sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O eleitor cassa mais e melhor

Maria Cristina Fernandes
DEU EM O VALOR ECONÔMICO


Em dois anos e meio desde o início de sua vigência, o instituto da fidelidade partidária judicialmente imposto, levou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ações relativas ao mandato de 29 parlamentares federais.

Misturam-se, entre os impetrantes, parlamentares que buscam uma declaração defensiva de que a mudança deu-se por justa causa e partidos que requerem de volta mandatos de infiéis.

Das 19 ações já julgadas pelo TSE, apenas uma resultou em perda de mandato, a do deputado federal Walter Brito que, em 2007, deixou o DEM em direção ao PRB da Paraíba. O tribunal não viu provas suficientes na defesa de Brito, que alegou ter sido perseguido pelo cacique demista de seu Estado cujo filho candidato teria sido beneficiado pela máquina do partido.

Os demistas são, de longe, os mais ativos na busca de punição aos seus ex-correligionários. Nisso diferem de seu principal aliado, o PSDB, que decidiu não levar a questão à justiça eleitoral.

Uma possível razão para isso é que o DEM tem sido o mais fragilizado pela migração partidária, enquanto o PSDB termina no azul o saldo desse último período de definições para as eleições de 2010.

O PSDB está no time da maioria. Onze partidos perderam parlamentares, mas apenas dois, além do DEM, pretendem reaver mandatos na Justiça: PDT e PTB.

O advogado Eduardo Nobre não tem enfrentado maiores dificuldades para enquadrar seus clientes entre as razões pelas quais o TSE acata a troca de partido: incorporação, fusão ou criação de legenda, mudança de programa e discriminação pessoal.

A maior parte dos parlamentares que o procuram o fazem alegando terem sido discriminados em suas legendas. Constitui-se, a partir daí, um processo como outro qualquer, com avocação de provas e testemunhas para demonstrar que o parlamentar era alijado de reuniões e ignorado na tomada de decisões da cúpula partidária.

Não há balanço do total das ações impetradas junto aos tribunais regionais, mas o cômputo dos imbróglios judiciais envolvendo parlamentares com mandato federal indica que as razões para a redução do troca-troca não respondem unicamente à vigência do instituto da fidelidade partidária.

Como toda e qualquer punição, a ameaça de perda de mandato não seria suficiente para inibir a migração se os estímulos não tivessem sido freados.

Foi o que aconteceu a partir de 2006. Os partidos costumavam medir força em duas ocasiões: na distribuição do tempo do horário gratuito de televisão e na disputa pelos cargos nas mesas diretoras e nas comissões.

O Congresso costumava assistir a um troca-troca desenfreado nos períodos que antecediam a contagem do tamanho das bancadas para ambos os eventos. Cerca de um terço dos parlamentares trocava de partido a cada legislatura.

No governo Fernando Henrique Cardoso, o DEM e o PSDB foram os grandes beneficiários do troca-troca. No primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, legendas acessórias à base do governo foram engordadas pelo próprio PT, no início do processo que viria a ser conhecido como mensalão.

As duas decisões mais eficientes para inibir esse troca-troca foram tomadas pelo próprio Congresso, ao definir a data da eleição como a determinante das bancadas que contam para a propaganda de TV e os cargos de comando do Legislativo.

Restritos os estímulos, restam as motivações, na maior parte das vezes, regionais, para um parlamentar que sai em busca de uma outra legenda.

E o fazem por oportunismo ou sobrevivência política. Num país em que o eleitor é o principal cassador de mandatos - basta comparar o grau de renovação do Congresso, que ronda os 50%, aos mandatos quase vitalícios dos parlamentares americanos - ultrapassar um mandato parlamentar não é uma questão trivial.

É a essa realidade que o TSE tem sido apresentado no julgamento dos parlamentares com mandatos ameaçados. A julgar pelo único mandato devolvido, as vicissitudes da política regional talvez extrapolem o escrutínio de um fórum federal.

Se é para mandar parlamentar para casa, o eleitor, que teve podada essa prerrogativa pela decisão que coroou a judicialização da política, talvez seja mais eficiente.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

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