, que o leva a radicalizar o discurso, ao mesmo tempo que busca soluções conservadoras na prática, vem, portanto, desde os tempos do ABC.

Qual a função real desse discurso radical?

O presidente Lula pode estar pensando lá na frente, na continuidade da sua vida política. Ele já se referiu a um programa internacional de apoio à África. Isso permitiria a ele continuar no primeiro plano da cena política e voltar como candidato em 2014. Voltaria não como ex-líder sindical ou personalidade de projeção nacional, mas como figura internacional.

Divisão antecipada

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


As pesquisas de opinião divulgadas nos últimos dias começaram a colocar em movimento mecanismos que normalmente só entram em ação cerca de um ano antes das eleições, lá por outubro: políticos já se posicionam na tentativa de marcar posição na chapa da presumível candidata oficial à sucessão de Lula, a ministra Dilma Rousseff. Passando de 13,5% em janeiro para 16,3% em março na pesquisa CNT/Sensus, Dilma mostrou-se uma candidata competitiva, confirmando o crescimento que já havia sido detectado tanto pelo Ibope como pelo Datafolha. Foi o próprio Lula quem antecipou a campanha, para tentar fixar a imagem da Dilma candidata, e agora vai ter que conter sua base aliada, embora dificilmente vá evitar um racha.

Há informações de que o presidente do PMDB, Michel Temer, teria sondado companheiros de partido sobre essa possibilidade, ao mesmo tempo em que o deputado federal Ciro Gomes recomeçou uma investida, naquele seu estilo rude de fazer política, para se colocar como um complemento ou um oposicionista ao PT, e não a Lula.

Tanto Ciro como o governador de Minas, Aécio Neves, são os mais imediatamente atingidos pelo crescimento sustentado da ministra Dilma, o primeiro por encur tar seu espaço como uma alternativa governista, e o governador por perder, pelo menos momentaneamente, a capacidade de se impor dentro do PSDB.

O governador de Minas, no entanto, continua sendo peça-chave na definição da corrida presidencial, pois, embora não consiga até o momento firmar uma imagem nacional — e por isso quer fazer campanha pelas prévias partidárias viajando pelo país —, tem a adesão firme do eleitorado de Minas Gerais, o que pode decidir uma eleição.

O deputado Ciro Gomes foi prejudicado pela metodologia do Sensus, que, diferentemente dos outros institutos de pesquisa, não o colocou ao lado de Dilma como opção para os pesquisados, sugerindo que ele não concorrerá contra Dilma.

Provavelmente se Ciro aparecesse na lista teria mais votos que Dilma, como indicam as pesquisas do Ibope e do Datafolha. A entrevista que Ciro deu ontem mostra bem a dificuldade que vai haver numa composição com seu partido, o PSB.

Anteriormente, ele dissera que lutaria para que seu partido apoiasse o governador Aécio Neves, e ontem saiu atirando em Dilma, afirmando que ela não tem experiência nem projeto político.

Ou está se oferecendo para preencher essas lacunas, já que seu partido é da base aliada do governo, ou está acenando com uma ruptura com o PT para marcar sua campanha presidencial como um candidato a favor de Lula, mas contra o PT. Um malabarismo complicado, que parece ao alcance de um político polêmico como Ciro, mas não parece ser o objetivo do PSB.

A favor da candidatura de Dilma, dois fatos políticos surgiram nos últimos dias. O ministro do Supremo Joaquim Barbosa, que será o presidente do Tribunal Superior Eleitoral na época da eleição, já anunciou que o julgamento dos processos contra os acusados pelo mensalão só acontecerá em 2011, o que deixará o ex-ministro José Dirceu mais à vontade para continuar suas articulações regionais, e também dará tempo para o ex-tesoureiro Delúbio Soares voltar ao PT e tentar se eleger deputado federal.

A pesquisa Sensus, por outro lado, revelou um paradoxo que só será totalmente compreendido no decorrer da campanha presidencial.

Ao mesmo tempo em que perdia popularidade, Lula via crescer seu poder de influir na escolha do eleitorado.

A popularidade do presidente continua nas alturas em todas as três pesquisas, mas é incompreensível que sua influência aumente no mesmo momento em que perde cerca de 10% do índice de popularidade.

Segundo a pesquisa, 50,1% dos eleitores votariam no candidato apoiado por Lula.

Em dezembro, eram 44,5%.

Aliás, em matéria de incongruências, essa pesquisa do Instituto Sensus está cheia.

Embora tenha crescido o índice de críticos ao governo, cresceu também o número de pessoas que acreditam que o país sairá da crise mais forte do que entrou, justamente o mesmo sentido da catilinária governista.

O governador de São Paulo, José Serra, aparece nas três pesquisas como o francofavorito, e o presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, ousou lembrar que, nas eleições de 2002 e 2006, o candidato que estava nessa posição nesse momento, que era Lula, acabou vencendo a eleição.

Montenegro, aliás, já deu entrevistas dizendo que 2010 é a vez de Serra se eleger presidente.

De fato, o governador tucano apresenta até mesmo crescimento da preferência dos pesquisados mesmo se recusando a antecipar a campanha presidencial, para desespero de muitos em seu partido.

Enquanto a ministra Dilma Rousseff se beneficia da exposição de sua imagem na campanha das obras do PAC, em uma evidente burla do espírito da legislação eleitoral que não encontra na Justiça um freio, os demais candidatos não governistas, inclusive os aliados, permanecem à sombra.

Serra advoga esse recolhimento das armas para se dedicar a governar São Paulo em meio à crise econômica, o que pode lhe valer uma imagem de político sério, comprometido com seus deveres de governante, na hora da campanha. E, a pretexto de estar divulgando as ações do governo, já patrocinou anúncios nacionais da Sabesp, o que também foi uma maneira de burlar a lei eleitoral.

O fato é que as pesquisas de opinião vão firmando uma situação que dificilmente será revertida até o próximo ano, com a polarização entre os candidatos do PT e PSDB que poderá ser muito influenciada pelas consequências da crise econômica no bolso do cidadão.

Enquanto o governo insistir em prever um crescimento da economia maior do que poderá entregar no fim do ano, maior a chance de provocar uma frustração em seu próprio eleitorado.

Lições esquecidas

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Há 45 anos, os militares tomaram o poder e golpearam as instituições democráticas. Hoje, o Senado ofende o país, a Câmara dos Deputados acumula escândalos, o Supremo toma uma decisão que, se cumprida, liberará criminosos da prisão, o Executivo usa a estrutura do governo para campanha política. O que o Brasil está fazendo com a democracia dolorosamente conquistada?

Não aprendemos as lições dolorosas do passado? Se a ideia é provar aos 83 milhões de brasileiros que nasceram após o último general deixar a Presidência pela porta dos fundos do Palácio do Planalto, que a democracia é cara, ineficiente e fonte de corrupção, as nossas autoridades estão no caminho certo.

Em declarações e atos nos últimos dias, os senadores levaram ao limite a paciência dos contribuintes: “todos aqui sabem como a Casa funciona”, lembrou a senadora Roseana Sarney, numa reunião de líderes. Mas o país não sabia tudo isso. O Senado não existe para ser essa coleção de privilégios, irregularidades e vergonhas aceitas como normais. Era para ser uma instituição madura, revisora das decisões da Câmara dos Deputados, representante, em equilíbrio paritário, dos estados da Federação.

O país já sabia que o Senado não funcionava exatamente como nos livros escolares.

O país poderia até intuir nomeações de parentes, funcionários fantasmas, gastos excessivos, mas não tudo isso que está vendo nos últimos dias. Um clube com uma coleção de absurdos tão excessivos que pode levar os jovens brasileiros — os que não viram o peso do Congresso Nacional fechado — a se perguntarem: para que a instituição existe? Se a pergunta for feita, o risco é de que as respostas sejam que o Senado existe para que a casta dos senadores possa usar, como quiser, o dinheiro público, para que o exdiretorgeral Agaciel Maia tenha bens acima de suas posses e nem os declare, e que, em troca, permita a farra das contratações que levou a Casa a ter o exorbitante número de 10 mil funcionários, com direito a hora extra no descanso.

E que existe também para que os senadores nomeiem para a presidência da poderosa Comissão Mista do Orçamento o “Almeidinha”, aquele cuja qualificação foi ter sido o fiel escudeiro do senador Renan Calheiros, que usava uma empreiteira para pagar a amante.

Na Câmara dos Deputados, a cumplicidade dos pares em torno de irregularidades e desvios que já chocaram o país em várias ocasiões. Dos anões do Orçamento para cá foram tantos, que o país até já perdeu a conta.

O Executivo está em plena campanha política. No dia 18 de fevereiro, só para citar um evento, o Palácio do Planalto foi sede de uma reunião do Conselho Político sobre as chances da candidata declarada do presidente Lula à sucessão, quando se tomou a decisão que ela continuaria a “inaugurar” obras. Nem se dão ao trabalho de fazer a reunião fora do expediente, em outro local. Será assim nos próximos dois anos: o governo será usado para a campanha presidencial, com as explicações de sempre de que a gerente precisa acompanhar as obras. É o álibi pré-moldado.

Álibi que será usado pelos outros candidatos que exerçam cargo público.

Depois, bastará a Justiça Eleitoral punir um ou outro governador para dar a impressão de que está vigilante. A Justiça Eleitoral tem que prevenir, estabelecendo os princípios agora, para todos os governos, para todos os candidatos.

O Supremo Tribunal Federal entendeu que enquanto o réu puder recorrer, ele o fará em liberdade. A regra já valia para alguns privilegiados.

O assassino confesso Antônio Pimenta Neves, condenado em dois julgamentos, permanece solto.

Todas as evidências e até as confissões não valem, porque, na dúvida, a decisão é “a favor do réu”.

Bernard Madoff cometeu apenas um erro: não nasceu no Brasil. O ex-presidente da Nasdaq é autor da maior fraude financeira de que se tem notícia. Ficou em prisão domiciliar, confessou o crime e foi levado para a prisão, aonde vai esperar o julgamento. E, quando for condenado, ele poderá recorrer. Porém, o fará da prisão.

Se Madoff estivesse no Brasil, ele poderia pedir habeas corpus com grande chance de ser beneficiado por uma daquelas decisões idiossincráticas de que ele não ofereceria risco de fuga, ou o FBI teria se excedido na investigação, ou qualquer um dos argumentos que aparecem em algumas liminares, apenas para os notáveis.

O princípio do in dubio pro reo é do Direito universal, mas sua interpretação, aqui, criou uma esquisitice: antes do julgamento, dependendo do suspeito, ele pode ficar preso em diversas circunstâncias; depois do julgamento é que a dúvida se estabelece e, aí, o réu poderá recorrer em liberdade, até se esgotar o último recurso.

Quarenta e cinco anos depois de iniciado o segundo período ditatorial da República, o que se passa na cabeça dos donos dos poderes republicanos? Há uma desconfortável sensação de que eles não veem o perigo extremo que o país corre. Não de outro golpe militar, a história não se repetirá assim.

O risco maior é de os jovens — os donos do futuro — acharem que a democracia não vale o que custa.

Afinal, 44% dos brasileiros nasceram depois do fim da ditadura militar.

Mais de 100 milhões de brasileiros nasceram depois do fim do AI-5. Já são a maioria. Eles nada viram; podem não notar as virtudes que nós, os mais velhos, valorizamos na democracia.

Omissão do PT revela ação política da PF com a conivência de um juiz, diz Freire

Valéria de Oliveira
DEU NO PORTA DO PPS


"A revelação de que o PT foi omitido no relatórioda Operação Castelo de Areia não deixa dúvida sobre o uso político que a Polícia Federal e o juiz Fausto de Sanctis fizeram de um caso de corrupção", disse o presidente do PPS, ex-senador Roberto Freire, nesta terça-feira. Além do PT, citado em e-mails interceptados na investigação, PTB e PV ficaram fora do relatório.

As informações sobre a investigação foram vazadas para a imprensa, mas os partidos de oposição é que foram os principais prejudicados, já que sobre eles ficou a pairar a suspeita de recepção de doações ilegais para campanhas eleitorais vindas da empreiteira Camargo Corrêa, conforme deu a entender o texto do juiz De Sanctis. Quando estourou o caso na mídia, o PT foi preservado.

Polícia política

"Corremos o risco de ter entre nós uma polícia política; tudo isso facilitado por um juiz", advertiu Freire. Pelo conteúdo do processo, ele acredita que as doações a partidos citadas nas conversas e e-mails interceptados podem ter sido feitas dentro da lei, porque nelas havia a cobrança de recibos. "A impressão que ali dá é de que era legal".

Corrupção em refinaria

"Por trás da operação espetacular das doações de campanha está a corrupção na construção da refinaria de petróleo de Abreu e Lima, em Pernambuco", acrescenta Freire. O Tribunal de Contas da União analisou as contas da obra, orçada em R$ 9 bilhões, detectou superfaturamento e desvio de recursos e já determinou a interrupção de repasses de recursos por causa das irregularidades. Somente em terraplanagem e asfaltamento teriam sido superfaturados R$ 53 milhões. O consórcio vencedor da licitação pediu R$ 23 bilhões para executar o serviço.

Freire questiona as matérias veiculadas pela mídia que criticam o fato de o filho de um dos ministros do TCU trabalhar na Fiesp (Federação das Indústrias de S]ao Paulo). "Afinal, foi o TCU quem denunciou a corrupção na refinaria; qual é o problema de o filho de um ministro trabalhar na Fiesp? Se o TCU tivesse liberado a verba, poderíamos desconfiar; mas, não, foi ele quem denunciou as irregularidades e impediu mais repasses".

O presidente do PPS elogiou o trabalho da desembargadora Cecília Mello, de São Paulo, que "consegue trazer o feito à ordem". Ela desqualificou as alegações do juiz De Sanctis e afirmou que ele autorizou a operação com base em suspeitas e ilações (leia). Freire disse que é preciso acabar com a idéia de justiceiros, em vez de juízes.

A suspeita infundada

A PF investiga desvio de recursos repassados à construtora para obras do governo federal, como a Refinaria Abreu de Lima, em Pernambuco. Um suposto esquema de lavagem de dinheiro e remessa ilegal de recursos para o exterior, estimado em R$ 20 milhões, também é alvo da operação. No decorrer da investigação escutas ilegais captaram conversas entre diretores da empresa e intermediários com relação a doações de recursos para partidos. Num desses "grampos", o PPS é citado como beneficiário de uma divisão de recursos da empreiteira doados para o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA). Segundo o diálogo, de R$ 200 mil que teriam sido repassados para o político, R$ 100 mil teriam sido dividos entre PSB, PDT e PPS.

O próprio senador confirmou o recebimento dos recursos e provou, através de recibos, se tratar de docação legal. Segundo comprovou, a Camargo Corrêa fez dois depósitos, cada um no valor de R$ 100 mil, na conta do Diretório do PSDB no Pará.

Leia mais

PPS protocola pedido de acesso aos autos e coloca contas à disposição da Justiça
Desembargadora desqualifica decisão de juiz
PPS nega recebimento de doações ilegais

PF: DIA DA MENTIRA

Confraria do pau oco

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


De uma prática absolutamente usual, confessa, aceita e disseminada ao ponto de servir de justificativa para se instituir o financiamento público de campanhas eleitorais, o uso do caixa 2 nas doações aos partidos políticos passou, nos últimos dias, a ser algo nunca visto, jamais cometido, rechaçado e, quando muito, adotado de forma muito restrita.

Todos os partidos e políticos até agora citados no âmbito da Operação Castelo de Areia, que investiga entre outros crimes repasses "não contabilizados" da construtora Camargo Corrêa, alegaram que as transações quando, e se, ocorreram, estavam dentro dos conformes da legislação.

Alguns já apresentaram comprovantes, outros juram que o farão em breve, manifestando a indignação dos justos. Como se o uso do caixa 2 fosse a exceção e não a regra.

Um excelente serviço prestado pela Polícia Federal aos santos do pau oco que agitam seus recibos comprobatórios da face legal da relação de financiamento de partidos, certos de que da face ilegal a polícia não achará rastros. A expressão delubiana já diz, não são contabilizados, deles não há registro. Sem digital identificada ou confissão oficializada, vale o que pode ser escrito.

A PF alega ter baseado sua investigação na "suposição" de que os diálogos gravados entre funcionários da construtora e intermediários de partidos faziam referências a doações ilegais, notadamente por causa das expressões "por dentro" e "por fora" registradas nas transcrições.

Se for só esse o tipo de indício, é lamentável, mas a PF politizou a operação. Saem cheios de razão aqueles que desde o início denunciaram o "viés" político, apontando como evidência a exclusão do PT da lista dos receptores de doações.

Diz a polícia que PT, PTB e PV ficaram de fora porque as conversas não revelaram sinais suficientes de que esses partidos poderiam ter recebido dinheiro "por fora". Pois bem, e os outros cujos nomes foram incluídos e divulgados e que comprovaram a legalidade das doações? As referências, ao que se conhece do inquérito, eram também inconsistentes.

Tanto eram que a defesa da Camargo Corrêa, o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos à frente, será toda baseada na apresentação de comprovantes dos repasses cotejados com a transcrição dos telefonemas.

A equipe de Thomaz Bastos está recolhendo os recibos, lendo o inquérito para tentar estabelecer a ligação entre as conversas e os documentos. "Vamos mostrar que as referências feitas nos telefonemas são todas relativas a atos perfeitamente legais", diz o advogado.

Se as coisas assim transcorrerem realmente, ficará o dito pelo não dito, os inocentes misturados aos culpados e a Polícia Federal, até prova em contrário, servindo como fiadora à candura contábil dos partidos.

Síndrome de diretoria

Aberto o nicho da proliferação de diretorias na administração pública, por ora já se descobriu que a criação de instâncias artificiais de comando para melhorar proventos e status de apaniguados é adotada no Senado, no Palácio do Planalto, na Assembleia Legislativa de São Paulo, na Câmara Municipal da cidade do Rio de Janeiro.

A adoção dessa modalidade de empreguismo é típica da noção de que dinheiro público não tem dono.

Na iniciativa privada alguém ocupa uma diretoria por promoção resultante do mérito profissional. Há critérios, pois são em menor número os funcionários que têm maiores responsabilidades e, por isso, ganham mais.

No setor público ocorre o oposto: primeiro criam-se as diretorias e depois se distribuem os cargos em função da necessidade, e não necessariamente da capacidade, de cada um dos favorecidos. O conceito de mérito é estilizado: a cada qual segundo suas melhores relações políticas, pessoais e, no limite, comerciais.

Melhor parte

No anúncio do pacote de habitação Lula deixou a regra clara: "Não quero ninguém me cobrando prazo."

Quer dizer, firmado o compromisso com o lançamento do projeto, carimbara a autoria e, garantido o bônus político decorrente, tudo o mais que se refira à promessa de construção de 1 milhão de casas populares - vale dizer, execução e conclusão do projeto - está fora da alçada do presidente.

Se algum dia for concluído, terá sido obra de Lula. Se ficar aquém do prometido ou não passar da fase das boas intenções, a responsabilidade será do governante da vez.

É mais ou menos a lógica aplicada à política econômica: enquanto o mundo cresceu e favoreceu o Brasil, a bonança interna era uma realização do homem que veio de baixo e fez o que "nunca antes neste país" havia sido feito. Quando a canoa virou, inverteu-se a relação de causa e efeito e espetou-se a conta nas costas da "gente branca e olhos azuis".

Contra fatos não pode haver conjecturas

José Nêumanne
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Quis Deus Nosso Senhor que este artigo fosse publicado aqui em 1º de abril, o dia da mentira, no qual, desde eras imemoriais, pregam-se peças e se dão sustos em amigos, abandonando-se os rígidos cânones da verdade absoluta. Não cabe a este limitado e inculto cronista de costumes políticos invadir aqui nem a seara antropológica de Roberto DaMatta nem a área psicanalítica do terapeuta Flávio Gikovate, entrevistado por Sonia Racy para o Caderno 2 de anteontem. A mentira, lembrou este, é "um óbvio sinal de inteligência da criança". E, da mesma forma como pode ser uma demonstração de mau caráter de alguém que a utiliza para se dar bem, levar vantagem, como rezava a Lei de Gérson, também tem um lado bom. A chamada "mentira piedosa" facilita tudo, porque "as pessoas não gostam de ouvir a verdade", disse Gikovate.

Os anglo-saxões têm obsessão pela verdade, certamente porque a prosperidade de uma sociedade depende do cumprimento dos compromissos pelos contratantes. Sem dúvida, um dos índices mais reveladores da higidez de uma economia é o da inadimplência: quanto mais alto este for, menos confiável aquela é. Nós, latinos, somos mais compassivos com quem mente ou com quem deixa de honrar um compromisso, até por nos considerarmos mais ladinos. A mentira pode ser um "instrumento da inteligência humana", como explicou o psiquiatra ouvido por Sonia. Mas isso só se aplica à vida privada, nunca à vida pública, que deve primar mais pela transparência que pela cortesia. Sem hipocrisia não há relações sociais, mas, aplicada na gestão pública, ela provoca desastres. Autor e leitor seriam hipócritas, contudo, se não reconhecessem que a prática política desmente e desmonta essa teoria a cada segundo. O cidadão está condenado a ouvir mais mentiras de seus representantes ou governantes que de seus cônjuges.

Mais nefasta que a negação da verdade - admitida em forma de silêncio como elemento de defesa no Direito, desde sempre (é clássico o conceito de que ninguém é obrigado a confessar a verdade, se isso lhe for prejudicial num processo) - pode ser a verdade pela metade. A chamada meia-verdade tem sempre o efeito maléfico de uma mentira e meia. Pois esse estratagema de se apropriar de parte de um fato para convencer ou prejudicar outrem, de maneira maquiavélica, produz efeitos mais danosos à vítima que o impacto da grosseria de uma verdade dita de forma abrupta e em hora imprópria e também que uma maledicência cheia de veneno.

Pior ainda que a meia-verdade é a conjectura - alguém imputar a outrem algo que pensa que fez (ou até sabe que não fez) para tirar vantagem disso. A difamação pela conjectura é uma velha tática política de desqualificação do adversário para lhe tomar o poder, subjugá-lo e, por fim, esmagá-lo. Mestre consagrado nessa arte foi Josef Stalin, que conseguiu a proeza de fazer com que, em nome de ideais comuns, antigos companheiros, tornados desafetos nas disputas internas pelo controle do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), confessassem crimes que não cometeram, mas lhes foram atribuídos pelo tirano.

A prática stalinista da submissão do oposto por sua difamação tem sido usada com frequência em nosso país. O procurador Luiz Francisco de Souza ganhou o apelido do frade queimador de bruxas da Inquisição Torquemada pela devoção com que se dedicava à destruição de reputações, inspirando-se mais nas próprias convicções ideológicas que nos fatos. Hoje seu nome repousa em merecido ostracismo, mas o santo ofício a que se dedicou ainda tem seus prosélitos. Conjecturas motivaram as denúncias de "corrupção grossa" de ilustres próceres do Partido dos Trabalhadores (PT) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT) contra a cúpula das telecomunicações no governo federal tucano. Quem nelas se inspirou mereceu críticas certeiras do juiz federal que absolveu os responsáveis pela privatização das telefônicas, porque nunca se esforçaram para provar o que delataram. Apesar da sentença histórica, também não faltaram expressões condicionais no relatório do delegado Protógenes Queiroz sobre as práticas heterodoxas do banqueiro Daniel Dantas.

Protógenes foi afastado da investigação, mas pode ser que não tenha sido um caso isolado na Polícia Federal, a julgar pela decisão da desembargadora Cecília Mello, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª região, de mandar soltar sete presos - cinco diretores e duas secretárias da empreiteira Camargo Corrêa. Sem medo de contrariar os "idiotas da objetividade", que estão sempre prontos para conjecturar sobre a suspeição das decisões da Justiça de mandar soltar protagonistas das espetaculares operações da Polícia Federal, ela teve o cuidado de pinçar da sentença do juiz Fausto De Sanctis (o mesmo que condenou Daniel Dantas à prisão) o uso exagerado de verbos, advérbios e adjetivos condicionais em frases que exigiam substantivos afirmativos: "teriam sido; supostas; poderia estar havendo; poderia; suposto; eventual..."

O despacho com que a desembargadora concedeu o habeas corpus aos acusados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, com prisão ordenada pelo juiz, não os exime preliminarmente de culpa. Ela apenas, no cumprimento estrito de sua função judicante, exigiu tanto dos investigadores quanto dos promotores que apresentassem provas, e não meras hipóteses. Não cabe aqui discutir se os presos cometeram ou não delitos, mas, sim, lhes garantir o mesmo benefício da dúvida pelo qual o presidente Lula tanto se bate quando se trata de julgar e prender os réus do "mensalão", por exemplo. Se cometeram crimes, têm de responder por eles. Cabe aos policiais e aos promotores investigá-los e mandar fatos, e não conjecturas, para a Justiça resolver se deve puni-los com penas proporcionais aos delitos comprovados.

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

Cenários Eleitorais

Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente de Vox populi
DEU NO ESTADO DE MINAS

Quem quiser fazer muitas contas com pesquisas tão prematuras pode até se divertir, mas longe não vai

A profusão de pesquisas sobre as eleições de 2010 já começa a criar alguma confusão. Só nos últimos dias, foram três e outras estão vindo por aí. Seus resultados nem sempre convergem.

Quem acompanhou o noticiário em momentos semelhantes de governos anteriores deve se lembrar que essa não era a regra que tínhamos. Ao contrário, apenas quando chegávamos perto das eleições é que as pesquisas de intenção de voto passavam a estar regularmente na mídia.

Não é possível comparar a situação de agora com os períodos de Sarney e Collor, pelas enormes diferenças que guardam com os tempos que vivemos. Mas não tivemos algo parecido em março de 1993, na presidência de Itamar, e nem em março de 1997, quando Fernando Henrique entrava no penúltimo ano de seu primeiro governo.

Isso também não aconteceu no início de 2005, com Lula presidente. Naquela altura, eram incomuns pesquisas sobre as eleições de 2006, que se intensificaram apenas no segundo semestre, a partir do mensalão. Já em setembro, elas passaram a ser feitas e divulgadas com regularidade.

A exceção mais notável a essa regra nos ajuda a entender por quê. Dos presidentes contemporâneos, o único que governou convivendo com frequentes pesquisas sobre sua sucessão foi Fernando Henrique no segundo mandato. Aquele, que nem bem tomou posse, viu a economia brasileira ir quase à deriva, enquanto o governo se mostrava incapaz de esboçar uma reação competente.

A crise cambial de 1999 provocou uma antecipação subjetiva do calendário político de vários anos, fazendo com que a imprensa e a opinião pública se interessassem cedo (até demais) pelo futuro. Ainda no primeiro semestre daquele ano, pesquisas sobre as eleições de 2002 se tornaram habituais.

Não deve ser agradável para um presidente com muito tempo de governo ler, todo dia, pesquisas sobre quem tem mais chances de sucedê-lo. É como se seu governo ficasse desimportante antes da hora, se tornasse irrelevante.

Essa parece ser a consequência que aguarda os presidentes que erram muito aos olhos da sociedade. Foi o sentimento mais característico a respeito de Fernando Henrique naquela altura, um presidente que todo o país admirava pela inteligência e que se revelou de uma inesperada inabilidade para lidar com a crise financeira. Foi o que ocorreu com Lula durante o mensalão, que tinha a imagem de alguém sobre quem tudo se poderia dizer, menos que compactuaria com atos como os que foram denunciados.

Olhando, então, nosso passado pós-redemocratização, quase poderíamos chegar a um princípio geral de nosso sistema político, segundo o qual a proliferação de pesquisas eleitorais antes da hora é sintoma de crise de imagem e de credibilidade de um presidente. Tudo que se passou nos últimos 15 anos confirmaria a regra.

O problema é que a situação que estamos vivendo neste momento a desmente. Agora, temos um Lula que, mesmo tendo, recentemente, perdido vários pontos nos indicadores de popularidade, continua sendo o campeão da aprovação dentre os presidentes modernos. Aliás, as pesquisas deste começo de ano apenas seguem as que se fazem desde 2007, quando seu governo só crescia na boa avaliação.

O principal responsável pelo que acontece é o próprio Lula. Quem gosta de um palanque como ele deve adorar pesquisas eleitorais, especialmente as que atestam sua força. Seja se fosse disputar um hipotético terceiro mandato, seja quando decide confirmá-la lançando uma candidata como Dilma. O que pôs as pesquisas em pauta foram seus atos.

Pesquisas eleitorais feitas agora são úteis para muitas coisas. Medem quão conhecidas são algumas pessoas, normalmente as que já disputaram eleições parecidas. Fornecem argumentos para disputas internas, nos partidos que não têm dono. Ajudam a identificar os efeitos de conjuntura nas inclinações do eleitorado.

Pouco mais que isso, no entanto. Quem quiser fazer muitas contas com pesquisas tão prematuras, pode até se divertir, mas longe não vai.

Cenários distorcidos

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO

A exatamente um ano do início efetivo da temporada eleitoral de 2010, marcado pelo prazo de desincompatibilização para quem vai se candidatar, os cenários das disputas apresentados nas três pesquisas de opinião divulgadas na última semana, dos Institutos Datafolha, Ibope e Sensus, permitem registrar, em geral, estagnação do quadro geral com alguns poucos atores em movimento.

Estes estão, principalmente, nos levantamentos sobre sucessão estadual. Uma evidência inesperada é o desempenho de Geraldo Alckmin (PSDB) junto ao eleitorado de São Paulo, que o colocou na liderança da disputa para o governo do Estado. Ele tinha, em retrospecto, boa avaliação em pesquisas para a sucessão estadual, mas sua baixa performance na campanha para a prefeitura, ano passado, criou a impressão, que revelou-se falsa, de que precisaria de tempo para se recuperar.

O desempenho na eleição municipal não lhe fez tão mal assim: os candidatos adversários, Marta Suplicy e Gilberto Kassab, atacaram-se mutuamente e com isto mantiveram preservada a imagem do ex-governador tucano.

Outro destaque das atuais pesquisas é a boa situação de Hélio Costa (PMDB) na disputa pelo governo de Minas. O ministro das Comunicações não teve papel importante nas eleições municipais, surge agora como líder em qualquer cenário.

O preliminar candidato do popular governador Aécio Neves (PSDB), Antonio Anastasia, atual vice-governador, terá sua hipotética candidatura colocada em hibernação por um período, de forma a permitir melhor análise do quadro estadual com a ocupação do espaço protagonizada por Hélio Costa. Porém, esta não é uma situação consolidada. Não se pode imaginar que a campanha vá manter Aécio, seu candidato e seu apoio fora do jogo da sua própria sucessão. Impossível.

Os cenários da Bahia, de Pernambuco e alguns dos levantamentos sobre a sucessão presidencial estão distorcidos pela composição da disputa, mas revelam também indícios de movimento. O governador baiano Jaques Wagner (PT) está em primeiro lugar no pleito da reeleição, com 36%, e seu ex-aliado do primeiro mandato Geddel Vieira Lima (PMDB), que com ele vem disputando a rédea do poder, está apenas no quarto lugar. Parecia ter mais apoio popular.

Não é isto, porém, que desvirtua a situação. Entre os dois a pesquisa inclui, na mesma disputa, Paulo Souto (DEM), com 19% e Cesar Borges (PR), com 10%. Além de ambos terem o mesmo eleitorado (são ex-governadores formados no antigo PFL e egressos do carlismo), não há decisão sobre a candidatura Borges. Estas intenções de voto, para retratarem uma situação real, teriam que estar somadas.

Caso semelhante pode-se registrar em Pernambuco, onde o atual governador, Eduardo Campos (PSB), lidera com 40% das intenções de voto. O ex-governador Jarbas Vasconcelos (PMDB) marca 34%, mas na mesma lista está incluído o seu aliado José Mendonça (DEM), com 10%, que tem eleitorado em comum.

O presidente Lula tem feito um apelo à unidade na sua base aliada e demonstrado a importância de convergirem todos para um único candidato, mas isto não deveria ter sido suficiente para não fazer constar os candidatos Dilma Rousseff (PT) e Ciro Gomes (PSB) da mesma lista de opção de voto. Não há decisão sobre a candidatura única e a entrada de Ciro no cenário pode alterar bastante o quadro de intenções de voto tanto para o PT quanto para o PSDB.

As atuais pesquisas retratam ainda uma situação delicada para a candidatura governista à sucessão presidencial no que se refere ao desempenho dos candidatos nos Estados. Em 2006, com altos índices de popularidade e sendo ele próprio candidato, o presidente Lula podia ter candidatos fracos nos Estados que ajudaria a levantar e crescer. A ministra Dilma Rousseff não possui este condão, ao contrário, precisa ter candidatos fortes nos Estados, os mais fortes do ranking, para ajudá-la a avançar na preferência do eleitorado. Ainda não os tem.

Duas outras coisas se notam a um ano da desincompatibilização: nenhum potencial candidato apresenta a esta altura um projeto digno de conquistar multidões; e muitos deles estão crescendo pela evidente antecipação das campanhas em todos os níveis. Esta antecipação seria uma características de eleições em que quem já é conhecido e popular, como Lula, não pode ser candidato. Desde cedo é preciso fortalecer um nome para torná-lo competitivo.

Palavreado

O deputado Ciro Gomes (PSB-CE), depois de um período de afastamento da política, reassumiu no último fim de semana presença no debate sucessório, mas não parece transformado pela fase de recolhimento. Contraditório, em entrevista à revista Isto É destaca sua fraterna amizade com a ministra Dilma Rousseff, candidata à sucessão do presidente Lula, que considera uma administradora "sem par", embora ataque sua administração. "O Brasil precisa de administração profissional e meritocrática. A administração pública não vai bem. O desempenho do PAC é sinal disso. Hoje tem muito mais dinheiro que capacidade de fazer".

E o palavreado continua também o mesmo. As alianças são presididas pela "fisiologia, clientelismo, concessão à safadeza, à ladroeira". E a palavra "estúpida" volta com força para qualificar a legislação de meio ambiente, de licitações, de controle de contas, além da inflação de demanda. Os admiradores do vocabulário do deputado só sentiram falta do "otário".

Ato de vontade

Passou desapercebida e sem desdobramentos ou explicações entrevista do presidente Lula à CNN, no domingo, em que ele confessa que, graças ao elevado índice de popularidade de que dispõe poderia disputar mais um mandato. Bastaria, receitou, propor que um deputado apresentasse uma emenda de terceiro mandato (seu amigo Devanir Ribeiro, do PT, já a apresentou). Mas simplesmente não quis.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Superávit primário despenca 85%

Adriana Fernandes e Renata Veríssimo
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Queda de 3,05% na arrecadação e alta dos gastos em 19,6% reduzem superávit a R$ 3,04 bi em janeiro e fevereiro

A combinação de queda das receitas de impostos com o aumento das despesas, em velocidade ainda maior, fragilizou as contas públicas no primeiro bimestre do ano. A economia que o governo federal faz para pagar as despesas com juros da dívida pública - o chamado superávit primário - caiu 85,1% nos dois primeiros meses de 2009. Um tombo de R$ 17,53 bilhões em relação ao superávit do primeiro bimestre de 2008.

No mês passado, o governo central teve um déficit de R$ 926,2 milhões, o primeiro resultado negativo em meses de fevereiro desde que o governo começou a calcular o indicador, há 12 anos. No bimestre, o superávit primário das contas do governo central (Tesouro Nacional, INSS e Banco Central) fechou em R$ 3,04 bilhões, ante R$ 20,58 bilhões em 2008. O desafio é grande porque o compromisso do governo é gerar, no primeiro quadrimestre, um superávit primário de R$ 17 bilhões.

A análise das contas indica que as despesas do governo central cresceram 19,59%, enquanto as receitas caíram 3,05% no bimestre, por causa do impacto da desaceleração da atividade econômica na arrecadação e das desonerações fiscais. Em 2008, ocorria o contrário: as receitas cresciam 19% e as despesas, em ritmo menor, 14,8%.

Esse desempenho ruim do governo central acabou comprometendo toda a contabilidade do setor público (União, Estados, Municípios e estatais), nesse início de ano, segundo dados divulgados pelo Banco Central.

Embora o saldo final seja um superávit de R$ 9,29 bilhões no primeiro bimestre, o equivalente a 2% do Produto Interno Bruto (PIB), a economia feita pela União, governadores, prefeitos e dirigentes de estatais representou apenas um terço da que foi gerada no mesmo período do ano passado, quando o setor público fez um superávit de R$ 27,62 bilhões, ou 6,21% do PIB.

Apesar da fragilidade das contas públicas, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, afirmou que não há deterioração da política fiscal do Brasil. Segundo ele, o resultado mostra a prática de uma política anticíclica, que, como explicou, será executada sem se descuidar da situação fiscal de médio e longo prazos. "É a nossa política. Nós construímos isso. Temos instrumentos que permitem isso."

No entanto, mesmo com esse discurso otimista, Augustin reconheceu que o governo poderá recorrer à dedução dos gastos previstos no Projeto Piloto de Investimentos (PPI) e à poupança formada no Fundo Soberano do Brasil (FSB) para cumprir a meta de 3,8% do PIB para o superávit primário deste ano. O governo tem R$ 14,2 bilhões no FSB e outro 0,5 ponto porcentual do PIB referente aos gastos para os projetos do PPI, basicamente os do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Os dois instrumentos, como explicou, fazem com que o Brasil não pare em um momento difícil. "Nos momentos em que a economia precisa mais de uma ação governamental, os investimentos podem ser mantidos, inclusive auxiliando a economia, fazendo desonerações e não permitindo que haja queda tão forte do emprego e da economia." Ele defendeu os aumentos dos gastos, reforçando que, neste momento de incertezas, ações anticíclicas são importantes.

Os investimentos, por exemplo, cresceram 14%, passando de R$ 2,37 bilhões (em 2008) para R$ 2,704 bilhões no primeiro bimestre deste ano. Em 2008, o crescimento foi de 18% ante os dois primeiros meses de 2007.

Na avaliação de Augustin, no aspecto fiscal, é preciso comparar a situação do Brasil com a de outros países. "No momento de crise, o resultado de contas públicas do Brasil é um dos melhores do mundo." O secretário disse que já há uma melhora na economia que será sentida nas contas de março e abril . "Esse resultado do bimestre ainda tem muita coisa do impacto da crise em dezembro."

Peugeot ignora prorrogação do corte do IPI e demite 250

Adriana Fernandes, Cleide Silva e Daniele Carvalho
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Montadora diz que as demissões foram negociadas antes com o sindicato

A decisão da PSA Peugeot Citroën de demitir 250 funcionários da fábrica de Porto Real (RJ) no mesmo dia do anúncio da prorrogação do corte do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para os carros por mais três meses criou constrangimento político para o ministro da Fazenda, Guido Mantega. A renovação do corte exigia contrapartida das montadoras de manutenção de empregos.

O Ministério da Fazenda, por meio da assessoria de imprensa, admitiu ontem que o acordo é de "cavalheiros" e o governo não tem como obrigar as montadoras a manterem o emprego. "Mas, sendo o IPI um tributo regulatório, o governo tem a prerrogativa de voltar atrás no benefício fiscal caso a indústria (como um todo e não apenas uma empresa específica) não cumpra o acordo de não demissão. Mas não existe decisão tomada nesse sentido", afirmou a assessoria.

Segundo o Ministério, Mantega só tomou conhecimento das demissões ontem. A demissão foi comunicada na segunda-feira aos funcionários. A assessoria informou que o ministro "pode se manifestar sobre o assunto" quando retornar da viagem ao exterior. Ele está em Londres, onde participará da reunião de cúpula do G-20 junto com o presidente Lula.

Quando o governo concedeu o benefício do IPI pela primeira vez, em dezembro, Mantega foi criticado por não ter amarrado o acordo à garantia de empregos. No anúncio de ontem, ele deu ênfase no acordo de não demissão. Essa era a "novidade" da prorrogação, disse.

O novo acordo entrou em vigor hoje. A PSA informou que as demissões foram negociadas com o Sindicato dos Metalúrgicos do Sul Fluminense antes da decisão do IPI. Os demitidos pertenciam ao grupo de 700 empregados que estavam em licença remunerada desde janeiro. Os 450 que restaram voltaram ao trabalho ontem.

"Apesar das demissões, a maior parte dos empregos foi mantida e a empresa se comprometeu em manter um auxílio social", disse o diretor do sindicato, Edmilson Alvarenga. A empresa tem 3 mil funcionários e havia inaugurado um terceiro turno de trabalho pouco antes de estourar a crise financeira. Segundo a PSA, no primeiro bimestre a exportação de motores caiu 78% e a de carros, 30%.

Já a General Motors convocou para o trabalho 150 funcionários de um grupo de 1,6 mil temporários cujos contratos não estão sendo renovados em São Caetano. O motivo é a reação das vendas no primeiro trimestre, que já superaram a de igual período de 2008.

Mozart

Concerto de Maria João Pires Boulez
Vale a pena ver o vídeo

Clique no link abaixo

http://www.youtube.com/watch?v=1jYx23l55VE

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1285&portal=