terça-feira, 22 de setembro de 2009

Reflexões em voz baixa

Wilson Figueiredo
DEU NO JORNAL DO BRASIL


O presidente Lula não é de pisar fundo no freio, quando entra de mau jeito numa curva fechada, mas de enfiar o pé no acelerador. Dirige perigosamente. Os outros que se cuidem. À maneira de Ademar de Barros, a quem, aliás, superou no número de tentativas de chegar à Presidência da República. “Desta vez vamos”, bradava em vão Ademar. Lula chegou lá na quarta tentativa. O governador paulista ficou pelo caminho, o presidente não disfarça o desagrado de largar o osso.

Por parte de Lula, o ato inaugural da próxima sucessão foi assumir a preferência pessoal pela ministra Dilma Rousseff e soltar as rédeas da candidatura, quando, numa das muitas viagens ao exterior, de passagem pela Itália, confessou ao jornal La Republica que gostaria de ser sucedido, e bem sucedido, por mulher. Para evitar chiliques por perto, o presidente se valeu diplomaticamente de verbos no condicional.

Na Itália, chão da história, Lula – sem ligar o nome ao fenômeno – pressentiu a dificuldade que sobrecarregou a candidatura do general Lott em 1960. O andor ficou pesado. “Vencer não será fácil”, disse Lula com inflexão de falsa modéstia. Se àquela altura já era difícil, mais ainda agora. Ficou mais difícil depois da proliferação de candidaturas que, sem o gene das vitórias inesperadas, têm peso diferenciador no balanço das pesquisas preliminares.

Em política não se luta apenas pela vitória. Derrotas também contam quando se terceiriza a vitória. É do jogo. Lula sabia que o PT acusaria o golpe baixo. As consequências já estão por aí. Para ganhar tempo, adiou mais do que podia o encaminhamento do candidato a vice, à espera da hora favorável para dar caráter plebiscitário à sucessão presidencial. O fato é que, dois mandatos depois, o confronto com os dois mandatos anteriores prometia a Lula garantir o triunfo, mas a expectativa não se materializou. Ninguém se interessa pelas diferenças entre dois presidentes que ficaram devendo ao futuro as reformas negligenciadas, principalmente a reforma política.

Nas últimas semanas, o presidente se deu mal, até nas pesquisas, por não agir no tempo certo. A candidata apareceu antes da hora, a escolha do vice atrasou. Um hiato perigoso. A indicação do companheiro de Dilma não pode deixar de considerar a hipótese médica a que está sujeita a candidatura oficial. A decisão se complicou, e não adianta apenas correr contra o tempo. O PT admite fazer dieta e alimentar-se de rãs, mas engolir sapos ao vivo já excedeu os limites. Está com o PMDB atravessado na garganta. O PT não pesou na escolha de Dilma, mas não abrirá mão do vice. Se ficar à margem, vai precisar de um muro descomunal para os petistas chorarem até o fim dos séculos. Quanto ao PMDB, nem é bom pensar. Já deve estar sentindo a tentação da candidatura própria e com a vaga do vice para terceirizar. Um rebuliço está se armando ao menos como hipótese.

Quando a sucessão começou, pelo efeito das pesquisas na excitação presidencial, Lula fez uma reflexão em voz alta (estava na Itália) e disse que “em política os cenários mudam muito rapidamente, e faltam ainda dois anos”. De fato. Faltavam ainda dois anos, mas agora resta apenas um, insuficiente para acomodar, sem resolver, as dificuldades em torno de Dilma Rousseff. Houve uma aceleração de partículas, que são as outras candidaturas nascidas de desajustes ao longo do caminho e a viabilidade espremida entre opções apertadas.

Faltavam então dois anos, agora ficou apenas um. O prazo encurtou para resolver dificuldades e acomodar interesses multiplicados. O vice vai ser escolhido à luz de hipóteses (médicas e políticas) que, em condições normais, não seriam consideradas. Vices não passam de avalistas fictícios aos quais se recomenda discrição. Repetiu-se com Dilma o caso Lott. Com antecedentes políticos de índole revolucionária, mas de baixa valia num cenário de classe média ascendente. O tom vigoroso do general Lott foi eleitoralmente ineficaz: devolveu o Brasil aos quadros constitucionais vigentes, mas ele ficou para trás e não lhe facilitou a vida com os políticos. Dona Dilma não é de oferecer garantia a feirantes eleitorais.

Ninguém ainda se deu conta do que está embutido na escolha do companheiro de chapa para a candidata. O PMDB mantém dupla personalidade, nenhuma considerada melhor que a outra. O currículo revolucionário de Dilma Rousseff poderia estar politicamente valorizado se os dois mandatos de Lula tivessem transcorrido à esquerda, ainda que para inglês ver, mas à direita, com lantejoulas neoliberais, deixará mal o próprio presidente, assim que se dissipar o efeito mágico. Uma variante apenas próxima da social-democracia não enche os olhos dos cidadãos nem gera mandatos. Veremos.

* Wilson Figueiredo é jornalista.

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