domingo, 1 de novembro de 2009

A estratégia da indecisão

DEU EM ÉPOCA

Ao adiar a definição sobre a candidatura à Presidência, José Serra trabalha à vontade nos bastidores e evita desgastes e cobranças

Paulo Moreira Leite, Leandro Loyola e Eumano Silva com Victor Ferreira

SÓ EM 2010

O governador de São Paulo, José Serra, evita a postura de candidato para escapar de cobranças e armadilhas

Enquanto a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, se esforça para exibir ao país sua candidatura ao Planalto em 2010, o governador de São Paulo, José Serra, faz o contrário. Na semana passada, numa inauguração no Hospital do Servidor Público Estadual, em São Paulo, Serra falou pouco com dirigentes da instituição, poupou sorrisos e deu apenas um abraço numa possível eleitora. Passou o evento falando ao celular e lendo documentos. Na saída, nada de cumprimentos.

Líder nas pesquisas de intenção de voto, Serra afirma que o PSDB só deverá escolher seu candidato à Presidência da República em março do ano que vem. O governador de Minas, Aécio Neves, que também quer a vaga de candidato, emprega a tática oposta – e cobra uma definição. Em tom impaciente, Aécio declarou na semana passada que esperará até o fim do ano – caso contrário, vai concorrer ao Senado. Serra aguardou dois dias para responder.

Numa entrevista, ele perguntou à reporter: “Você sabe se o Ciro Gomes (PSB) vai ser candidato? A Dilma já se declarou candidata? Então, por que essa ansiedade?”. E disse: “Minha impaciência é com fila de elevador, banheiro de avião. Tenho nervos de aço na política”.

Não é só uma questão de temperamento, contudo. ÉPOCA teve acesso a um documento de circulação exclusiva entre Serra e seus auxiliares, em que se podem ler argumentos claros e lógicos a favor do silêncio. “A quem lidera as pesquisas, interessa manter mais ou menos congelada a situação”, diz o texto. “Líder de pesquisa que entra em campo cedo demais passa a receber com muita antecedência toda a carga de campanha negativa e de desgaste.”

Com ironia, o documento pergunta: “Causa menos dano se expor e apanhar por oito meses do que por quatro?”. Em outro trecho, o documento diz que, diante da campanha de Dilma, Serra está “em situação dramaticamente assimétrica: tem menos exposição na mídia nacional, menos mobilidade, menos máquina, menos recursos, menos espaço para se defender e contra-atacar do que Lula/Dilma”.

“A postura do Serra revela uma estratégia sólida e correta”, diz o cientista político Amauri de Souza, da consultoria MCM. “Ele evita o desgaste imediato. O candidato que está na frente só dá a cara a tapa se for idiota.” Amigos de Serra dizem que os argumentos estratégicos têm a finalidade de esconder uma dúvida sobre o papel do governador em 2010: disputar uma eleição duríssima para a Presidência ou enfrentar uma reeleição que parece assegurada em São Paulo?

No Palácio do Planalto, conselheiros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva dizem que Serra sabe que terá uma disputa dura pela frente – e quer manter uma porta aberta para abandonar o barco. “A eleição é favorável para nós”, diz um ministro. “Dilma vai crescer com o tempo, quando a população associá-la a Lula. É bom que a Dilma não cresça muito até janeiro. Senão, o Serra acaba desistindo.”

“Por que essa ansiedade? Tenho nervos de aço na política”

(JOSÉ SERRA, governador de São Paulo)

No Palácio dos Bandeirantes, porém, a ideia de que Serra possa deixar de concorrer ao Planalto chega a ser vista como absurdo. “Serra é popular, tem currículo como homem público, está fazendo um bom governo e ninguém coloca em dúvida seu conhecimento dos problemas nacionais”, diz uma auxiliar com mais de uma década ao lado do governador.

“Alguém imagina que essa pessoa deixará de concorrer à Presidência na melhor oportunidade de sua vida? É bom para ele, bom para o PSDB e bom para o país.”

Com mudanças de tom e de estilo, o ambiente por lá é esse. Longe dos olhos do eleitorado, vive-se uma típica conjuntura de pré-campanha, com conversas sobre alianças estaduais, candidatos a vice, muitas fofocas e cenas de ciúme. Em encontros fechados, atribuem-se dúvidas e questionamentos sobre a campanha de Serra a uma entidade que o círculo próximo do governador designa pelo apelido de “Franklin Press”. Referência ao jornalista Franklin Martins, ministro das Comunicações e um dos mais importantes conselheiros de Lula e de Dilma, a expressão designa o emaranhado de repórteres, comentaristas, analistas políticos e outros personagens da mídia que fazem perguntas e levantam assuntos que não convêm aos interesses políticos do governador. Eles alimentam aquilo que os marqueteiros políticos chamam de noticiário negativo. Como sempre acontece, a expressão “Franklin Press” reúne uma mistura de elementos da vida real e de substâncias de teorias conspiratórias.

Numa democracia em que o presidente da República detém 80% de aprovação popular, é em parte natural que a mídia espelhe essa situação. E Serra sempre foi um político mais popular entre editores e empresários do que entre repórteres e redatores. Mas atribuir toda crítica e questionamento à “Franklin Press” é uma forma de tentar se desviar das críticas para se colocar no papel de vítima da mídia, atitude comum a quase todo político.

Embora seja o preferido pela maioria da cúpula do PSDB, até agora Serra não encontrou uma forma elegante de tirar Aécio do caminho. Convencido de que um gesto duro poderia afastar o eleitorado mineiro de sua candidatura, Serra prefere tratá-lo de forma branda, certo de que Aécio acabará disputando uma cadeira no Senado. A hipótese de convidar Aécio para vice é encarada como utopia agradável, mas de curta duração. Na vida real, examinam--se outras possibilidades, como lançar um vice do Nordeste, com a função de servir de contrapeso ao perfil paulista de Serra. Há nisso lógica, mas também há dúvidas – e há muita conversa pela frente. Teme-se que a rivalidade entre baianos, pernambucanos e cearenses, ou entre alagoanos e sergipanos, anule as vantagens de qualquer escolha feita no Nordeste.

Há, ainda, uma emergência mais séria. Há anos as lideranças de maior musculatura no DEM confirmam a preferência por Serra em relação a Aécio. Mas, recentemente, o deputado Rodrigo Maia, do Rio de Janeiro, anunciou apoio a Aécio. Não é um fato menor. Maia é o presidente do DEM, cargo obtido com auxílio do pai, o ex-prefeito Cesar Maia. Hoje, com a estrela de Cesar em declínio, a autoridade do filho perdeu o brilho. Teme-se, portanto, uma reação imprevisível do DEM do Rio, onde o apoio a Aécio parece um aviso transitório para o partido fazer corpo mole na campanha, beneficiando Dilma.

No Palácio dos Bandeirantes, acredita-se que essa crise seja produto de alguns episódios folclóricos. Numa ocasião, ocorreu um jantar em palácio, com Serra e o veterano do DEM Jorge Bornhausen à mesa. Foi um encontro improvisado, fora de programa. Rodrigo Maia estava na cidade, não foi convidado – e não gostou. Pouco depois, numa viagem ao Nordeste, Rodrigo pediu a Serra que lhe desse uma carona no avião do governo do Estado. Por um lapso da assessoria do governador, Rodrigo ficou sem lugar – e , de novo, não gostou. Como sabem os estudiosos da vida pública, as lutas políticas nem sempre envolvem conflitos de ideias ou opções de interesse público. Muitas vezes pesam problemas que parecem insignificantes. Na semana passada, o destino do DEM era uma preocupação no Palácio dos Bandeirantes.

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