segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Governo manobra Orçamento para gastar mais em 2010

DEU EM O GLOBO

Tática garante R$ 47 bi em ano eleitoral; PAC receberá maior parte dos recursos

Com o objetivo de garantir verbas para gastar no ano eleitoral, o governo decidiu criar uma espécie de Orçamento paralelo para 2010. O plano é aprovar no Congresso, ainda este ano, 63 pedidos de créditos adicionais ao Orçamento de 2009, no valor de R$ 34 bilhões, e, com isso, transferir para o próximo ano cerca de R$ 47 bilhões, a título de “restos a pagar”. Todo esse dinheiro poderá ser gasto no ano que vem, livre de restrições legais, mesmo que o Orçamento de 2010 não seja aprovado até dezembro, como diz a lei. A maior parte dos recursos será aplicada nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). “É para garantir que o país não vai parar ano que vem”, admitiu o deputado petista Gilmar Machado (MG).

Orçamento paralelo em ano eleitoral

Governo manobra para deixar R$47 bi livres de amarras em 2010; parte da verba vai para o PAC

Cristiane Jungblut

Com dinheiro curto para gastar este ano devido às quedas sucessivas na arrecadação de impostos, e amarrado em 2010 pela legislação eleitoral, que proíbe novos convênios e repasses nos três meses que antecedem à eleição, o governo está adotando táticas para assegurar recursos ao longo do ano que vem. No Congresso, corre para aprovar R$34 bilhões em créditos adicionais ao Orçamento deste ano e, assim, garantir mais verbas em 2010 por meio dos chamados restos a pagar. O objetivo é manter, a partir de janeiro, a regularidade nos investimentos, em especial nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), ainda que o Orçamento da União não seja aprovado até dezembro ou que a burocracia emperre novas autorizações.

Esse movimento para inflar os restos a pagar - pagamentos previstos para o ano, mas que acabam não sendo efetivamente pagos e já ficam autorizados para o ano seguinte, livres de amarras - pode resultar num estoque, em 2010, de cerca de R$47 bilhões. Esses recursos acabam se transformando numa espécie de orçamento paralelo, importante especialmente em ano eleitoral.

- Os recursos dos créditos extraordinários não serão todos gastos esse ano, parte ficará para os restos a pagar. Acredito que fiquemos com algo perto de R$50 bilhões como restos a pagar, somando tudo - disse o deputado Gilmar Machado (PT-MG), representante do governo na Comissão Mista de Orçamento do Congresso.

Ele leva em conta valores de anos anteriores autorizados e não pagos, e diz que a maioria dos recursos dos investimentos será para o PAC. A tática do governo para garantir dinheiro livre no ano eleitoral implica praticamente reescrever o Orçamento de 2009, remanejando recursos para áreas que considera prioritárias, por meio de uma enxurrada de créditos adicionais enviados ao Congresso.

Oposição condena tática governista

A ordem é fazer o empenho (garantia de pagamento futuro) da maioria dos recursos dos créditos adicionais, mesmo ciente da dificuldade de efetuar os pagamentos até o final do ano. Depois, esses valores não pagos (restos a pagar) são transferidos para o ano seguinte. A oposição reclama desses movimentos. Os créditos adicionais (suplementares ou especiais) têm sido chamado de "jumbões" pela oposição na Comissão de Orçamento. Só em outubro - prazo final para o envio desse tipo de medida com efeito em 2009 -, o governo enviou 35 pedidos de crédito, totalizando R$21 bilhões.

Ao todo, quase R$34 bilhões em créditos estão à espera de aprovação pelo Congresso, sendo R$16,99 bilhões de recursos do Orçamento Geral da União e mais R$17 bilhões das estatais. Do total, R$15,09 bilhões são de remanejamento ou reserva de contingência - ou seja, o dinheiro apenas troca de lugar.

Na última quinta-feira, em sessão esvaziada, foi aprovado crédito de R$921,46 milhões, a maior parte para construção de agências do INSS - dinheiro que pode não ser totalmente pago este ano, mas que estará garantido para ser usado a qualquer momento, pois a obra já está em andamento. A lei eleitoral proíbe, nos três meses antes da eleição, "realizar transferência voluntária de recursos da União aos estados e municípios, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública".

A execução do PAC em 2009 mostra que a tática de usar recursos carimbados de anos anteriores vem sendo adotada com celeridade pelo governo. A apenas dois meses do final do ano, a execução orçamentária de 2009 do PAC continua baixa, mas os restos a pagar ampliam o volume total pago. Dos R$17,5 bilhões de restos a pagar inscritos de 2008, já foram pagos R$7,1 bilhões.

Para 2010 a situação deve se repetir. Segundo dados do dia 26, dos R$27,85 bilhões (valor atualizado) destinados ao PAC foram efetivamente pagos R$3,83 bilhões, ou 13,6%. Já os empenhos (garantia de pagamento) chegam a R$14,69 bilhões, ou 52,7% - indicativo de que a maioria dos pagamentos ficará para o ano que vem.

Para o deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), da Comissão de Orçamento, há uma deturpação, com os restos a pagar se transformando num orçamento paralelo:

- Os restos a pagar se incorporaram à política de tratamento da execução orçamentária e viraram uma bola de neve. O governo acaba não executando nada e cuida só dos restos a pagar.

- Há verdadeiros "jumbões", são mais de 50 créditos. Estão fazendo um novo Orçamento. E não há tempo para executá-los (os pagamentos) até dezembro. O Orçamento de 2010 nasce natimorto: com receitas fictícias e restos a pagar - reclamou o deputado Cláudio Cajado (DEM-BA), em reunião da Comissão de Orçamento.

O líder do governo no Senado e relator de receitas do Orçamento de 2010, senador Romero Jucá (PMDB-RR), diz que a intenção do governo é não parar os investimentos e nega qualquer conotação eleitoral. Para Jucá, o Orçamento de 2010 só será totalmente gasto após a eleição, daí a importância de contar com verbas para obras bem encaminhadas:

- O nosso objetivo é manter o nível de investimento. É para não haver um hiato de investimentos.

Gilmar Machado admite que os restos a pagar ajudarão a manter os investimentos, nega manobras eleitorais e diz que o objetivo é redefinir prioridades devido à receita insuficiente:

- Esse governo não faz manobras. Mas, se não houver Orçamento aprovado, vamos entrar o ano sem problemas. É para garantir que o país não vai parar no ano que vem, porque precisa crescer para superar a crise. Não tem nada a ver com eleição.

- O governo não tem interesse em aprovar o Orçamento (de 2010) - rebate Duarte Nogueira (PSDB-SP).

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