sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Na morte da bezerra

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso já há algum tempo elabora raciocínios para tentar convencer o PSDB a pôr o bloco de 2010 na rua. Fala em abertura do partido para a sociedade, valorização dos sindicatos, universidades, associações como espaços de debates de temas que deveriam ser adotados pelos tucanos na construção de um diálogo com o interesse nacional.

Tem pregado no mais árido dos desertos.

Já o presidente Luiz Inácio da Silva, em seu pragmatismo de elaboração zero e eficácia total, fez o PT captar a mensagem traduzindo a coisa ao molde do velho ditado segundo o qual cobra que não anda não engole sapo.

Abstraindo a lisura dos métodos, fato é que andou. Acrescentou 10 pontos porcentuais aos ínfimos índices de um ano atrás da ministra Dilma Rousseff nas pesquisas de opinião e, do ponto de vista da percepção pública, conseguiu alterar a situação.

Lula estava numa sinuca eleitoral, sem candidato viável à sucessão, assistindo do alto de sua popularidade ao adversário fazer bonito na preferência do eleitor. Antecipou o processo e agora empurra o PSDB para um dilema: definir a candidatura o quantos antes sem dividir irremediavelmente o partido e administrar o favoritismo durante 18 longos meses.

Para o governo, que partiu do zero, o que vier é lucro, todo ganho é contabilizado como vitória. Para o PSDB, cujo ponto de partida foi o topo, qualquer perda será vista como derrota. Na chamada batalha da comunicação, trata-se de uma vantagem considerável para o campo governista.

Basta ver que a redução de 3 pontos percentuais no índice do governador de São Paulo na última pesquisa, mereceu mais destaque que o fato de José Serra contar com 43% das preferências contra os 13% da candidata patrocinada pelo presidente de 84% de popularidade.

Objetivamente, o "retrato" instantâneo é: o eleitorado acha Lula uma ótima figura, não obstante, se a eleição fosse hoje daria ganho de causa não à sua candidata, mas ao principal oponente. E aqui o termo "opositor" é evitado de propósito.

Nem Serra nem o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, se portam como adversários explícitos do governo.

Fazem uma declaração crítica aqui e ali, impõem um ou outro reparo ao modo Lula de governar, suas oportunidades perdidas e malefícios provocados pela unanimidade pretendida, mas, no geral, ficam ali comendo umas goiabas, dando tempo ao tempo.

Ambos armam seus jogos, é verdade. Aécio se desloca para a eventualidade de se abrir uma oportunidade de ganhar a preferência. Serra conquista adeptos, neutraliza adversários, dirime conflitos, amarra pontas.

Numa situação normal, seria esse mesmo o calendário do período. Mas o cenário é tudo, menos normal. Há mais de um ano o presidente da República disse ao que viria: avisou à oposição que ganharia a eleição e mandou dizer à Justiça Eleitoral que considerava suas regras restritivas muito hipócritas.

Sendo ele franco, partiu para a mais sincera afronta à lei deixando muito claro que quem se incomodar que vá procurar seus direitos porque a luta, ou melhor, a campanha, continua.

O PSDB só viu o tamanho da encrenca agora, diante da quermesse eleitoral que o governo patrocinou para prefeitos de todo o País durante dois dias em Brasília, enquanto o principal partido de oposição se ocupava do importante debate a respeito da legitimidade dos métodos aplicados pelo deputado José Aníbal na sua recondução à liderança na Câmara.

Resultado: os tucanos estão na posição contrária à dos petistas, com candidatos demais e campanha de menos. Discutem uma forma "democrática" de escolher o candidato fazendo de conta que não existe, na prática, a primazia do governador de São Paulo e o PT, tarefeiro, aceita o centralismo e vai em frente, reunido sob a luz do poste amigo.

Procurado para resolver a transcendental questão do líder, FH deu uma chacoalhada na tropa. Em outras palavras, pediu que parassem de tolice e tratassem de apressar o processo de construção da unidade e do discurso marcadamente de oposição, mostrando o que partido entende precisa ser mudado ou corrigido no atual governo.

A direção do partido assegura que entendeu e agora vai. Só falta decidir quando, como, por que e com quem.

Osso duro

A primeira tarefa do novo corregedor da Câmara, deputado ACM Neto, é especialmente delicada para ele, integrante do DEM que acabou de desligar o deputado Edmar Moreira, alvo de representação por quebra de decoro parlamentar.

Se decidir que a ação não procede, ACM estará dizendo que seu partido se livrou do castelão das Gerais sem motivo, pois não serve para ficar no DEM, mas serve para continuar deputado sob a jura do decoro parlamentar.

Se resolver acatar, será acusado de atender à orientação partidária. É um dilema, para o qual a pior solução é a omissão e a transferência da responsabilidade para o desmoralizado Conselho de Ética.

Lula ignora críticas de FHC e mantém campanha pró-Dilma

Angela Lacerda, Enviada Especial, e Monica Bernardes
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Presidente leva ministra a palanques no interior de Pernambuco e volta a rasgar elogios, atribuindo a ela responsabilidade pelas obras do PAC

Indiferente às críticas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - que na véspera o acusara de antecipar a campanha ao Palácio do Planalto -, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manteve o tom de promoção eleitoral da ministra Dilma Rousseff. Em discurso, ontem, durante uma visita às obras de duplicação da BR-101, no município de Escada (PE), Lula voltou a rasgar elogios à atuação da ministra e atribuiu a ela "a responsabilidade pelo sonho da duplicação tornar-se realidade". Horas antes, em Salgueiro (PE), no lançamento da obra de extensão da Ferrovia Transnordestina, o presidente foi mais cauteloso e deixou para dois ministros a incumbência de promover sua candidata predileta à Presidência em 2010.

Em Escada, Dilma acenou para os presentes, distribuiu sorrisos e posou para fotos com operários e populares que conseguiram furar o bloqueio da segurança. Ao fim da solenidade, até se atrasou ao atender operários que queriam fotos a seu lado e autógrafos. Lula a aguardava para a foto oficial, ao lado do governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB).

O trecho visitado pela comitiva presidencial corresponde ao 7º lote das obras de restauração e duplicação da BR-101, entre Pernambuco e Alagoas. A obra, que tem 43,9 quilômetros de extensão e integra o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), está orçada em mais de R$ 291 milhões e deverá ser concluída até dezembro.

PALANQUE

Na solenidade em Salgueiro, coube aos ministros da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, e dos Transportes, Alfredo Nascimento, o papel de cabos eleitorais de Dilma. Em discurso, destacaram a "ternura" e o "carinho" da ministra, apresentada como a grande responsável pelas obras do PAC. O evento marcou o início de construção de um trecho de 163 quilômetros da Ferrovia Transnordestina, que vai de Salgueiro a Trindade, em Pernambuco.

Em discurso empolgado, Geddel disse que a ministra trata cada projeto do PAC "da mesma forma que uma mãe deve tratar seu filho: carinhosa e estabelecendo metas". Logo em seguida, Nascimento fez mais elogios. "Agradeço sua ternura pela obra que está acontecendo hoje", disse, ao frisar que a construção da Transnordestina também é fruto da dureza e determinação da ministra. Ele destacou a "sorte" do presidente Lula por ter "descoberto" Dilma.

RECURSOS

A ministra mostrou-se sempre sorridente, acenou várias vezes para o público que lotou o local e fez discurso regionalista no palanque armado para apresentá-la à multidão, que enfrentou horas de espera sob calor escaldante. "O País não será desenvolvido enquanto o Nordeste não tiver mais estrutura, mais indústria e mais emprego", afirmou.

Para ela, o palco da cerimônia - no qual estavam outros cinco ministros, os governadores de Pernambuco, Eduardo Campos, do Piauí, Wellington Dias, e do Ceará, Cid Gomes, além do presidente da CSN, Benjamin Steinbruch, empresa controladora da Transnordestina - refletia o esforço do governo federal para resolver os problemas e realizar as obras necessárias. "Estamos mudando completamente a forma de distribuição dos recursos do governo para as diferentes regiões do País."

Lula, que vestiu uma camisa do clube de futebol Carcará do Sertão, de Salgueiro, que lhe foi jogada por alguém do público, disse não ter sido fácil construir a engenharia financeira para viabilizar a Transnordestina. "Levamos quase três anos discutindo".

Apesar de dizer que havia pedido a conclusão da obra até 2010, ele admitiu que os 1,7 mil quilômetros da ferrovia não deverão ser concluídos em seu governo. "Quando voltar outra vez, teremos feito mais um pedaço da ferrovia. E quando voltar, depois de 2010, vamos andar no trem que vai passar por aqui apitando e vocês vão lembrar que teve um presidente que pensou no Nordeste." A obra completa custa R$ 5,4 bilhões.

Resposta em tom de advertência

Márcio de Morais
DEU NO ESTADO DE MINAS

Governador Aécio Neves diz que declaração de Pimentel sobre a inviabilidade de sua candidatura em 2010 foi infeliz. Segundo ele, ex-prefeito não conhece realidade do PSDB

O governador Aécio Neves (PSDB) definiu ontem a declaração do ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel (PT) como “infeliz” e o advertiu sobre a necessidade de conhecer melhor o terreno em que pisa. “Eu desejo apenas que ele conheça melhor a realidade do seu próprio partido do que conhece a do PSDB, para ter sucesso na sua caminhada”, manifestou o governador, ao referir-se à análise derrotista feita por Pimentel sobre as chances de o mineiro sair candidato tucano à presidência.

Pimentel, numa entrevista dada a uma revista na semana passada, disse que Aécio já está fora do páreo, por ser o PSDB um partido de paulistas. O governador mineiro trava uma disputa interna com o colega paulista José Serra pela indicação partidária à corrida eleitoral de 2010. Já a caminhada de Pimentel, no momento, é ao lado da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), candidata e adversária dos tucanos na briga pela sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Fernando (Pimentel) é um bom companheiro, um homem público de inúmeras qualidades. Fez uma análise talvez infeliz por desconhecer a realidade interna do PSDB”, observou o governador, depois de anunciar que não faria comentários sobre as declarações de Pimentel. Segundo Aécio, o episódio não vai abalar o bom relacionamento que o aproxima do ex-prefeito – embora tenha servido para contestar a “análise infeliz” com uma outra advertência pública:

“É preciso que o governo federal tenha um pouco de cuidado na antecipação da campanha, para que não haja amanhã questionamentos em relação à utilização da máquina pública ou de instrumentos públicos numa antecipação de campanha eleitoral”, ressaltou Aécio, ao comentar o frenesi de eventos e movimentos eleitorais da ministra e do próprio presidente Lula. Para o governador, é “razoável” deixar para o final deste ano – e somente aí – a definição das candidaturas, projetos e propostas. “Não vejo a menor necessidade de antecipar esse prazo, como não acho também prudente que façamos como nas últimas eleições e deixemos para março ou abril a indicação do candidato”, avaliou.

Coube ao ministro peemedebista Hélio Costa (Comunicações), que veio a BH para o lançamento do parque de transmissão digital de uma emissora de TV, fazer o contraponto à avaliação de Pimentel. “Discordo do ex-prefeito. Ele (Aécio) pode, sim, vir a ser candidato”, contemporizou Costa, que não descarta a vitória do governador mineiro nas prévias tucanas – sempre lembradas, mas ainda sem qualquer definição ou agenda. Sobre o namoro do PMDB com Neves, Costa preferiu qualificar o nubente.

“Além de ser um noivo bonito e bem vestido, (Aécio) é um partido fortíssimo”, dimensionou o peemedebista, que mantém estratégia de aproximação da sua legenda com o governador, para o caso de ele resolver assumir a candidatura presidencial fora do ninho tucano. No entanto, Costa observou que, embora o PMDB esteja fortalecido com recentes vitórias de repercussão nacional (para prefeituras, Câmara e Senado), a iniciativa de migrar para o PMDB é do governador. “A definição é mais dele do que nossa (do PMDB)”, alertou. O prazo para isso, lembrou o ministro, é o estabelecido pela legislação eleitoral para troca de partidos (setembro).

PRESIDÊNCIA DO PARTIDO

O governador Aécio Neves acompanhou ontem a posse do deputado federal Paulo Abi-Ackel na presidência do PSDB em Minas Gerais. O parlamentar, que era vice-presidente da legenda no estado, entra no lugar do prefeito de Juiz de Fora, Custódio Mattos, que renunciou ao posto alegando falta de tempo para as duas funções. Pelo estatuto do PSDB, o partido tem 90 dias para realizar novas eleições, que podem confirmar Paulo Abi-Ackel no cargo ou optar por outro nome. O parlamentar assumiu com a meta, defendida pelo governador, de preparar a legenda para as eleições para governo do estado e para Presidência da República em 2010.

Hora de acordar

Daniel Pereira
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


A oposição acordou. E já não desdenha mais da pré-candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, à Presidência da República. Tucanos e democratas deixaram de lado as piadas sobre os powerpoints usados por ela para discorrer sobre o Programa de Aceleração do Crescimento. Abandonaram a tese segundo a qual a “mãe do PAC” — por excessivamente técnica e enfadonha — não teria capacidade para disputar votos numa corrida presidencial. O anúncio de recursos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) retrata essa mudança de percepção.

Com certo atraso, o PSDB descobriu que o jogo não está ganho. Que precisa impedir a ministra de correr sozinha na raia enquanto não decide quem rivalizará com ela: o governador de São Paulo, José Serra, ou o de Minas Gerais, Aécio Neves. A ordem é descer do salto alto e, enquanto os embates internos não produzem vencedores, construir um discurso a ser apresentado ao eleitorado. Líderes oposicionistas reconhecem que estão sem bandeiras novas para desfraldar em público. O próprio Aécio admitiu isso ao deixar uma reunião, na sexta-feira passada, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Beneficiado pela inércia do adversário, Lula e Dilma monopolizam o debate. Apresentam-se como comandantes da reação brasileira à crise, baseada no aumento dos investimentos públicos e da defesa do emprego. “O Estado agora é parte da solução, e não do problema como em governos anteriores, quando cortava gastos a mando do Fundo Monetário Internacional”, repete insistentemente a ministra, tentando marcar uma diferença. A retórica rendeu dividendos segundo a última pesquisa CNT/Sensus, que revelou novo recorde de aprovação popular do governo. E, junto com a desenvoltura de Dilma no encontro com prefeitos, despertou a oposição.

Resta saber se o racha no ninho tucano, parceiro notório da indecisão, permitirá uma reação.

Palanque armado para Dilma

Renato Lima
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO(PE)

Ministros se desdobram em elogios à ministra e presidenciável Dilma Rousseff nos palanques armados em Salgueiro e Escada para a nova visita de Lula

SALGUEIRO - Um dos maiores públicos já vistos em visita presidencial recepcionou Luiz Inácio Lula da Silva em sua passagem ontem por Salgueiro, Sertão central de Pernambuco. O palanque estava armado para Dilma Rousseff brilhar, mas seu discurso não conseguiu empolgar o público. Já o presidente foi tratado quase como um Deus, e, para delírio dos salgueirenses, ainda vestiu a camisa do time de futebol da cidade, conhecido como o Carcará do Sertão.

O presidente e uma comitiva de seis ministros chegaram fazendo um sobrevoo às obras da ferrovia Transnordestina e depois se dirigiram para a Central do Forró, local onde são realizados shows em Salgueiro. Também estavam presentes os governadores Eduardo Campos (PSB-PE), Cid Gomes (PSB-CE) e Wellington Dias (PT-PI). A Transnordestina passará pelos três Estados, ligando o Sertão do Piauí aos portos de Pecém, no Ceará, e Suape, em Pernambuco.

O público compareceu em peso ao evento. No dia anterior, carro de som já anunciava a presença de Lula e ministros para dar início a uma importante obra para Salgueiro.

Faixas na lateral da Central do Forró chamavam o presidente de redentor do Sertão, redentor do povo nordestino e superador das injustiças e desigualdades. Uma família que pediu que o Incra acelerasse a concessão de títulos de posse para desapropriação da Transposição não pode ocupar o mesmo espaço.

Antes dos discursos, passistas de frevo e uma orquestra animavam as pessoas que chegavam. E foram muitas. A fila para passar pelo detector de metais e entrar no setor reservado dava voltas. A rede de ensino liberou os estudantes para participarem do evento. A vendedora Maria José Barros, 20 anos, era uma das milhares presentes. “Eu trabalho com venda porta a porta. Está todo mundo vindo para cá. Não adiantava tentar trabalhar hoje”, disse.

O público esperou por duas horas a comitiva. Alguns dos presentes não suportaram a espera sob o calor sertanejo e foram socorridos por uma ambulância. Quem ficou aplaudiu bastante o presidente. Quando o cerimonial destacou a presença de Dilma, um grupo próximo ao palanque chegou a fazer corinho repetindo o seu nome. Os discursos que se seguiram também resolveram fazer grandes elogios à ministra da Casa Civil e destacar o seu papel na obra que então era iniciada. A ministra – presidenciável do PT para 2010 – foi chamada, várias vezes, de uma pessoa cheia de ternura, segundo o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento. “O presidente Lula, além de muito competente, é uma pessoa de muita sorte. Ele descobriu a ministra Dilma Rousseff. Ela é a responsável pelo acontecimento de hoje”, afirmou o ministro. “Eu quero agradecer a sua ternura para que essa obra hoje pudesse estar acontecendo”, completou Nascimento, referindo-se a Dilma.

Geddel Vieira Lima, ministro da Integração Regional, foi na mesma linha. “O presidente disse que esse grande conjunto de obras, o PAC, tinha na ministra Dilma a sua mãe. Ao longo dessa convivência com ela, tenho percebido Dilma tratar cada projeto da forma como a mãe deve tratar o seu filho. Sendo carinhosa quando deve ser, cobrando e estabelecendo metas e por isso as coisas têm avançado”, discursou.

Em sua fala, a ministra não conseguiu descolar da imagem de uma pessoa de fala técnica e sem empolgação. Ao contrário de outros ministros e do governador Eduardo Campos, interrompidos por palmas enquanto falavam, Dilma falou sem levantar as massas, numa fala truncada. “A Transnordestina não é uma obra qualquer. Se fosse no passado e ficasse olhando só os critérios financeiros e mercantis, essa obra não teria saído”, afirmou.

Governo Serra anuncia pacote de R$ 21 bi para economia em SP

Agnaldo Brito
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Serra reduz ICMS e promete investir mais

Pacote de estímulo econômico em SP prevê desonerações e a aceleração de investimentos de R$ 20,6 bi programados no Orçamento

Segundo o governo, meta do plano é preservar 858 mil empregos e evitar que a economia do Estado entre em uma "espiral" de crise

O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), anunciou ontem um pacote de aceleração de investimentos públicos no valor de R$ 20,6 bilhões e medidas de desoneração tributária para tentar segurar o nível da atividade econômica no Estado. O tucano refutou considerar o programa de "Estímulo à Atividade Econômica" como uma espécie de "PAC paulista" -versão reduzida do Programa de Aceleração do Crescimento, gerido pelo governo federal.

O objetivo de Serra com o programa é "turbinar a demanda" em São Paulo e evitar que o maior parque industrial do país, responsável por 40% do PIB (Produto Interno Bruto) da indústria nacional, afunde numa "espiral" de crise e eleve o número de desempregados, que já somam 2 milhões de trabalhadores em todo o Estado.

"O que estamos procurando fazer? É turbinar a demanda. São Paulo deve ter hoje 2 milhões de desempregados [...] Esses investimentos têm impacto no sentido de manter perto de 800 mil empregos", disse Serra, durante a solenidade de lançamento das medidas, ontem no Palácio dos Bandeirantes. O programa tem como meta manter 858 mil empregos em São Paulo.

Das 33 medidas incluídas no pacotão, apenas 17 são novas. Entre as principais novidades, estão a desoneração de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) para investimentos, a antecipação de gastos do Tesouro paulista em 2009, a expansão do crédito para a pequena e média empresa com recursos da Nossa Caixa e incentivos à qualificação profissional.

As medidas de desoneração de ICMS buscam estimular o investimento. São três: 1) reembolsar mais rapidamente o ICMS cobrado na aquisição de máquinas e equipamentos, reduzindo o prazo atual, de até quatro anos; 2) isentar o ICMS cobrado das empresas que adquirem insumos usados em produtos exportados, semelhante ao regime já adotado no plano federal; e 3) prorrogar de 30 de junho para 31 de dezembro os efeitos da redução da alíquota de ICMS (de 18% para 12%) de oito tipos de produto.

"Essas medidas reduzirão a pressão sobre o capital de giro das empresas. Hoje elas pagam o ICMS, e o crédito gerado é ressarcido só em 48 meses. A Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de SP] discutirá agora os setores que terão desoneração", disse Paulo Skaf, presidente da entidade.

Por ora, o governo não sabe quanto vai custar essa desoneração. Tudo vai depender dos setores enquadrados no benefício. Os escolhidos devem ser anunciados em um mês, depois de rodadas de discussão com a Fiesp. "Estamos pensando em alguns setores como o plástico, o moveleiro e o metalúrgico, mas ainda não há definição. O critério básico a ser adotado é o de incluir setores que gerem muitos empregos e estejam dispostos a investir", disse Mauro Ricardo, secretário da Fazenda.

A "mão do Estado"

Serra prometeu usar os R$ 20,6 bilhões do investimento já previsto no orçamento aprovado na Assembleia Legislativa para turbinar a carteira de grandes obras de infraestrutura, entre elas o metrô, linhas de trem, obras viárias, saneamento, habitação e reforma de escolas e delegacias. Do total, 3% são repasses do PAC federal (Rodoanel e casas populares).

O total de recursos nas mãos de Serra é mais do que o valor gasto pelo governo federal, com recursos do Orçamento Geral da União nos dois primeiros anos de PAC. De 2007 e 2008, a União pagou em obras do PAC R$ 18,7 bilhões, segundo o último balanço divulgado. Para este ano, o Planalto prevê investir R$ 19,7 bilhões (valor do Orçamento) -se incluídas as estatais, a previsão de investimento sobe para R$ 69,8 bilhões.

O governo estadual evitou dizer que o pacote vai gerar emprego, preferiu afirmar que a ação tende a contribuir para não elevar o nível de desocupação. Segundo o secretário do Emprego e Relações do Trabalho, Guilherme Afif Domingos, o grande objetivo do programa estadual de estímulo econômico é ajudar a manter a atual taxa de desocupação em 8,8% da PEA (População Economicamente Ativa). Para o secretário de Planejamento, Francisco Luna, a expansão dos investimentos públicos de R$ 15 bilhões, em 2008, para R$ 20 bilhões neste ano será capaz de ampliar o número de vagas.

BNDES paulista

Em outra medida anunciada ontem, a Nossa Caixa alocou R$ 1 bilhão para a agência de fomento que fará em São Paulo o papel do BNDES no país. O recém empossado secretário do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, será o presidente do conselho de administração da Nossa Caixa Desenvolvimento.

Ainda a polêmica maconha

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


A defesa da descriminalização do uso pessoal da maconha como maneira de reduzir a demanda, feita pela Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, provocou debates acirrados e certamente não encontrará um consenso fácil entre os governos da região. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso está no México para apresentar ao presidente Felipe Calderón o relatório final, a fim de tê-lo como um intermediário a favor de uma política mais liberal de combate às drogas junto ao novo governo dos Estados Unidos.

Com uma crescente presença de cartéis das drogas permeando a sociedade e fazendo com que a violência da disputa pelo mercado coloque em risco a segurança pública no vizinho México, a questão tornou-se também uma prioridade para o governo dos Estados Unidos, e por isso a importância de ter o país como parceiro nesse esforço para mudar o paradigma da luta contra as drogas.

Há ainda por cima suscetibilidades políticas diante da nova dimensão do problema. Embora estivesse marcada para se realizar na Cidade do México, a reunião da Comissão foi transferida para o Rio, mas as autoridades mexicanas não admitem que tenha sido a impossibilidade de garantir a segurança dos membros da comissão, entre eles ex-presidentes de Brasil, Colômbia e México, a razão da mudança, como escrevi na coluna de ontem.

Apontam a presença do ex-presidente Fernando Henrique no país para tratar do assunto como sinal de que a situação não é tão grave quanto descrevi. De fato, os organizadores do encontro não alegaram expressamente a falta de segurança, mas sim um "ambiente pesado" que não favoreceria a discussão.

Questões semânticas e diplomáticas que não escondem a gravidade da situação, mas, ao contrário, apontam para a necessidade de uma mudança nos conceitos de combate ao tráfico, estabelecidos nos anos 70 do século passado.

Um dos estudos mais aprofundados sobre a maconha e sua penetração na sociedade moderna foi realizado pela Fundação Beckley, da Inglaterra, uma instituição devotada a estudos científicos que melhorem a saúde mental e fortaleçam a criatividade e o bem-estar. Uma das principais razões da existência da fundação é a busca de uma regulamentação a nível global de substâncias psicoativas.

Uma comissão formada por especialistas em diversas áreas apresentou as conclusões de seu estudo num seminário realizado no Parlamento inglês, em outubro do ano passado. Sendo a maconha a droga mais usada no mundo, atingindo cerca de 4% da população adulta mundial, a Fundação se concentrou nos seus perigos e nas vantagens de um novo tipo de abordagem do problema, o mesmo caminho trilhado pela Comissão Latinoamericana.

Segundo esse estudo de especialistas internacionais, a probabilidade e a dimensão de ameaças a usuários constantes da maconha são "modestas" comparadas com as causadas por várias outras substâncias, legais e ilegais, como álcool, tabaco, anfetaminas, cocaína e heroína.

Há, ao mesmo tempo, inúmeros efeitos nocivos à saúde do usuário da maconha, entre eles problemas respiratórios, cardíacos e até mesmo câncer. Além disso, a maconha provoca também mudanças de comportamento que podem prejudicar o aproveitamento do usuário na escola, o desajuste no trabalho e nas relações familiares.

Motoristas que dirigem sob o efeito da maconha são mais propensos a provocar acidentes; o uso contínuo pode provocar sintomas psicóticos e cerca de 10% dos usuários podem desenvolver uma dependência da droga. Por isso, a necessidade de se colocar a questão do ponto de vista de saúde pública, mais do que meramente criminal.

Analisando as políticas repressivas que vêm sendo adotadas nos últimos anos, o documento da fundação inglesa diz que a fundamentação para penas severas por posse de maconha "é fraca, tanto em termos normativos quanto na prática".

Em muitos países desenvolvidos, diz o documento, a maioria dos adultos nascidos no último meio século já experimentou a maconha. "Criminalizar o usuário é uma intrusão na privacidade, divisora socialmente e cara. É preciso considerar alternativas".

O documento ressalta que medidas para reduzir as penalidades ou descriminalizar o uso da maconha já estão sendo adotadas em vários países, e não houve um crescimento do consumo.

Há claras vantagens para os governos ao adotarem um regime de liberação controlada pelos vários mecanismos existentes, como taxação, controle do acesso, idade mínima para a compra (como para as bebidas alcoólicas e o cigarro), selos de qualidade e limite de potência, afirma o estudo inglês.

A alternativa, para a Fundação Beckley, seria autorizar a plantação própria em pequena escala, para uso pessoal. Na Holanda e na Espanha já existe essa possibilidade, limitada a duas a cinco plantas por pessoas. O documento sugere que os países que pretendam permanecer dentro da atual legislação internacional, deveriam pelo menos minimizar as consequências da proibição legal, não havendo razão para encarcerar o usuário, pois a polícia deveria ter outras prioridades.

As penas deveriam ser alternativas, como a de serviços comunitários, e as multas apenas simbólicas, sempre sem utilizar o sistema criminal. Para os países que desejem mudar a atual legislação, o documento sugere que o governo que pretenda tornar a maconha legalmente acessível deveria controlar a produção e distribuição da droga.

O controle seria feito pelo governo atuando diretamente ou licenciando empresas sob sua supervisão restrita, controlando a qualidade do produto e sua potência, restringindo o acesso, o uso e proibindo a propaganda, como nas políticas antitabagistas que estão conseguindo reduzir o fumo no mundo.

Governo de SP lança medidas anticrise

Bruno De Vizia
DEU NA GAZETA MERCANGTIL

O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), anunciou ontem um pacote de 17 medidas destinadas a manter o nível de atividade econômica do estado, e garantir os investimentos públicos para 2009, orçados em R$ 20,6 bilhões. Os investimentos devem manter ou gerar 858.067 empregos durante o ano, segundo previsões de Serra. "Nós calculamos que, se essas medidas não fossem adotadas, o desemprego cresceria 40% em São Paulo", afirmou o governador, que calcula existir hoje cerca de 2 milhões de desempregados no estado, sendo 1,2 milhão apenas na região metropolitana da capital.

As novas medidas, que foram apresentadas pelo secretário de Desenvolvimento do estado, Geraldo Alckmin, somam-se às 16 medidas já anunciadas pelo governo de São Paulo desde o agravamento da crise financeira internacional, em setembro do ano passado. Ao todo são 33 medidas, que incluem desoneração tributária para os principais setores atingidos pela crise, expansão de linhas de crédito, e apoio à micro e pequena empresa.

Tributos

No âmbito tributário, foi prorrogada até 31 de dezembro deste ano a redução da alíquota de 18% para 12% do Impostos sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) para produtos têxteis, vinhos, instrumentos musicais, couro, perfume, cosméticos, higiene pessoal, brinquedos e produtos alimentícios. Também até 31 de dezembro foi suspensa a cobrança de ICMS na aquisição de insumos destinados à produção de bens para exportação, medida denominada de "drawback paulista". O ICMS pago na aquisição de bens de capital será diferido para setores empregadores, que ainda serão definidos pelo governo.

Em relação os investimentos diretos do governo, serão antecipadas para o primeiro quadrimestre as compras de bens duráveis (móveis, computadores e veículos) previstas para todo o ano de 2009, cujo valor no orçamento totaliza R$ 711 milhões. "O objetivo é aumentar a demanda das empresas locais, e manter o nível de atividade nessa fase mais aguda da crise", salientou Serra. Também serão antecipadas as reformas de escolas, delegacias e prédios públicos, com orçamento previsto de R$ 876 milhões.

Crédito

Para ampliar o crédito, as linhas disponibilizadas pela Nossa Caixa serão aperfeiçoadas. Os principais beneficiários serão os bancos ligados à montadoras, cujos recursos deverão ser preferencialmente utilizados para financiar a compra de veículos usados, com juros de 13,8% ao ano, e com possibilidade de aquisição dos recebíveis dos financiamentos dessas operações.

Os juros também serão reduzidos para as empresas associadas ao Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores e à Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

Serra não soube precisar o custo das medidas, boa parte delas já previstas no cronograma de investimentos do estado, e antecipadas para combater a crise. O governador aproveitou a ocasião para alfinetar o presidente Lula, ao afirmar que para resolver o problema são necessárias medidas nacionais. "O governo do estado não tem política monetária, não controla taxa de câmbio, nem grandes instituições de crédito", concluiu o governador.

SP anuncia plano de R$20,6 bi contra crise

Flávio Freire
DEU EM O GLOBO

Governo antecipa investimentos. Serra espera que medidas criem empregos no estado

SÃO PAULO. O governador do estado de São Paulo, José Serra, anunciou ontem um pacote para tentar combater os efeitos da crise financeira mundial. Além de antecipar para o primeiro semestre investimentos de R$20,6 bilhões programados para todo o ano de 2009, o governo decidiu prorrogar até 31 de dezembro a redução da alíquota do ICMS de 18% para 12%, que terminaria em junho; suspender a incidência do mesmo tributo na aquisição de insumos destinados à produção de bens para exportação; e antecipar compras de bens duráveis.

Além disso, Serra, um dos principais candidatos à sucessão presidencial em 2010, informou que seu governo vai subsidiar empréstimos concedidos a micro e pequenas empresas, pagando parte da taxa de juros cobrada pelas instituições financeiras, e abrir mão da contrapartida exigida a microempresas para terem acesso ao fundo de aval do estado. O governador espera que essas medidas fortaleçam a geração de empregos.

- Estamos diante de uma crise cujo tamanho não se conhece. Não se sabe qual é a perda de riqueza - disse o governador, em cerimônia no Palácio dos Bandeirantes repleta de autoridades e empresários.

O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, elogiou o pacote, mas fez ressalvas sobre os juros:

- Tudo isso é uma parte, e o que o governo federal faz é outra parte. A crise é grave, e quando a crise é grave precisamos de complementos, como a questão de juros. Viver com 12,75% de Taxa Selic e spread bancário de 40% ao ano é absurdo.

Não há, no pacote anunciado por Serra - que rejeita o termo de "PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) paulista" -, a liberação de recursos além do previsto no orçamento de 2009. A ideia é usar as verbas antes dos prazos estabelecidos. Com esses R$20,6 bilhões, o governo espera criar 858 mil empregos em sua gestão. Há hoje no estado dois milhões de desempregados.

- É um orçamento de austeridade, mas desenvolvimentista ao mesmo tempo - disse Serra, que não quis comentar se a política de juros do governo federal poderia prejudicar o pacote.

Aviso prévio

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Quando a crise econômica chegou, já havia uma crise do emprego. Essa é a visão da Organização Internacional do Trabalho. Tudo, portanto, só vai se agravar daqui para diante. Diariamente, saem notícias preocupantes aqui e no exterior. O Brasil tem tomado medidas paliativas e parciais. No mundo inteiro isso tem sido discutido intensamente, e não há saídas fáceis.

A Europa está fazendo esta semana a reunião regional entre governos, empregadores, trabalhadores e OIT para chegar a um conjunto de recomendações cujo objetivo é manter os empregos. Laís Abramo, representante da OIT no Brasil, disse que em qualquer região do mundo as recomendações são as mesmas.

- Não há como fugir do cardápio de medidas anticíclicas que reduzam a recessão e, portanto, mantenham o emprego, investimento em setores estratégicos do ponto de vista de criação de emprego, alerta contra os riscos de que aumentem o trabalho infantil, o escravo e o degradante. Num momento em que o adulto da família perde o emprego, o risco de volta do trabalho infantil é imenso - avisou.

Outra recomendação da OIT é a criação de empregos verdes. Investir em setores que signifiquem mudança para um padrão de baixo carbono: tecnologias ambientalmente corretas, novas formas de produzir, novas fontes de energia. O presidente Obama está insistindo nesse ponto e seu programa de estímulo econômico tem muito incentivo a empregos verdes. Dessa forma, atingem-se três objetivos: modernização da economia, desenvolvimento tecnológico e geração de emprego.

Os números da OIT divulgados recentemente são assustadores.

- Tinha sido feita uma previsão de que a crise poderia destruir 20 milhões de empregos, mas na última revisão o número subiu para 50 milhões. Entramos na crise econômica com o mundo vivendo uma crise de emprego. Metade dos ocupados ganha menos de US$2 por dia, o que significa que é pobre, e 20% ganham menos de US$1, ou seja, são extremamente pobres.

Laís disse que uma das recomendações da OIT é aumentar o "diálogo social", uma mesa de negociação entre trabalhadores e empresários com o governo. Ponderei, na conversa com ela, que no Brasil as ideias que surgem nessas mesas de negociação sempre são de aumentar a garantia para quem já está incluído. Como exemplos, aumentar as parcelas do seguro-desemprego para alguns setores, dar redução de imposto para empresa com o compromisso de manutenção do nível de emprego e bloquear qualquer discussão sobre criar novos mecanismos de negociação direta entre trabalhador e empregado. Se houver uma mesa de negociação, nela não estará o trabalhador informal, que não tem direitos, nem representação.

- Sem dúvida, isso é um problema e, de novo, é anterior à crise. Mas as medidas de proteção de trabalhadores formais têm também um caráter anticíclico que beneficia a todos. As centrais estão, cada vez mais, pensando de forma mais ampla. Elegeram como uma prioridade o aumento do salário mínimo, apesar de no emprego urbano industrial quase não haver mais trabalhador ganhando o mínimo. A recuperação da renda desse trabalhador favorece toda a economia, é injeção na veia - disse Laís.

A OIT acha arriscada a aposta em redução de salário para manutenção do emprego, pois acredita que isso pode ter um efeito oposto ao desejado.

- Redução do poder de compra pode alimentar o risco de aprofundar a recessão. Preferimos alternativas como o banco de horas, que reduz o custo para a empresa, mas não o salário. Recentemente, foi feito um acordo interessante na Zona Franca, nos setores de moto e plástico, em que o governo reduziu os impostos para que as empresas mantivessem o emprego por 90 dias. Nos anos 90, uma comissão setorial tripartite do setor automobilístico garantia o emprego com redução de impostos e com moderação nas reivindicações dos trabalhadores.

Ponderei que os anos 90 eram totalmente diferentes. O país era fechado, a indústria automobilística não tinha concorrência e os custos eram repassados para os consumidores em forma de inflação. Argumentei que a maioria dos acordos de redução de impostos para manutenção do emprego acaba com as empresas aumentando suas margens e, no fim, demitindo.

- É sim uma discussão complicada num momento de crise, mas a alternativa da redução radical das garantias de emprego numa crise é muito perigosa - disse Laís.

A discussão continuará este ano, em que o risco sobre o emprego tem aumentado dia a dia. Não se aproveitou o momento de crescimento para tornar mais leve o custo do trabalho no Brasil.

Não pelos direitos dos trabalhadores, mas pelos impostos que pesam sobre a folha que, entre outras coisas, sustenta a representação sindical empresarial e de trabalhadores. A OIT teme a abertura de negociação direta entre empregados e patrões que permita variadas formas de organizar o trabalho. Especialistas têm dito que essa é a única forma de incentivar as empresas a empregar. Este é o momento de não ter medo de pensar novas formas, de testar novas ideias; é hora de ser ousado, de ter uma política mais inclusiva para o distorcido mercado de trabalho no Brasil.

Ainda a minha colher

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Obama deve inverter a lógica e criar novos bancos ("good banks") só com capital público; os atuais seriam liquidados

NA SEMANA passada, fiz algumas reflexões sobre o pacote de medidas para estabilizar o sistema bancário americano. Minha crítica principal estava centrada na tentativa de isolar os ativos tóxicos, que estão destruindo lentamente o sistema bancário da maior economia do mundo, em um "bad bank". Esse corpo podre ficaria então como um verdadeiro zumbi até sua liquidação.

Com isso, a incerteza em relação ao valor dos ativos bons dos bancos atuais seria eliminada, restaurando sua rentabilidade e capacidade de intermediação, o que facilitaria a atração de capitais privados. Em pouco tempo, os mercados se normalizariam e a economia voltaria a crescer.

Os que acreditam nesse conto de fadas respaldam seu otimismo na experiência exitosa do governo sueco, há mais de dez anos. Esquecem que as condições atuais são diversas das que prevaleciam no país quando a solução do "bad bank" foi construída com sucesso. Cito as principais. Em primeiro lugar, os ativos tóxicos estão espalhados pelo sistema bancário mundial.

Esse fato não permite que a solução buscada para os bancos americanos seja agressiva em relação aos grandes bancos internacionais não-americanos. Nesse caso, a crise que já existe em outras economias seria agravada.

Em segundo lugar, a fixação de um preço justo para os ativos tóxicos que seriam colocados no "bad bank" é praticamente impossível de ser realizada no ambiente atual. Se o valor pago pelos ativos tóxicos for baixo, a marcação a mercado do restante dos créditos que remanescerão nos balanços dos bancos mostrará um volume de prejuízos muito maior do que os hoje contabilizados. Muitos bancos continuariam podres, arrastando o problema por anos a fio, no estilo japonês.

Por outro lado, se os preços para os ativos tóxicos forem fixados de forma a não inviabilizar os bancos, o contribuinte americano é quem arcará com os prejuízos. Mesmo nessa hipótese, a crise de confiança continuará, porque os "good banks", por contiunuarem a ter esses ativos nos seus livros, já nasceriam com falta de transparência de seus ativos, embora em menor dimensão.

Essa proposta fica ainda mais complexa na medida em que, no modelo revelado pelo secretário do Tesouro americano, o "bad bank" teria investidores privados para diminuir o esforço fiscal do governo. Segundo a apresentação da última terça-feira, os preços dos ativos tóxicos teriam que acomodar o interesse de lucro dos investidores privados, defender o contribuinte de prejuízos ainda maiores e não contaminar os ativos que ainda farão parte dos bancos americanos e europeus. Por isso, nas declarações do secretário americano, não existe nenhuma pista para a fixação desses valores.

Volto a insistir em que o governo Obama deve buscar outro caminho. Deve inverter a lógica e criar novos bancos -os "good banks"- inicialmente com capital público apenas. Eles assumiriam em um segundo momento os depósitos de seus clientes, a estrutura operacional e os ativos bons das instituições a serem liquidadas. Os bancos atuais -na realidade, a maioria deles já verdadeiros zumbis financeiros- seriam liquidados judicialmente, com prejuízos para acionistas e algumas classes de credores (excluindo depositantes, que continuariam garantidos). Nessa condição, não seria difícil atrair capital privado.

Essa é uma solução politicamente muito difícil, pois envolve aceitar que muitos no setor privado perderão, mas só assim um sistema bancário privado, sólido e rentável poderá renascer.

Luiz Carlos Mendonça de Barros , 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

Obama e suas cabras

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Estados Unidos começam a auditar grandes bancos, meio quebrados, para decidir em quais vai injetar dinheiro

IMAGINEM QUE dúzias de auditores do Banco Central baixassem em todos os maiores bancos do Brasil. Que fizessem tal coisa um dia depois de o ministro da Fazenda ter dito que o governo faria auditorias para saber qual deles estava à beira da morte. Que, feita a auditoria, os bancos receberiam algum empréstimo do governo, um "capital tampão" para os rombos presentes e futuros. Que tal empréstimo pode ser convertido em ações do banco em estado de risco falimentar.

A auditoria em massa parece ter começado na quarta-feira para os maiores bancos americanos, segundo o "New York Times". Cerca de cem agentes de supervisão bancária baixaram no Citigroup. Outras "dúzias" foram investigar as contas de Bank of America, JPMorgan e mais 15 grandes bancos, perfazendo 18 no total. O governo, pois, não acredita que tais bancos tenham capital suficiente. Duvida dos seus balanços.

E daí? Sem resolver o descalabro dos bancos americanos e europeus, a seca de crédito mundial vai se transformar num Saara financeiro. A seca que começou em setembro de 2008 já foi bastante para derrubar a economia brasileira e mundial.

O secretário do Tesouro, o ministro da Fazenda deles, Timothy Geithner, dissera no anúncio de seu plano de socorro que os bancos passariam por um "teste de estresse" (uma auditoria para saber de quanto precisam para não falir caso percam mais dinheiro, dados tais e quais cenários econômicos até 2010).

O plano de Geithner era também "aumentar a transparência": checar o valor dos títulos e empréstimos dos bancos, muitos deles agora podres. Com tal transparência e com o empréstimo tampão do governo, diz Geithner, os bancos seriam "encorajados" a arrumar capital privado (é o que diz seu plano de sete páginas). De onde virá dinheiro privado, porém, se ficar evidente que os bancos estavam quase insolventes, que têm pouco para emprestar e que não vão pagar dividendos (outra condição do pacote de socorro)?

O "teste de estresse" suscita ainda uma grande curiosidade. O plano Paulson-Bush de compra de papéis podres dos bancos foi à breca entre outros motivos porque ninguém sabia como avaliar o preço de tais ativos. Portanto, ninguém sabia ou sabe bem o tamanho do rombo nos balanços. Como fazer "testes de estresse" sem dar um preço a tais papéis?

De resto, se algo nisso tudo faz sentido, bancos que não passarem no "teste de estresse" serão: a) parcial ou totalmente estatizados ou b) receberão empréstimos camaradas do governo Barack Obama, incondicionalmente. Sim, pois, se houver condições, tal como alguma interferência do governo na gestão, haveria estatização de fato, mas disfarçada.

Mas, na noite de terça, após o anúncio do plano Geithner, Obama havia dito em entrevista à TV ABC que ele e equipe avaliaram que estatizar não era uma boa solução, pois os EUA têm milhares de bancos e que estatizar não é uma tradição do país (mas tradições se inventam).

Um desses investidores habitualmente ouvidos pela reportagem de finanças dizia pitorescamente ontem à Bloomberg que "há profundo cinismo no mercado a respeito do que está acontecendo, e em Washington o pessoal sabe tanto o que fazer como uma cabra". Pois é.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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