terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Falando às escuras

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O ex-deputado Roberto Freire, presidente do PPS, assumiu o discurso, mas o receio de que a abertura oficial do debate sobre o fim da reeleição abra espaço para propostas de prorrogação de mandatos, plebiscitos ou atalhos por onde transitaria a possibilidade de o presidente Luiz Inácio da Silva disputar um terceiro mandato é mais amplo.

Assola o PSDB, mais exatamente a seção paulista do partido, cujo líder maior, o governador José Serra, é também o mais empenhado defensor do fim da reeleição. Serra articula apoios à proposta há tempos e durante todo o ano de 2008 avisou a vários interlocutores - sendo o mais poderoso deles o presidente Lula - que o tema ganharia substância logo após as eleições municipais.

Dito, feito. Em dezembro, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou a proposta e a nova presidência deve instituir comissão especial para dar prosseguimento à tramitação. O atual presidente, Arlindo Chinaglia, favorável, já anunciara disposição de instalar.

Se o sucessor for Michel Temer o assunto também terá tratamento preferencial, pois o presidente do PMDB é a favor, segundo ele, tanto para facilitar o processo de escolha de candidatos dentro do PSDB quanto para encurtar o tempo que separaria Lula do fim deste governo e uma eventual candidatura futura.

O problema dos tucanos é que as coisas podem assumir rumos não desejados e provocar efeitos colaterais desastrosos. Ninguém, em sã consciência, apostaria hoje na hipótese de o Congresso abrir caminho ao terceiro mandato.

Mas a simples inclusão do assunto na agenda nacional já seria um fator de perturbação e sinal de anormalidade institucional. O presidente do PPS - um assumido aliado de Serra e do PSDB em 2010 - denuncia “articulação” em prol do terceiro mandato apontando o dedo aos governistas.

Realmente, foram eles (ou alguns poucos entre eles ) que manifestaram vontade de retomar a discussão a partir do debate sobre o fim da reeleição. Mas, convenhamos, quem criou a oportunidade foi o PSDB ao patrocinar vivamente nos bastidores a instituição de mandato único de cinco anos.

Se porventura a questão da continuidade vier a ganhar destaque, as inevitáveis críticas decorrentes não poderão deixar de alcançar a oposição.

A preocupação do ex-deputado Roberto Freire é legítima, tem fundamento e abrigo até entre aliados do presidente Lula. Mas conta apenas parte da história quando joga a responsabilidade sobre eventuais distorções do debate nas costas dos suspeitos de sempre.

Recapitulando

Há mais ou menos cinco meses o delegado Paulo Lacerda foi afastado temporariamente da chefia da Agência Brasileira de Inteligência para permitir “maior agilidade” e “isenção” na investigação da autoria de escutas telefônicas ilegais, notadamente no telefone do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes.

O ato se baseava na alegação do ministro da Defesa, Nelson Jobim, de que a Abin teria comprado equipamentos para grampos, extrapolando suas atribuições.

As investigações, inicialmente limitadas em 30 dias, ainda não terminaram oficialmente, mas, extraoficialmente, o ministro da Justiça, Tarso Genro, diz que Paulo Lacerda será inocentado.

A denúncia de Jobim também caiu por terra.

Nem por isso Lacerda foi ou será reconduzido ao cargo, indicado que está para o posto de adido policial na embaixada brasileira em Portugal.

Tarso Genro afirmou, em entrevista ao Estado no domingo, que não há relação entre os dois fatos nem a ida para o exterior pode ser vista como um prêmio de consolação ou arranjo para aplacar os conflitos internos da Polícia Federal. Segundo o ministro, a presença de Lacerda em Lisboa é ditada pela necessidade do País.

Até por ser o delegado merecedor de tanta confiança é de se perguntar se não seria o caso de, senão lhe devolver o posto no Planalto, ao menos dar uma explicação oficial - de preferência convincente - sobre o caso dos grampos, a Abin, Paulo Lacerda e quejandos.

Perfeita imperfeição

A capacidade do Legislativo de criar fatos negativos desafia até a lógica do calendário. No recesso seria de se imaginar que o Congresso desse uma folga.

Em menos de um mês, contudo, faltando ainda duas semanas para a volta ao trabalho, o Senado gera com afinco uma crise política - por iniciativa do PMDB - e a Câmara já serviu de plataforma de lançamento de declarações de guerra ao Judiciário - muito ativo para o gosto do Legislativo - e produziu dois vexames: a aprovação de gratificações adicionais para 3.500 funcionários e o aval da direção a um contrato de plano de saúde sem licitação, negociado pelo sindicato dos funcionários da Casa.

Este último ato com direito ao excesso do lobista da empresa à reunião da Mesa Diretora.

Nesse ritmo de trabalho, o Legislativo em breve atinge o grau máximo em matéria de degenerescência.

Elo fraco

Xico Graziano
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Na economia clássica, costumavam-se distinguir as atividades produtivas em três setores: primário, secundário e terciário. Correspondia a dividir o esforço humano despendido na agricultura, na indústria e nos serviços. Tal segmentação acabou vencida na economia moderna. Mais complexo ficou o mundo.

Na economia rural, longas cadeias produtivas hoje se constituem. Poderosas agroindústrias rompem as barreiras entre o campo e a cidade, integrando indústria com agricultura. Grandes empresas passam a dominar o “antes” e o “depois” da porteira das fazendas, espremendo o rural.

Os agricultores repelem tal história, sentindo saudades dos tempos de outrora. Mas assim caminha a humanidade. Antigamente, tudo dependia da roça. Depois, com o surgimento das cidades, brotam a indústria e o serviço. Por muito tempo ainda, o campo, preponderante na população e na economia, mandaria na sociedade. Detinha, afinal, o poder político.

No Brasil, assim ocorreu até a Revolução de 30. Quando chega ao fim a política do “café com leite”, pela qual as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais exerciam seu domínio, inaugura-se uma nova fase da sociedade brasileira. A burguesia urbana entra no jogo. Somente a partir de 1950, porém, sua supremacia se impõe, consolidando-se na década de 1970. Demora 40 anos para o País, então eminentemente rural, consolidar nova economia, hoje globalizada.

Nesse processo histórico, não perdeu valor a agricultura. Houve, sim, uma enorme transformação, rumo aos “agronegócios”, palavra da moda. O conceito, moderno, expressa uma nova visão da atividade produtiva no campo. Uma oposição teórica, correta, ao tradicional “ruralismo”.

O termo “agribusiness” apareceu nos EUA. Em 1957, os professores John Davis e Ray Goldberg, ambos da Universidade Harvard, lançaram o livro A Concept of Agribusiness. Foi um marco. Pela primeira vez, economistas agrícolas rompiam com a análise segmentada, elaborando uma visão sistêmica da produção rural. O conceito se espalhou, ressaltando a integração produtiva, combatendo o isolamento do campo.

Tal escola de pensamento chegou aqui incentivado pelo saudoso agrônomo Ney Bittencourt de Araújo, na época presidente da Agroceres. Idealista, visionário, publica no final de 1989, juntamente com Ivan Wedekin e Luiz Antonio Pinazza, excelentes técnicos, o livro Complexo Agroindustrial: o Agribusiness Brasileiro. No mesmo movimento, articula a criação da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag), em 1993.

Do inglês para o português, a palavra-chave virou agronegócio. Nada mais acertado. O produtor rural, crescentemente, passa a depender e a se relacionar com um conjunto de empresas, sem as quais a produção agropecuária não mais vinga. Desaparece a autossuficiência. De um lado, insumos, máquinas, crédito, tecnologia. De outro, processamento, comercialização, embalagem, marketing. Tudo somado, forma o complexo agroindustrial.

Pode-se destacar um símbolo inicial da história, tardia, do agronegócio brasileiro: somente em 1959 nasce, no interior paulista, o trator da CBT, a Companhia Brasileira de Tratores. A tecnologia nacional ajuda a abrir as fronteiras da agropecuária, imperando por cerca de 20 anos. Mas já na década de 1980 as grandes multinacionais passam a dominar o mercado de máquinas agrícolas. A CBT abre falência.

Na política governamental, básica foi a criação, em 1967, do Sistema Nacional de Crédito Rural. Os bancos se obrigaram a aplicar parte de seus depósitos à vista no financiamento agrícola, promovendo a modernização da agropecuária. Um marco no desenvolvimento brasileiro.

Em 1973 nasce a Embrapa, cérebro da moderna agricultura que se instala no País. O aproveitamento do cerrado, o melhoramento genético de plantas e animais, a evolução das pastagens, novos insumos agropecuários, o plantio direto constituem um novo paradigma de produção agropecuária.

A economia rural passa, assim, a considerar não apenas o agricultor, mas o conjunto das atividades econômicas ligadas ao campo, organizadas nas cadeias produtivas. Afinal, o produtor de laranja depende da indústria de suco para vender sua fruta. O avicultor compra o pintinho da empresa que lhe abaterá o frango. O cotonicultor beneficia seu algodão na máquina de outrem. E ninguém garante produtividade nem qualidade sem tecnologia.

O agronegócio representa um arranjo produtivo inescapável. Carrega, porém, um grave problema. Permite estabelecer uma concorrência desigual entre os setores da produção. De um lado, milhares de produtores rurais, desorganizados. De outro, poucas, e grandes, empresas. O mercado se deforma, afetado pelos oligopólios.

O cooperativismo ajuda nessa agenda, unindo os produtores rurais. Pequenos, juntos, ficam fortes. Os governos tomam medidas para conter o poderio das modernas empresas. Mas não é fácil. Na compra, elas controlam margens. Na venda, impõem preços. O agronegócio esconde um perigo, a falência do agricultor.

Ora, uma cadeia produtiva, para ser competitiva e sustentável, precisa funcionar com harmonia. Um setor respeitando o negócio do outro, formando uma corrente de produção. Não pode haver elo fraco - o agricultor. Pois, se ele quebra, todos se estrepam. E a sociedade terá de pagar a conta.

Por isso, o agricultor percebe com desconfiança o agronegócio. Ao invés de solução, vira um problemão. Fora a má comunicação. Noutro dia, uma liderança rural afirmou, na TV, que o agricultor precisa ser “parceiro da cadeia”. Ao que seu interlocutor retrucou: “É, sem a cadeia ninguém sobrevive.” O capiau escuta e se pergunta: “Além de me ferrar nessa competição atroz, ainda devo gostar de cadeia?” Aí já é demais.

Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

A nova face do baixo clero

Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O deputado Ciro Nogueira (PP-PI) disputa pela segunda vez a presidência da Câmara, sem conseguir se livrar do estigma de "novo Severino Cavalcanti" ou simplesmente de "candidato do baixo clero". É algo que o incomoda, mas que usa habilmente a seu favor. À exceção de meia dúzia de líderes partidários, a grande maioria dos deputados pode hoje ser classificada nessa categoria.

Antes de se dizer vítima de preconceito, como se tornou usual no governo, Ciro prefere o ataque: "É uma cortina de fumaça. É como se baixo clero fosse aquele deputado que luta para liberar emenda parlamentar e levar benefícios para sua cidade" - ironiza - , enquanto "o alto clero é aquela meia dúzia que fica discutindo grandes temas mas o que quer mesmo é nomear o diretor financeiro de estatais".

"Não sei qual é o benefício que uma pessoa pode levar para seu Estado nomeando o diretor financeiro de uma empresa estatal", questiona o deputado.

Aos 40 anos, Ciro exerce o quarto mandato consecutivo na Câmara dos Deputados, é advogado e já ocupou alguns dos principais cargos da Mesa. Não nega a amizade com Severino, 70 anos. Mas adverte que são políticos de gerações diferentes e pede para ser julgado por seus próprios atos.

Ciro é a encarnação de uma maioria que é pouco ou quase nunca ouvida, uma espécie de maioria silenciosa que decide quando se move na mesma direção. Mas o fato é que suas chances dependem de um desacerto na aliança PT-PMDB.

Se o PMDB fizer o presidente do Senado, o comportamento do PT na Câmara em relação ao candidato do acordo, o pemedebista Michel Temer (SP), passa a ser uma incógnita. E não será surpresa se boa parte da bancada petista decidir despejar votos em Aldo Rebelo (PCdoB-SP), candidato historicamente mais próximo do PT que Ciro Nogueira e Michel Temer.

Ciro conhece bem os termos dessa disputa e explora com habilidade o fosso que se criou na Câmara entre "baixo" e "alto" cleros. Não é um novo Severino, mas a nova face da massa que não costuma aparecer na lista da elite parlamentar.

Ciro assegura que não tem uma única indicação para cargos públicos, federal, estadual ou municipal. Acha legítimo o partido do presidente da Câmara, no seu caso, o PP, indicar nomes para o ministério. Mas não acha correto que o presidente da Câmara se transforme no corretor dos cargos do partido - coisa que acredita ter virado rotina nos últimos anos.

"A figura do presidente tem de ser preservada desta situação", diz. "Eu não vejo como o presidente da Câmara, na primeira conversa que for ter com o presidente da República, na primeira meia hora tratar do limite na edição de medida provisória, e na segunda meia hora tratar da nomeação do diretor financeiro de Furnas ou da Caixa Econômica Federal".

Segundo Ciro, o presidente da Câmara acabou se transformando numa espécie de "superlíder" partidário. Se o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) indicasse alguém para um cargo no governo, exemplifica, isso seria um escândalo. Mas "não causam mais surpresa à sociedade" iniciativas iguais dos presidentes da Câmara e do Senado.

A tramitação da emenda que prorrogava a CPMF, em 2007, por exemplo, Ciro acha que se tornou uma "matéria emblemática" - o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) "segurou" o projeto até conseguir uma nomeação que reivindicava para Furnas Centrais Elétricas. "Foi um absurdo, e o que é pior, um negócio muito claro. Perdeu-se o pudor naquela ocasião. São situações como essas que eu acho que não podem ocorrer".

O que ocorreu, segundo o candidato do PP, "foi uma cumplicidade do líder do PMDB e do presidente da Casa com aquela situação". Diz que a Comissão de Constituição e Justiça se transformou num feudo (do PMDB do Rio) e o que o presidente da Casa pode e deve intervir para evitar esse tipo de situação.

O candidato Ciro diz que o presidente da Câmara não tem lado. E que a instância máxima de decisão, se for eleito, será sempre o plenário - ou seja, todos os projetos irão a voto, independentemente do que pensam o presidente, governo e grupos de pressão.

Ciro só não diz como vai contornar a pressão de seu próprio partido, que levou o Ministério das Cidades quando Severino foi eleito na Câmara. Mas isso é algo que só a prática vai dizer. Se ele for eleito e tiver oportunidade de fazer o que diz.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

"Um trimestre preocupante"

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Lula está certo em não deixar a peteca cair, mas falta força a medidas anticrise e sobram metas exageradas para o PIB

A GENERAL Motors ainda não começou a cortar na carne, a demitir no núcleo principal de empregados, os de fato contratados. Mas começou a cortar. Na carne de quem ficou sem emprego, temporário ou não, isso dói muito. São agora mais 744 pessoas sem emprego e sem consumir, desempregadas na unidade de São José dos Campos.

Nem se mencione o susto que isso vai dar nos trabalhadores empregados, que devem retrair seus gastos. A Embraer anunciou que nunca entregou tantos aviões como em 2008, mas também divulgou que sua carteira de pedidos caiu pela primeira vez em dois anos. Os números das demissões na Vale são controversos, mas a empresa foi uma das primeiras grandes a demitir.

As dificuldades atingem os setores que estavam na primeira linha de tiro da crise: exportadores e produtores de bens duráveis, os quais dependem muito de crédito. Também se trata de setores para os quais é mais difícil elaborar medidas diretas de atenuação da crise. Não há, óbvio, como influenciar o mercado mundial ou obrigar bancos a emprestar.

Como a produção despencou em dezembro, a de veículos em particular, e como os preços das commodities também desabam, pode-se dizer que os horrores do desemprego mal começam. Por outro lado, como mal começam, as dificuldades podem ainda ser atenuadas. Mas agilidade, urgência e impacto importam.

Muitas demissões devem estar "contratadas". As montadoras reduzirão suas produções, o que vai transbordar em breve para os fornecedores. Cortes na produção da grande empresa, que afetam seus fornecedores, e crédito raro e caro para médias empresas são uma combinação que tende a capilarizar o desemprego e desorganizar ainda mais a vida dos pequenos negócios.

Caso tal ciclo ganhe ritmo, os bancos vão relutar ainda mais a emprestar. Há mais. O preço das commodities e correlatos continua a cair, afetando as maiores empresas do Brasil. Está previsto que a agricultura vai produzir menos, será menos produtiva e vai faturar menos. Estoques mundiais sobem e o comércio de grãos cai. Deve cair mais, mesmo com a baixa de preços, segundo o Conselho Internacional de Grãos. O custo do frete caiu a um quinto, em média, do que era faz um ano.

"Vamos ter um trimestre preocupante", disse ontem Lula em seu programa de rádio. Deveras. O governo Lula está certo em não deixar a peteca cair demais. Tomou algumas medidas sensatas, mas está faltando harmonia e evolução no enredo luliano anticrise. É uma tolice tanto deixar o barco correr como se comportar apenas como líder de torcida, balançando o pompom do crescimento de 4% em 2009.

O mais importante agora é tomar as poucas e possíveis medidas de estímulo que tirem velocidade do ciclo vicioso que está começando. Mas é preciso mais impacto. O conta-gotas pode não funcionar, como pouco funcionou no modesto relaxamento monetário (via compulsório). O governo por ora parece decidido a queimar cartuchos em aumento de gastos que pouco deve se traduzir em estímulo econômico (como no caso dos aumentos salariais de servidores). Mas Lula e cia. precisam reunir a munição disponível, que não é muita, e atirar de uma vez.

Em busca de equilíbrio

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. Não é apenas com o Congresso que o presidente eleito, Barack Obama, está exercitando uma delicada negociação com democratas e republicanos em busca de um consenso político em torno das medidas de seu programa de recuperação da economia. Ele está dando sinais em várias áreas de que pretende ter um amplo grau de amparo político, mesmo que em alguns casos essa busca do apoio o mais amplo possível possa sugerir ambiguidade ou fragilidade de opinião. Não se passa um dia sem que se tenha um exemplo desse comportamento, seja em puro simbolismo, seja em tomadas de decisões.

O bispo anglicano de New Hampshire Gene Robinson, um defensor aberto dos direitos dos homossexuais, anunciou ontem que foi convidado para fazer uma prece no Lincoln Memorial no próximo domingo, no início da série de cerimônias que culminarão com a posse do novo presidente na terça-feira.

O convite ao bispo Robinson foi a maneira de contrabalançar outro polêmico convite, para que o pastor antigay evangélico Rick Warren faça a invocação na cerimônia de posse.

O próprio Obama já tentara amenizar a situação criada lembrando que havia convidado outros pastores para participar da cerimônia, como Joseph Lowery, um veterano defensor dos direitos civis, parceiro de Martin Luther King.

Mas há outros sinais de tentativa de equilibrar posições às vezes inconciliáveis. No fim de semana, numa entrevista à rede de televisão ABC no programa de George Stephanopoulos, um ex-porta-voz de Bill Clinton, Obama tocou em assuntos delicados como a prisão de Guantánamo e a política antiterrorista demonstrando muita ambiguidade, a começar pelo fato de que admitiu que conselhos do vice-presidente Dick Cheney podem ser úteis nessa área.

Cheney havia advertido Obama de que ele não deveria implementar uma política antiterrorista baseada em suas promessas de campanha antes de ser informado totalmente sobre a verdadeira situação.

Obama disse que aquele era "um conselho muito útil", e, embora tenha reiterado discordâncias com a política de Cheney de defesa de torturas nos interrogatórios, e reafirmado sua decisão de fechar a prisão de Guantánamo em Cuba, disse também coisas que podem indicar direção oposta.

Obama não quer fazer prejulgamentos, não pretende que os membros da CIA e de outros serviços de inteligência fiquem pressionados e deixem de fazer o bom trabalho que fazem em defesa do povo americano, e acha que fechar Guantánamo será "muito mais complicado do que muitos pensam", inclusive porque não quer deixar livres pessoas que possam ameaçar a segurança do país.

Ontem, talvez para minimizar a má impressão causada por algumas das declarações, começaram a sair notícias atribuídas a assessores informando que Obama assinará, no primeiro dia de seu governo, o fechamento da prisão de Guantánamo, embora a execução da medida possa demorar muito tempo por questões burocráticas e de segurança.

O próprio presidente eleito já tinha dito em outras ocasiões que levaria muito tempo para que os 250 presos mantidos em Guantánamo fossem realocados em outras prisões nos Estados Unidos ou enviados para outros países, e na entrevista comentou que dificilmente a tarefa estará completada nos primeiros cem dias de seu governo.

A posição contra a tortura é inabalável, reafirmada na apresentação de Leon Panetta, secretário-geral da Casa Branca na gestão do presidente Bill Clinton, para o cargo de diretor da CIA, a Agência Central de Inteligência americana. A escolha é emblemática, pois o próprio Panetta tem sido um crítico feroz das práticas de interrogatório da agência.

Tem sido muito citado um recente artigo no "The Washington Monthly", no qual Panetta afirmou: "Aqueles que apoiam a tortura devem acreditar que podemos abusar de prisioneiros em certas circunstâncias especiais e ainda sermos verdadeiros aos nossos valores", ele escreveu no jornal no ano passado. "Mas esse é um falso compromisso."

Mas, na mesma cerimônia em que confirmou a escolha de Panetta, um outsider do mundo de sistema de inteligência, o presidente eleito também confirmou a permanência de Stephen Kappes no segundo cargo da CIA, o mesmo que foi responsável pela supervisão de algumas das cadeias onde foram praticadas torturas na administração Bush, em mais um sinal de que Barack Obama pretende impor uma nova orientação a setores estratégicos, mas sem fazer caça às bruxas e muito menos deixar inseguros elementos importantes do esquema de segurança.

A manutenção de Robert Gates na Secretaria de Defesa é outro sinal de que, como ele disse na mesma entrevista, "em matéria de segurança nacional, precisamos garantir que as coisas corram direito no futuro, e não ficar procurando o que fizemos de errado no passado".

Devido a essa visão, também é pouco provável que a futura administração acate a pressão de diversos setores liberais que exigem uma ampla investigação sobre os crimes praticados no governo Bush.

Embora tenha garantido que não sustará nenhum processo se o Departamento de Justiça descobrir evidências de que a lei foi violada, Obama repetiu várias vezes que não pretende fazer uma caça ao passado, mas sim garantir que o futuro seja diferente.

Ele está agindo, em relação à segurança nacional, da mesma maneira que reagiu às críticas à sua equipe econômica, considerada por setores mais à esquerda dos democratas como muito ligada às políticas tradicionais que levaram à crise econômica atual.

Obama garantiu na ocasião que as mudanças virão de sua orientação. Ele continua apostando alto no seu carisma e na popularidade para levar adiante seu governo. Mas já há quem o veja ameaçado pela crise econômica e pela ambiguidade de ser um presidente de um mandato só.

Ideias para Obama

Paul Krugman*, The New York Times
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Na semana passada, o presidente eleito, Barack Obama, respondeu aos críticos do seu plano, que acham que não vai ajudar a economia. Obama disse querer ouvir opiniões sobre "como desembolsar dinheiro de modo eficiente e efetivo para relançar a economia". Ok, darei a minha - embora, como explicarei rapidamente, a metáfora do "relançar a economia" seja parte do problema.

Em primeiro lugar, Obama deve jogar no lixo a proposta de cortar US$ 150 bilhões em impostos de empresas, o que vai ajudar muito pouco a economia. Teoricamente, ele estaria descartando reduzir impostos nas folhas de pagamento, embora eu saiba que foi promessa de campanha.

O dinheiro não desperdiçado em cortes de impostos inúteis pode dar um pouco mais de alívio aos americanos em dificuldade - aumentando benefícios a desempregados, expandindo o Medicaid e mais. E por que não começar já com os subsídios às seguradoras - talvez de US$ 100 bilhões ou mais por ano -, que serão essenciais se chegarmos à assistência médica universal? E, sobretudo, Obama precisa ampliar o plano. Para saber por que, considere o novo relatório da própria equipe econômica do presidente eleito.

No sábado, Christina Romer, futura chefe do Conselho de Assessores Econômicos, e Jared Bernstein, chefe da equipe de economistas que vai assessorar o vice-presidente, apresentaram seus cálculos. É um estudo sensato e intelectualmente honesto, mudança bem-vinda após da matemática confusa dos últimos oito anos. Mas o relatório também mostrou que o plano está muito aquém do que a economia necessita.

Para os autores, o plano de Obama terá impacto máximo no quarto trimestre de 2010. Sem o plano, o desemprego nesse semestre teria atingido a cifra catastrófica de 8,8%. Contudo, mesmo com o plano, estaria em 7%, nível próximo do atual.

Depois de 2010, segundo o estudo, os efeitos desse plano rapidamente enfraqueceriam. O trabalho de promover a recuperação total da economia, contudo, ficaria incompleto; no último trimestre de 2011, o desemprego ainda estaria em 6,3%.

Mas a previsão econômica é uma ciência inexata, para dizer o mínimo, e as coisas podem ser melhores do que relatórios preveem. Mas também pode haver uma piora. No próprio relatório se admite que "alguns especialistas em previsões econômicas antecipam taxas de desemprego de até 11%, na falta de uma ação". E eu concordo com Lawrence Summers, outro membro da equipe de Obama, quando declarou recentemente que "nesta crise, a ameaça maior é fazer muito pouco em vez de fazer em demasia". Infelizmente, esse princípio não se refletiu no plano apresentado.

Então, como Obama pode fazer mais? Incluindo muito mais investimento público no seu plano - o que vai ser possível se a perspectiva for mais ampla.

Em seu relatório, Romer e Bernstein reconhecem que "um dólar em infraestrutura é mais eficaz na criação de empregos do que um dólar aplicado em redução de imposto". Mas afirmam que "há limite no quanto o investimento governamental pode ser aplicado eficazmente num curto espaço de tempo".

Mas por que esse espaço de tempo tem de ser curto? Até onde sei, os assessores de Obama se concentraram em projetos que possam dar maior impulso à criação de empregos nos próximos dois anos. Mas, como o desemprego deve permanecer num nível alto além desses dois anos, esse plano deveria abranger também projetos de investimento com prazo mais longo.

E você deve ter em mente que, apesar de o projeto ter seu máximo efeito em, digamos, 2011, ele pode dar suporte econômico importante em anos anteriores. Contudo, Obama não deveria esperar até que se comprove que um plano de prazo mais longo é necessário? Não. Neste exato momento, a parte do plano de investimento está limitada pela escassez de projetos que podem ser implementados rapidamente. E mais investimentos são previstos para 2010 e 2011, se Obama der o sinal verde já. Mas, se ele esperar muito tempo para decidir, a oportunidade será perdida.

E mais uma coisa: mesmo com a implantação do plano Obama, o relatório de Romer e Bernstein prevê uma média de desemprego de 7,3% nos próximos três anos. Um índice assustador, alto o bastante para se tornar um verdadeiro risco de a economia americana se ver também presa na armadilha deflacionária, como o Japão.

Portanto, meu conselho para a equipe Obama é riscar do plano os cortes de impostos para as empresas e, mais importante, procurar eliminar a ameaça de realizar muito pouco, fazendo mais. E o caminho para fazer mais é deixar de falar em relançar a economia e considerar mais as possibilidades de investimentos pelo governo.

*O autor é Prêmio Nobel de Economia

Depois da crise financeira

Yoshiaki Nakano
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O desdobramento da crise financeira global com epicentro nos Estados Unidos vem ganhando abrangência e contornos cada vez mais preocupantes e ameaçadores. As últimas informações sobre queda, sem precedentes, na demanda agregada estão deslocando o diagnóstico de recessão profunda e prolongada para uma possível depressão econômica. A atual crise não pode ser vista como fase de contração de um ciclo econômico e que deverá automaticamente ser seguido da fase de recuperação. A sua natureza não foi ainda desvendada, mas seu poder destrutivo é tal que deverá trazer rupturas nas práticas econômicas e financeiras que podemos falar em fim de um regime econômico que vem regendo a economia global desde os anos 80. Muitos bancos e empresas símbolos já quebraram ou estão sendo socorridos pelo governo, como Citibank, GM e Ford, com medidas que estavam no index do pensamento convencional. A visão de mundo e idéias que fundamentavam o pensamento econômico convencional como mercado eficiente e, que se auto-regulam, ruíram com a crise. Políticas convencionais como a monetária deixam de funcionar e conceitos, como autonomia do Banco Central, perdem sentido diante da gravidade da crise e da urgência de ação coletiva.

Krugman vem falando em "Depression Economics". Ele reescreveu, à luz da atual crise, o seu livro de 1999 que se baseava na crise asiática, tendo como pano de fundo a crise japonesa. A revista The Economist já encontrou uma definição do que seria uma depressão econômica, uma contração no PIB de mais de dez pontos percentuais e que se prolongue por quatro anos. Para o meu gosto preferiria uma definição de depressão econômica que tomasse emprestado o significado da psicologia: uma doença em que a economia não reage normalmente aos estímulos convencionais, com a destruição da lógica do crescimento e da geração de novos empregos. É uma doença causada por desequilíbrios mais profundos. Neste estado, a política monetária convencional deixa de funcionar e são necessárias políticas fiscais extremamente agressivas, que tem efeitos colaterais indesejados, para evitar o pior e que, por si só, não são capazes de trazer de volta a saúde econômica e retorno do crescimento.

Neste caso para que os Estados Unidos e o resto do mundo comecem a reduzir o desemprego e voltem a crescer, serão necessários grandes ajustes para restabelecer os equilíbrios, desenvolver nova regulação do sistema financeiro e construir uma nova estrutura dinâmica para economia global para recompor a lógica do crescimento capitalista. Isto poderá levar anos.

O ponto central é que a atual crise financeira originou-se na crise do financiamento imobiliário "sub-prime" nos Estados Unidos, mas provocou uma contração global no crédito, desalavancagem generalizada e uma gigantesca deflação nos preços dos ativos, num processo global que se auto-alimenta de diversas formas. Esta deflação nos preços dos ativos é que está provocando uma queda, sem precedentes, no consumo e tem efeito destruidor no balanço das empresas. É este processo no qual as familias têm que deixar de consumir para pagar as dívidas, isto é, têm que aumentar a poupança e as empresas devem reduzir o seu passivo em função da deflação de seus ativos para recompor o seu patrimônio liquido, muitas vezes negativo, que rompe a lógica do crescimento. A prioridade passa a ser pagar a dívida acumulada na fase de bonança de crédito. Assim, a crise financeira destrói a lógica capitalista de crescimento na qual as empresas investem incessantemente em busca de lucro, atendendo a demanda de consumo das famílias.

Na medida em que a lógica financeira que prevalece passa pela prioridade absoluta das familias e das empresas, pela redução da dívida, isto é, ampliação da poupança das familias e utilização dos lucros pelas empresas para redução do seu passivo ou constituição de reservas, podemos entrar num quadro depressivo com insuficiência crônica de demanda. Com a deflação muitas e muitas empresas passam a ter patrimônio negativo e redução de dívidas passa a ser uma questão de sobrevivência.

Assim, a depressão econômica não é causada pela contração no crédito. Esta é a primeira fase da crise financeira que causa uma recessão. Mesmo que este problema tenha sido resolvido com devida recapitalização dos bancos e retirada do mercado dos ativos tóxicos, com retorno da liquidez e do crédito, dependendo dos excessos de endividamento e da magnitude da deflação do valor dos ativos financeiros, numa economia em depressão é a demanda por crédito que cai. Famílias e empresas poupam, mas do outro lado não há mais pessoas nem empresas dispostas a consumir ou investir endividando-se.

Neste quadro é que Keynes propunha a necessidade da política fiscal com ampliação de gastos do governo exatamente para captar o excesso de poupança e canalizá-lo para reconstituição da demanda agregada para sustentar a produção e o emprego.

Por trás de todo este processo existe um desequilíbrio estrutural e global. Como na fase de "boom" de crédito, as famílias americanas deixaram de poupar e consumir endividando-se até bater no limite - agora começam a aumentar a poupança para pagar as dívidas. Isto é, os americanos consumiram muito mais do que a sua produção permitia, gerando enorme déficit em transações correntes, recorrendo à poupança externa (superávit da China etc) e, desta forma, transmitia demanda e dinamismo aos demais países. Agora, com as famílias reduzindo, numa escala sem precedentes, a demanda por crédito e consumo e, em decorrência, as empresas reduzindo seus investimentos, resta para os EUA duas saídas. A ampliação dos gastos do governo ou aumento das exportações líquidas.

De 2001 a 2003, os Estados Unidos já ampliaram seu déficit fiscal provavelmente em mais de US$ 700 bilhões e, este ano, deverá ampliar em pelo menos outro tanto, mas logo baterá num limite. Como financiar um déficit desta magnitude ampliando o nível de endividamento? Assim, inevitavelmente os Estados Unidos deverão recorrer à ampliação das exportações líquidas, isto é, deverão transferir desemprego para os demais países. Para isto, inevitavelmente, o dólar deverá ser depreciado fazendo com que o resto do mundo pague as contas.

Yoshiaki Nakano , ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.

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