sábado, 3 de janeiro de 2009

O meu Berlinguer? Um solitário no mar

Pietro Ingrao
Tradução: A. Veiga Fialho
Fonte: Gramsci e o Brasil

A autobiografia de Pietro Ingrao, Volevo la luna, detém-se numa fase crucial da sua vida, a morte de Moro e a recusa de ser presidente da Câmara de Deputados pela segunda vez. Daí, do final dos anos 1970, parte o diálogo entre Claudio Carnieri e o dirigente político, recolhido no livro La pratica del dubbio (San Cesario di Lecce: Ed. Manni, 2007), de que a seguir publicamos um trecho.

Pietro Ingrao, nascido em 1915, é figura histórica do velho PCI e referência moral da esquerda italiana. Dois dos seus livros estão disponíveis em português — As massas e o poder (Trad. Luiz Mário Gazzaneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980); Crise e terceira via (Trad. Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1981) — e constituem ainda hoje, mesmo num contexto inteiramente mudado, pontos de referência para a reflexão sempre atual sobre democracia política e pensamento socialista.

E você, o que pensava? A seu ver, quais eram os limites da linha berlingueriana?

Resumiria com uma palavra: Europa. As deficiências do PCI sobre esta questão eram antigas. Mesmo com os companheiros franceses nosso entendimento era muitas vezes turvado pela obstinada rivalidade, que já surgira — e eu vivera isso pessoalmente — em alguns encontros entre os partidos comunistas realizados em Moscou. Há anos jurávamos fraternidade com aqueles companheiros franceses; em seguida, irrompia sua rivalidade irrefreável.
Já na metade dos anos setenta, Berlinguer tinha buscado ampliar o alinhamento comunista no Ocidente, dando vida a uma aliança tripolar com os “vermelhos” da França e da Espanha, e com seus líderes (Carrillo, Marchais), sob a fórmula do eurocomunismo. O entendimento a três entre comunistas italianos, franceses e espanhóis se efetivara sobretudo por causa do impulso e da autoridade de Enrico, muito apoiado, antes de mais nada, pelos companheiros espanhóis, e por Carrillo mais do que qualquer outro. A duração daquela fase foi breve, até 1977, quando surgiram disputas sobretudo com os franceses e com Marchais.

Mas o tema mais importante que tínhamos diante de nós era o entendimento com os socialdemocratas e com as correntes católicas avançadas, que se mostravam de novo vigorosamente presentes no cenário da Europa. O próprio Berlinguer começou a agir nesta direção, mas não sem algumas hesitações, que só desapareceram no início dos anos oitenta.

Aí veio a tragédia que nos abalou e comoveu a todos. Berlinguer trabalhava freneticamente naqueles anos: no seu esforço de união com os comunistas da Europa e com as correntes inovadoras do país, no qual de modo algum se extinguira o veneno do terrorismo, e também aprofundando sua nova atenção à esquerda européia e ao Terceiro Mundo. O líder estava nas ruas. Participava da luta cotidiana. Viajava pela Europa. Quando se precipitou a desgraça de modo fulminante.

Estava num comício em Pádua. Enquanto falava de um palanquezinho qualquer, foi colhido no meio de uma frase por um ataque fulminante. Desabou repentinamente no chão. Entre a dor e o susto foi levado rapidamente para um hospital. E lá, em Pádua, viveu dias desesperados entre a vida e a morte: sem nunca conseguir pronunciar uma só palavra.

Fui correndo para aquele hospital e vivi sua agonia hora a hora. Pertini [presidente da Itália] também veio e ficou durante dias ao lado do enfermo mudo, que parecia estático a perscrutar um horizonte distante e indizível. E depois o fim. E o choro incontido dos companheiros prostrados sobre o corpo, as invocações sem esperança, com uma dor que se igualava ao amor por ele, que era grande. Por fim, o corpo coberto por véus e flores começou sua dolorosa viagem pela península: com paradas em dezenas de estações, lotadas por pessoas em lágrimas, e, afinal, pelas ruas da capital, onde as vagas de uma multidão jamais vista, congeladas num silêncio incrível, o acompanharam até a praça San Giovanni. Vieram homenagear os restos mortais até mesmo os adversários de sempre: Guido Carli [presidente da Confindustria entre 1976 e 1980], conservador declarado...

E hoje, de tão longe, como vê aquele líder? Como o lê? O que sente?

Antes de tudo, tenho um sentimento de orgulho humano. Orgulho em razão da ligação dele com uma causa: a causa histórica de libertação do humano. E, também, simpatia pela sua singular paixão: vagar solitário pelo mar, quase a interrogar o horizonte. Vagabundo e silencioso. Vê-lo desabar daquele palanque, no qual falava do futuro do continente, pareceu-me uma violência cruel.

Mas você nunca foi “berlingueriano”. Nunca teve uma relação de familiaridade com ele. Por quê?

É difícil dizer. A memória desta pessoa está demasiadamente perto. A imagem impressa na minha mente é a de Berlinguer num barco, que avança perscrutando o horizonte. Um solitário no mar... E, como que misturadas na sua vida, no seu sentimento profundo, uma sede de solidão e ao mesmo tempo uma extraordinária capacidade de comunicação com as pessoas. Talvez porque jamais tenha fingido. Com um limite, talvez: ponderava tudo obsessivamente. Jamais se abandonava (pelo menos assim me parecia) à fantasia. Entre nós dois houve grande estima e recíproco respeito. Familiaridade, não. No fundo, os nossos vocabulários eram diferentes.

Voltemos ao início dos anos 1980, quando você foi trabalhar no CRS [Centro per la riforma dello Stato]. O que você fazia? O que é que pesquisavam? Antes de mais nada, onde se instalaram?

Lembra-se daquela rua em círculo, que, em Roma, leva do fim da via Nazionale até a Praça Veneza? Numa reentrância havia uma pracinha com uma pequena fonte na qual freqüentemente bebíamos. A sede do novo CRS ficava justamente diante daquela fontezinha e do edifício no qual, até 1956, tinha sido a sede de L’Unità: ali — naquela curva da rua — eu trabalhara furiosamente durante aproximadamente dez anos: primeiro como responsável pelo noticiário de Roma, depois como diretor de L’Unità. Naquele mesmo edifício havia um pequeno e excelente estabelecimento, do qual gostávamos muito: a livraria Tombolini. Voltei a vê-la quando passei a trabalhar no CRS, e não na via delle Botteghe Oscure [antiga sede do PCI]. Era muito agradável descer das nossas salas e — depois de tomar o ansiado café — escarafunchar as estantes daquele livreiro inteligente, sempre na expectativa de achar algumas novas pistas interpretativas sobre esse ardente século XX.

Em resumo, era a retomada de um hábito mais antigo. Naquelas incursões pelas estantes, nos anos de juventude, o que atraía sua curiosidade? O que é que você buscava?

Antes de mais nada, buscava textos que se relacionavam com minhas paixões de sempre: cinema, poesia. Mas também clássicos da política ou textos heréticos para os quais estranhamente o fascismo tinha deixado alguma abertura, eventualmente de editoras imprevistas, como, por exemplo, a Corbaccio. Quanto à literatura, buscava não tanto autores italianos, que há tempos estavam nas estantes da minha casa (Ungaretti, Montale, Quasimodo e todo o grupo de Circoli, a grande revista de poesia sediada na Liguria e dirigida por Adriano Grande).

Agora me interessavam autores do século XX europeu ou da literatura americana dos tempos de Roosevelt:

Faulkner, sobretudo, e Steinbech, seus textos mais jovens. Ratos e homens, por exemplo, este livro singular e ambíguo. Mas, acima de todos, para mim estavam aqueles grandes autores que haviam mudado, junto com o vocabulário e o catálogo das palavras, a leitura do humano: Joyce, antes de qualquer outro, e Kafka, o qual nos falava da cidade inesquecível que é Praga. Empalidecia o prazer do fraseado literário, ao qual o cenáculo florentino me arrastara. Operava uma nova língua, que se interrogava sobre o sentido das vicissitudes do homem.

Vejam o video com Pietro Ingrao:

De olho em 2010, TRE monta pacote de ações

Flávio Tabak
DEU EM O GLOBO


Tribunal do Rio identifica propagandas de possíveis candidatos, e presidente avisa: "A vassoura vai passar"

Mal tomaram posse os novos prefeitos e vereadores, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio (TRE) decidiu se antecipar ao calendário para começar a combater, desde já, irregularidades eleitorais como as que marcaram a disputa de 2008. Uma série de medidas será posta em prática logo este ano, antecedendo um pacote de regras para a campanha de 2010.

Entre elas, a elaboração de dossiês sobre possíveis candidatos que começaram a se promover antes do período permitido, a proposta de antecipação do calendário de registro eleitoral e convenções, a análise de gastos com propaganda institucional da máquina pública, e a criação de uma força-tarefa para atuar no interior e coibir abusos previamente.

Rigor nas contas de campanha

O presidente do TRE, desembargador Alberto Motta Moraes, determinou à equipe de fiscalização que analise a movimentação de políticos que se anteciparem ao calendário eleitoral. Operações não podem ser feitas em 2009 por limites da legislação, mas um banco de dados passou a ser montado pelo TRE.

Como antecipou Ancelmo Gois em sua coluna no GLOBO, o prefeito reeleito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias (PT), espalhou outdoors pelo estado desejando "vitórias em 2009". Os fiscais do TRE já tinham identificado a ação do petista, cotado para disputar a sucessão do governador Sérgio Cabral: são 40 outdoors com a foto de Lindberg, distribuídos entre Nova Iguaçu, Duque de Caxias e Rio.

- Vamos acompanhar esse tipo de propaganda na rua e também em rádios e emissoras de TV para montar dossiês. Não podemos fazer nada em 2009 porque não é ano eleitoral, mas já começaram os agradecimentos, como os desejos de feliz Natal. Eleito um, no segundo seguinte já começa a campanha para o seu substituto. Eles podem instalar essa placas ter até o dia 31 de dezembro. De lá para a frente, a vassoura vai passar. Não tenha dúvida. Também será criada uma força-tarefa de fiscalização só para atuar no interior - avisa o presidente do TRE.

Uma das principais preocupações do TRE é com propagandas institucionais de prefeituras e governo do estado para fins eleitorais. Dados do Tribunal de Contas do Estado e do Município serão analisados para saber quanto os governantes estão destinando para propaganda. Se o gasto em anúncios nos seis primeiros meses de 2010 for maior do que a média dos três anos anteriores, está configurada irregularidade eleitoral. Motta Moraes também prevê que, como serão eleitos representantes de vários cargos, as contas das campanhas serão "assustadoras":

- Vamos desenvolver uma atividade de aproximação com os tribunais de contas para acompanhar gastos do estado e dos municípios. A propaganda eleitoral nos chamou muita atenção no ano passado. Em 2010, serão pleitos com grande movimentação financeira, e o despejo de valores nas campanhas será assustador. Nunca chega à Justiça Eleitoral exatamente o que está nas prestações de contas, mas não é nada que ultrapasse 25 a 30% da realidade. Os CPFs e CNPJs serão checados, um a um, nos relatórios de gastos.

Outro ponto a ser resolvido é o número de recursos que chegaram ao TRE no ano passado. Entre pedidos de impugnação de candidatura, multas e acusações, o tribunal viu dobrar a quantidade de municípios com disputas judiciais durante o processo eleitoral. Segundo levantamento feito pelo presidente, nas eleições de 2000, chegaram ao pleno do TRE recursos de 48% das cidades do estado. Em 2004, o número subiu para 62%, e, em 2008, atingiu 98%.

Prazo menor para convenções

Como o número de juízes não aumenta de acordo com a quantidade de processos - são sempre sete membros -, o tribunal vai tentar antecipar em três meses o calendário de 2010 para dar tempo de julgar os recursos. Segundo Motta Moraes, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Carlos Ayres Britto, concordou com a proposta, que precisa ser aprovada no Congresso até outubro para vigorar no ano que vem:

- Chegamos a julgar 394 processos em um dia. Por isso queremos antecipar o calendário eleitoral, trazendo para a primeira quinzena abril o registro de candidatos e convenções, que geralmente são feitos em julho. Assim teremos mais tempo. Fiz essa sugestão no colégio de presidentes dos TREs, e o ministro Ayres Brito achou sensacional.

'Os milicianos serão os grandes cabos eleitorais em 2010'

DEU EM O GLOBO

Além de cuidar de prazos legais e entraves jurídicos, o presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio, desembargador Alberto Motta Moraes, acompanhou de perto a Operação Guanabara nas eleições de 2008. Criada em conjunto com as Forças Armadas para permitir a circulação de moradores e candidatos em áreas consideras currais eleitorais da milícia ou do tráfico, Motta Moraes não descarta outra operação do tipo em 2010 e prevê mais problemas com criminosos na política.

Qual é a avaliação que o senhor faz da atuação das tropas na eleição do ano passado?

ALBERTO MOTTA MORAES: O Exército não veio para cá com a finalidade de acabar com as milícias. Foi uma idéia do TSE que nasceu no nosso tribunal. O ministro Carlos Ayres Britto ficou muito preocupado com a Liga da Justiça quando soube que era um grupo de criminosos. As Forças Armadas deram uma demonstração de que se pode resolver o problema, mas sua saída representou que o poder público virou as costas para aquela situação. Não era para o Exército continuar, mas o resultado foi esse. Os moradores continuaram entregues. Vai haver necessidade de uma nova atuação em 2010. Ainda não sei se com Forças Armadas.

O senhor prevê mais registros de candidatos ligados a grupos criminosos nas eleições de 2010?

MOTTA MORAES:
Não tenho dúvida de que os milicianos serão os grandes cabos eleitorais nas eleições de 2010. A nossa Zona Oeste é território dominado, disso ninguém tenha dúvida. A Baixada Fluminense ainda é uma zona meio inexplorada, mas eles estão ali. Também existe milícia em Cabo Frio, Campos, Magé, Macaé, Itaboraí. Eles estão se expandindo e são profundamente organizados. O tribunal vai procurar tentar minimizar, mas não temos atividade policial. Historicamente, falávamos que o Nordeste tinha currais eleitorais. Hoje nós temos, nos grandes centros, currais que são exercidos pelas milícias e pelos traficantes. Tem bancada ruralista, evangélica, católica, mas também existe a miliciana. A do tráfico talvez apareça para a próxima disputa.

Como o senhor imagina a atuação desses grupos no ano que vem?

MOTTA MORAES: Na eleição de 2008, em quase todos os lugares da cidade havia o candidato local e o majoritário absolutamente definidos. Em 2010, vamos ter uma coisa um pouco mais concentrada, porque estaremos elegendo os legisladores estaduais. Se nada for feito, vamos ter também novos representantes desses grupos de marginais na Assembléia Legislativa e na Câmara dos Deputados. Os governos têm de assumir a responsabilidade de enfrentar e não dar as costas, como vi fazerem no ano passado. Para os moradores, o que fica é essa certeza.

Além do crime na política, as eleições de 2008 no Rio foram marcadas pela distribuição de panfletos apócrifos. A prática deve ser combatida com mais rigor pelo tribunal?

MOTTA MORAES:
Acho que esse tipo de procedimento surpreendeu pela forma quantitativa, mas já apareceu na eleição de 2006, quando a candidata Jandira Feghali recebeu aqueles torpedos que diziam ser ela a candidata do aborto. Houve uma evolução de lá para cá, e não tenha dúvida de que será preparado para 2010. Pretendemos ter elementos para apurar o máximo de denúncias. Vamos usar todos os meios de fiscalização.

Sombra do passado

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


O Brasil viverá os primeiros meses de 2009 sob números ruins, que ainda têm a ver com 2008: na terça, dia 6, sai o resultado da produção industrial de novembro. As previsões de economistas e consultorias são de queda de 4% a 5%. A herança do ano passado ainda trará outros números negativos, como o PIB do quarto trimestre. O desafio deste ano não vai ser evitar a crise, mas reduzir seus efeitos.

A produção industrial caiu 1,7% em outubro e continuou caindo nos meses seguintes. Na primeira quinzena de dezembro, a venda de veículos caiu 3% em relação aos primeiros 15 dias de novembro, mês que já tinha registrado queda de 22% nas vendas, segundo a Fenabrave. A própria entidade prevê que este ano a queda total das vendas de veículos chegará a 19%. O desempenho tem efeito em toda a cadeia produtiva. Além de o mercado interno estar fraco, a sombra que paira sobre o setor automobilístico é o temor em relação ao destino das empresas na matriz. As siderúrgicas continuam reduzindo a produção.

A MCM Consultores e a Ativa prevêem queda de 4% na produção industrial de novembro, a MB Associados projeta queda de 4,5%, o Banco ABC e o Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco esperam uma retração de cerca de 5%. E a produção industrial afeta o PIB.

O próprio Banco Central acredita que a desaceleração na atividade econômica fará com que o número do PIB do quarto trimestre seja de 0,7%. A MB Associados já revisou para baixo o crescimento do PIB para 2009, de 2,8% para 2,3%, e mudou também a projeção para o PIB do primeiro trimestre de 2009, de crescimento de 1,3% sobre o primeiro trimestre de 2008 para a estagnação.

O mais otimista é o Orçamento. Mesmo após a revisão de crescimento de 4,5% para 3,5%, esse número ainda é muito maior do que todas as previsões. O economista Alexandre Marinis, da Mosaico, acha que o número é irreal, mas que terá efeitos concretos: todas as receitas do orçamento foram projetadas com esse PIB e, se o crescimento for menor, o governo terá receitas a menos, mas já projetou gastos com base nessa previsão de arrecadação. O resultado pode ser o de reduzir o superávit primário.

- Como a maior parte do orçamento é comprometida com despesas obrigatórias, e como o governo contratou muito e reajustou nos últimos anos, ele não abriu espaço para o investimento público. E, aí, vai ter de rever o superávit primário. A meta do ano que vem não deve ser atingida - diz Marinis.

Para o economista-chefe do Banco ABC, Luiz Otávio Leal, as medidas adotadas pelo governo até agora foram acertadas, mas elas não fazem parte de uma ação maior, coordenada. Para ele, o governo errou ao conceder benefícios a servidores, que vão ter um impacto nos gastos de cerca de R$44 bilhões até 2011.

- É defensável aumentar o gasto público em obras de infra-estrutura, em construção civil, que geram mais emprego e mais renda. Não é defensável o aumento de gastos com as que estão sendo feitas por essas medidas provisórias. Não é deixar de reajustar, mas isso pode ser feito de maneira escalonada. Num momento desses, de menor receita, é hora de manter os pés no chão, e não de meter os pés pelas mãos.

O economista José Júlio Senna, da MCM Consultores, diz que, para minimizar com mais eficiência os efeitos da crise no Brasil, o governo deve conceder benefícios e desburocratizar a produção como um todo.

- O Brasil vai ter de afrouxar a política monetária. Tudo o que se puder fazer para destravar a produção vai ter de ser feito pelo governo. Tem de ter vontade política. Há um grande espaço para estimular a economia, reduzindo gastos públicos, diminuindo impostos e desburocratizando a produção como um todo. Esse é o desafio do Brasil para 2009.

O momento do mundo é outro. O crédito não circula, os investimentos externos estão se reduzindo, o mundo está comprando menos matéria-prima, o que impacta as exportações brasileiras e reduz a entrada de recursos. O governo montou um orçamento com um PIB inflado. Em 2009, na pior das hipóteses até agora, podemos ter um crescimento de 1,75%, que é metade do que foi projetado. Nesse caso, a receita do governo poderia cair para a metade. A atividade industrial está retraída, não vai ter o volume dos três primeiros trimestres do ano passado.

A preocupação deve ser com a queda da atividade. O Banco Central deve cortar os juros já na primeira reunião deste ano - a MB Associados prevê a Selic em 10,75% no fim de 2009 -, e o governo precisa agir em todos os setores, reduzindo a carga tributária, inclusive para pequenos e médios empresários, que são os que mais empregam e sofrem com os impostos.

Esta é a primeira crise do governo Lula, e o ano é o teste decisivo. Em 2003, na crise que enfrentou no início de seu governo, ele tomou as decisões certas de manter a estabilidade e o ajuste fiscal. Desta vez, o governo tem sido contraditório. Algumas decisões são acertadas, outras inteiramente fora de propósito. Em 2009 é que o governo Lula consolidará sua herança.

Os erros deste ano poderão prolongar a crise até 2010, ano de eleição presidencial.

Perspectivas de crescimento para 2009

Carlos Antonio Luque
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A PESAR DE O desenvolvimento da teoria econômica ter permitido um conhecimento mais profundo sobre o funcionamento da economia e de os avanços da informática terem possibilitado a elaboração de modelos cada vez mais sofisticados e ágeis, o poder de previsão dos economistas continua baixo. As variáveis dependem de um conjunto muito amplo de fatores, que se alteram mais rapidamente do que a própria capacidade dos analistas e dos modelos em captá-los, mas, principalmente, pelo fato de os agentes econômicos, responsáveis diretos pelos resultados, alterarem seu comportamento de maneira muito rápida.

A própria crise atual não foi prevista pela maioria absoluta dos analistas. O acompanhamento do boletim Focus, divulgado pelo Banco Central como uma síntese da opinião do mercado, revela que as previsões efetuadas normalmente não se realizam. Tomando apenas como exemplo a taxa de crescimento do PIB nacional, percebe-se que, nos últimos anos, as previsões efetuadas para o crescimento da nossa economia nunca ficaram muito próximas de seu valor real. Por exemplo, para 2004, a previsão era de 3,55%, mas o crescimento efetivo foi de 4,90%. Para 2005, a previsão do crescimento do PIB foi de 3,50%, mas o índice efetivo foi de 2,28%. Para 2006, a previsão era 3,50%, mas o crescimento foi de 2,86%. Para 2007, a previsão era de 3,50% e o crescimento real foi de 5,4%. Para 2008, a previsão foi de 4,5%, mas o crescimento provavelmente será de 5,55%. Atualmente, a previsão para 2009 é de 2,4%.

Será que devemos tomar muito seriamente essa previsão de crescimento que o mercado atualmente faz para 2009? Será que o país crescerá mais ou menos do que o mercado prevê? Poderá a economia crescer 4%, como o Ministério da Fazenda afirma, ou deverá crescer em torno de 3,2%, de acordo com as previsões contidas no relatório trimestral de inflação do Banco Central? Difícil saber.

Como se percebe, o mercado está mais pessimista do que os responsáveis pela condução da política monetária (o Banco Central), que, por sua vez, estão mais pessimistas que os responsáveis pela política econômica de maneira mais ampla (Ministério da Fazenda e Planejamento). Isso é razoável e deve ser assim. Dado que o resultado está atrelado diretamente ao comportamento dos agentes econômicos, o qual, por sua vez, depende das expectativas, não seria razoável que os responsáveis pela condução da política econômica fizessem previsões mais pessimistas, pois eles condicionariam as próprias previsões e comportamento dos agentes econômicos.

Mesmo antes da crise, os analistas no Brasil acreditavam que a economia brasileira não repetiria em 2009 o mesmo resultado apresentado tanto em 2007 como no ano em curso. No início de 2008, o mercado estimava um crescimento de 4,5% para o PIB; em meados do ano, contudo, reduzia suas previsões para 4,0%. Isso porque o crescimento da demanda agregada superior ao da oferta estava pressionando a taxa de inflação e promovendo desequilíbrios crescentes nas contas externas. Assim, esperava-se que o Banco Central manteria juros elevados a fim de conter o crescimento da demanda, promovendo uma redução da própria taxa de crescimento do PIB. Com a crise, o mercado foi naturalmente reduzindo gradativamente a expectativa de crescimento para o PIB, chegando aos níveis atuais de 2,4%. Saber exatamente o que vai ocorrer não é possível. É claro que, dentro da perspectiva de nossa trajetória de crescimento dos últimos anos e, considerando as limitações que nossa economia já demonstrava, tanto em termos de déficit nas contas externas como também em pressões inflacionárias, a sustentação de taxas de crescimento mais elevadas apresentava dificuldades. Com a crise internacional, a tendência é que essa situação seja ainda mais agravada.

Se a taxa de crescimento ficará em 2,4%, em 3,2%, ou em 4%, ninguém sabe. Esperemos que, embora apresentando uma taxa de crescimento inferior à de 2008, ela se situe num patamar que permita termos em 2009 um ano com poucos reflexos negativos sobre a vida dos brasileiros.

Carlos Antonio Luque , 61, é professor titular do Departamento de Economia da Faculdade de Economia e Administração da USP e atualmente preside a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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