quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O preço da aliança a qualquer preço

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Os números da última pesquisa CNT-Sensus não são tão ruins a ponto de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter que enterrar qualquer pretensão de fazer o seu sucessor nas eleições do próximo ano, nem tão boas que recomendem manter a sua excessiva autoconfiança de que sua popularidade - que caiu, mas continua alta - terá o poder de eleger um poste em 2010. A moral da pesquisa é que Lula conseguiu manter um baixo grau de contaminação a crises políticas, mas não é nenhum Deus: não ficará imune a elas sempre, em qualquer circunstância.

Existe um elenco de números favoráveis a Lula que pode ser usado com sucesso numa campanha de um candidato governista. Embora tenha caído o desempenho de Lula e do governo, ambos continuam em níveis bastante altos. A pesquisa começou a ser coletada em 1998, no ano da campanha para a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e até 2002, último ano da administração tucana, os maiores índices foram registrados em março de 2001, quando a avaliação positiva do governo FHC foi de 33,3%, e em abril daquele ano, quando o índice de aprovação de FHC foi de 46,1%. O governo Lula, na baixa, ainda tem 65,4% de avaliação positiva; o presidente Lula, também amargando ligeira queda, tem a aprovação de 76,8% dos entrevistados.

Além disso, o Índice do Cidadão (IC) do CNT-Sensus não aponta para um brasileiro pessimista em relação ao país - e normalmente quando isso acontece há repercussões severas sobre a popularidade do presidente e do partido no poder. O Índice de Avaliação do Cidadão está em 47,79 pontos - já esteve em 54,30 pontos em setembro de 2008, declinou, junto com a crise, até 31,18 pontos, em março deste ano, e sustenta-se em crescimento desde então. O Índice de Expectativa do Cidadão - isto é, o que ele espera do futuro do país - é de elevadíssimos 71,95 pontos, apenas um pouco abaixo dos 73,82 registrados em outubro do ano passado, o maior desde o início da apuração do índice, em abril de 2007.

O IC é medido pela ponderação das avaliações dos entrevistados sobre seis variáveis, nos seis meses anteriores à pesquisa: emprego, renda mensal, Saúde, Educação e segurança pública. Somente na Saúde houve uma percepção clara de piora do serviço público, da penúltima pesquisa, em maio, para a última, em setembro - em maio, 44,4% achavam que a Saúde havia piorado; em setembro, 49,4% tinham essa percepção. Certamente, é um efeito gripe suína. Na questão do emprego, aumentou o número daqueles que consideram que a situação melhorou nos últimos meses - em maio, eram 32,3%; em setembro, 36,5%.

A avaliação sobre a renda mensal ficou estabilizada (46,7% acham que ficou igual, contra 42% na pesquisa anterior; 28,2% acham que melhorou, contra 28,7% entrevistados em maio); na Educação mantém-se uma percepção de melhora (43% achavam que melhorou em maio em 43,8% consideram o mesmo agora) e mantém-se até uma tendência a uma visão mais otimista sobre a segurança pública (24,7% acham que melhorou, contra 22,6% em maio; e 46,9% consideram que piorou, contra 52,2% em maio). Nos cinco indicadores, a expectativa de melhora nos próximos seis meses varia de 48,2% (para a segurança) até 59,6% (emprego).

Esses índices mostram que, pelo menos por enquanto, não há um estrago irremediável na popularidade de um governo que conseguiu manter-se com a cabeça fora d"água inclusive no pior período de crise financeira internacional. Lula teve uma queda de popularidade acentuada em 2005, depois do mensalão, mas rápida - em seguida, manteve índices crescentes de popularidade, ficou a salvo de contaminações de crises cujo palco foi principalmente o Legislativo e ainda conseguiu se dar ao luxo de transferir popularidade para candidatos ligados a ele. O PT, para o tamanho do escândalo do mensalão, não teve uma perda correspondente nas eleições seguintes.

Existem sinais, todavia, de que Lula tende a não manter o mesmo grau de imunidade nas eleições que se aproximam. As quedas que ocorreram agora, mesmo pequenas, e ainda que não o desbanquem como o presidente mais popular do período pós-redemocratização, não são neutras: elas ocorrem justo no momento em que deveria estar colhendo uma passagem relativamente amena pela crise internacional; do pontapé inicial da exploração do pré-sal, que tenderia a levar um eleitorado majoritariamente nacionalista a um certo ufanismo; e quando o país não apenas saiu, mas aparenta ter saído de um longo período de estagnação, ao exibir canteiros de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no país inteiro.

Ainda é cedo para avaliar por que Lula apresenta essas quedas justo num momento de retomada parcial da economia, mas existem indícios. O presidente animou-se excessivamente com o fato de ter passado praticamente incólume, desde 2005, por todos os escândalos políticos que aconteceram no país, e com o fato de as campanhas da oposição contra ele e seu governo terem caído no vazio pelo exagero. Bancou a candidatura de Dilma Rousseff, neófita em política, basicamente com o seu prestígio, e assumiu as negociações com o PMDB para viabilizar essa candidatura certo de que todo o desgaste que isso envolve se diluiria no ar porque era ele, Lula, o fiador. O problema é que os escândalos que envolvem o PMDB não são uma mera campanha da oposição - até porque todos os escândalos que envolvem o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), tem potencial de atingir igualmente os partidos oposicionistas representados no Senado. Os escândalos são a própria imagem política - e popular - do aliado PMDB. O pacote da aliança com o maior partido do Congresso embute o preço de transferência dessa imagem para o aliado. Lula já paga um preço com maior declínio em duas regiões em que já era fraco - Sul e Sudeste - e onde o PMDB perdeu espaço para o PSDB e foi quase consumido pelo partido que é o maior adversário do PT. E paga um preço adicional nas classes de maior renda e escolaridade porque essa aliança imobiliza o governo institucionalmente. Os constantes recuos do presidente Lula, nas mais variadas questões de governo, para consolidar sua aliança com setores conservadores que têm como representantes o PMDB e pequenos partidos da base aliada são acenos de fraqueza de uma administração que termina.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

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