terça-feira, 17 de novembro de 2009

Yoshiaki Nakano:: As turbulências na taxa de câmbio

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Na atual conjuntura não temos como prever qual será o valor do real no final do ano ou mesmo no final deste mês. Há aqueles que apostam que, no curto prazo, a taxa de câmbio irá para R$ 1,60 ou mesmo R$ 1,50, mas há outros que apostam em R$ 1,90 ou mais. Se não fora a imposição de IOF sobre a entrada de capitais, certamente o primeiro grupo estaria hoje com razão e estaria comemorando grandes lucros. De fato, não foram os 2% de IOF que interromperam a apreciação maior do real, mas a sua sinalização para o mercado e anúncio de que o Banco Central (BC) poderia tomar medidas adicionais é que tiveram efeito. Com isso, surgiu o segundo grupo que passou a apostar que uma taxa de câmbio entre R$ 1,90 a 2,10 parece ser mais razoável e aceitável para as autoridades públicas. A incerteza total gerou uma trégua e o real tem flutuado próximo à taxa vigente antes da imposição do IOF. Qual aposta vai prevalecer? Qual será a nova tendência num futuro próximo? Ninguém sabe, o que sabemos é que a instabilidade deverá continuar.

Basta passar os olhos no relatório sobre taxa de câmbio de outubro do Goldman Sachs, no qual o real aparece como a moeda que mais está apreciada (+ 51,25%), para se convencer de que não vivemos apenas instabilidade, mas uma conjuntura de turbulência cambial. Na realidade existem razões de natureza mais geral e específicas que estão causando essa turbulência do real, mantida a atual política ineficaz de intervenções do Banco Central.

A principal razão para essa turbulência cambial é a política monetária extremamente expansionista nos Estados Unidos que desencadeou um fluxo massivo de capitais para o exterior, principalmente os países emergentes que estão, depois da crise financeira, relativamente em melhores condições que os países mais desenvolvidos. A percepção geral é de que essa política deverá permanecer por longo período, pois a recuperação recente está longe da típica após uma recessão: queda na taxa de juros trazendo retorno do crédito e na demanda, tanto do consumo como do investimento. A queda na taxa de juros e a brutal injeção de liquidez não trouxeram a retomada de crédito, do consumo ou do investimento privado. As famílias norte-americanas estão superendividadas, estão aumentando a taxa de poupança e com dificuldades para pagar as dívidas acumuladas no período pré-crise. Com isso, as empresas do setor real, que estão com capacidade ociosa e relativamente melhores, estão se ajustando cortando emprego e reduzindo salários. Elas não estão dispostas a aumentar suas dívidas ou retomar o investimento. A recuperação na economia veio da injeção de recursos fiscais que elevou o déficit e a dívida pública, enfraquecendo o dólar.

Na realidade, a política de taxa de juros zero foi direcionada para subsidiar e salvar o que restou do sistema financeiro norte-americano. Este vem se recuperando, basicamente, com operações de mercado de capitais e forte especulação com certos ativos financeiros tais como petróleo, metais, ações etc. e não com a retomada de crédito para o setor real da economia.

Nesse quadro, os bancos e investidores podem captar recursos a taxa próxima a zero e na busca de maiores retornos, encaminharem-se para ativos mencionados acima, mas principalmente para ativos nos países emergentes que sofreram muito menos com a crise financeira, principalmente os países exportadores de commodities como o Brasil. Aqui entra a particularidade do real. A sucessiva e sustentada apreciação do real ao longo da última década e meia trouxe uma mudança regressiva e especializadora na nossa balança comercial: a queda na participação de manufaturados e aumento das commodities, transformando o Brasil numa economia exportadora de commodities. Com isso, o real passou a fazer parte do portfólio dos especuladores financeiros, na categoria de "commodity currencies". Como a China deverá continuar crescendo praticamente às mesmas taxas do período pré-crise, os preços das commodities estão se recuperando e deverão manter-se com preços reais num nível elevado por décadas, dando fundamento à especulação.

A taxa de desemprego alcançou números alarmantes nos Estados Unidos e existem dificuldades em aumentar mais ainda as injeções fiscais para evitar o aumento de desemprego. Assim, não resta aos Estados Unidos senão depreciar drasticamente a sua moeda para substituir a demanda doméstica pelas exportações a fim de gerar crescimento e interromper o aumento de desemprego. Isso significa uma guerra cambial deliberada para aumentar a participação dos Estados Unidos nas exportações globais. Mas a China, que vinha apreciando gradualmente a sua moeda desde junho de 2008, fixou-a em relação ao dólar, pegando carona no jogo não cooperativo norte-americano de ganhar mercados, exportando desemprego aos demais. Basta lembrar que as mercadorias chinesas poderão desembarcar no Brasil custando mais barato na exata medida que o real apreciou-se em relação ao dólar, isto é, mais de 30% neste ano. Como reagirão os demais países quando começarem a perder mercado para esses países?

Mas esse jogo ou guerra não para aí. Suponhamos que o presidente Obama seja bem sucedido na sua visita e consiga convencer a China a mudar o regime de câmbio. Suponhamos, para ter cenários mais claros, que a China passe a flutuar livremente a taxa de câmbio com total liberdade e mobilidade de capitais, tão a gosto de ortodoxia tradicional e, supostamente, uma virtude do regime cambial brasileiro. Nesse caso, a China deixaria de acumular reservas adicionais e assim o dólar depreciaria ainda mais. Como grande parte da reserva é acumulada em títulos do governo norte-americano, deixando de comprá-los, a taxa de juros sofreria um aumento e a liquidez mundial passaria a crescer menos. Se no regime de câmbio flutuante as reservas se mantêm fixas, como a China tem saldo comercial positivo e excesso de poupança, isto só será possível com a massiva saída de capital desestabilizando, eventualmente, a economia chinesa e com consequências imprevisíveis.

Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.

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