sábado, 28 de novembro de 2009

Cebrap celebra sua "epopeia" nos anos 70 e vê presente incerto

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Livro sobre 40 anos da instituição reúne entrevistas com intelectuais e expõe divergências sobre gestões FHC e Lula

Fernando De Barros E Silva

Em maio de 1994, Fernando Henrique Cardoso, então candidato à Presidência da República, foi à USP para fazer uma conferência a respeito dos "Desafios Teóricos dos Anos 70". Comemorava-se o aniversário de 25 anos do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), do qual o sociólogo havia sido o principal idealizador e um dos fundadores, em 1969.

O sociólogo Francisco de Oliveira, à época eleitor de Lula e então presidente do Cebrap, não gostou nada do que ouviu ali. Achou que o amigo havia misturado a história recente do país com sua própria trajetória intelectual e política, de tal forma que tudo confluía para o colo da sua candidatura.

Chico deixou a sala contrariado e os dois ficariam um bom tempo sem trocar palavras. No ano seguinte, quando FHC iniciava seu voo à frente do país, Chico se desligava do Cebrap.

"Quanto mais Fernando ia para a política, mais Chico insistia em dizer que Fernando estava traindo." São palavras do filósofo José Arthur Giannotti, também fundador do centro, numa das entrevistas do livro "Retrato de Grupo - 40 Anos de Cebrap", que acaba de ser lançado pela Cosac Naify.

Organizada pela atual presidente do Cebrap, Paula Monteiro, e pelo editor da revista "Novos Estudos Cebrap", Flávio Moura, a obra reúne 11 entrevistas com membros ligados à instituição e conta ainda com três ensaios em homenagem a Ruth Cardoso, Cândido Procópio Ferreira de Camargo e Vilmar Faria, já mortos.

Na última terça, durante o lançamento do livro, FHC e Chico de Oliveira voltaram a debater diante de 800 pessoas. Alguns temiam faíscas no palco. Houve, porém, um esforço nítido para deixar as diferenças de lado. O clima foi de camaradagem e de celebração, o oposto daquele visto 15 anos atrás.

Tintas heroicas

Divergências e cumplicidade. Essas duas palavras resumem bem o espírito dessa obra comemorativa a respeito de um capítulo importante da história intelectual (e política) do Brasil. O documentário em DVD que acompanha o livro, dirigido por Henri Gervaiseau, reproduz parte das entrevistas. No filme, fica mais explícita, como se pedisse para ser dramatizada, a construção de uma história coletiva e comum pela fala de cada um dos entrevistados.

O que se ouve e lê nos depoimentos é quase uma epopeia, descrita com tintas algo heroicas e marcada por discernimento intelectual e coragem política quando parecia difícil conciliar esses dois traços. "Você não pode imaginar o que era o Cebrap nos anos 70.

Isso aqui era o paraíso (...). O Cebrap sempre apostou na democracia. Era muito difícil porque você estava sufocado por todos os lados." Essa fala de Chico resume o diagnóstico que é de todos. E os depoimentos tornam evidente que, a despeito do sentimento de grupo, a atuação de FHC funcionou ali como farol da instituição.

Há, sintomaticamente, pouca discussão e análise a respeito dos anos 1980 e 90. É uma espécie de silêncio incômodo diante da impossibilidade de dar sequência à narrativa comum.

O crítico Rodrigo Naves, responsável pela revista do Cebrap entre meados dos anos 80 e dos 90, diz: "A pedra de toque daqui era o desejo de mudar o Brasil. Era, porque houve aqui o canto do cisne dessa vontade de mudar o Brasil".

O ajuste dessa vontade genuína às condições do presente é, talvez, o aspecto mais revelador do livro. Ninguém se entende a respeito do significado histórico dos governos FHC e Lula, nem sobre a relação entre eles. Houve ruptura, diz o economista Paul Singer, "basicamente no campo social". Mesmo as políticas que começaram nos anos FHC "mudaram completamente de ênfase, de dimensão e de efeitos na época do Lula", diz Singer, secretário nacional de Economia Solidária.

"O governo do Lula é pior que o do Fernando Henrique. Lula é uma regressão política, propriamente. O governo do Fernando Henrique era uma virada à direita", acusa Chico. São governos de "atualização capitalista", que "têm pé e cabeça, ao contrário dos anteriores, que não tinham direção", diz o crítico Roberto Schwarz, que, no entanto, defende que o intelectual de esquerda deve guardar distância do poder.

"O que me parece errado é adotar uma visão rósea do curso geral do capitalismo porque o Brasil está com o vento a favor ou porque temos amigos no governo", diz Schwarz. Ter esse discernimento intelectual e manter essa distância da política talvez seja hoje o mais difícil.

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