sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Nova versão põe Brasil no centro da operação Zelaya

Gilberto Scofield Jr. e Marília Martins
Enviado especial e correspondente
Pittsburgh, Nova York e Tegucigalpa
DEU EM O GLOBO


Num duro comunicado, o governo comandado por Roberto Micheletti acusou o Brasil de intromissão em assuntos internos, mencionando declaração do presidente deposto, Manuel Zelaya, que, em entrevista a uma rádio brasileira, disse ter consultado o presidente Lula e o chanceler Celso Amorim antes de refugiar-se na embaixada em Tegucigalpa. O texto diz ainda que recai sobre o Brasil "a responsabilidade pela vida e segurança” de Zelaya, assim como as consequências por "permitir que se converta a missão (diplomática) numa plataforma de propaganda política e concentração de pessoas armadas". Em Pittsburgh, Lula negou as acusações: "Vocês vão ter que acreditar ou num golpista ou em mim. Ele tinha que parar em alguma embaixada e eu acho que a preocupação não é saber em que embaixada ele está e como chegou lá". O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, reconheceu que não só sabia da volta de Zelaya como ajudou a simular que estava viajando para Nova York, para a Assembleia Geral da ONU. "Foi uma operação secreta, um truque."

Micheletti liga Brasil à volta de Zelaya

Governo interino acusa Lula de ter conhecimento da viagem de presidente deposto. Chávez admite participação

Os rumores e versões de envolvimento de países das Américas do Sul e Central no regresso do presidente deposto Manuel Zelaya a Honduras são cada vez mais fortes e envolvem agora não apenas Venezuela, Nicarágua e El Salvador, mas também o Brasil. Num duro comunicado ontem, o Ministério de Relações Exteriores do governo interino hondurenho acusou o Brasil de intromissão, mencionando uma declaração de Zelaya de que teria consultado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva antes de buscar abrigo na embaixada brasileira.

Em entrevista à Rádio Jovem Pan, Zelaya responde por que escolheu a Embaixada do Brasil: — Foi uma decisão pessoal e foi consultada com o presidente Lula, o chanceler Amorim e o encarregado de negócios em Tegucigalpa.

Em reação, a Chancelaria hondurenha reclamou da “intromissão do Brasil em assuntos internos”, afirmando que a declaração do governo brasileiro de que não tinha conhecimento prévio sobre a viagem foi desmentida pelo presidente deposto na entrevista.

O texto afirma ainda que recai sobre o Brasil “a responsabilidade pela vida” de Zelaya, assim como as consequências por “permitir que se converta a missão (diplomática) numa plataforma de propaganda política e concentração de pessoas armadas”.

O Ministério da Informação interino, porém, descartou um rompimento de relações.

Em Pittsburgh, o presidente Lula negou as acusações: — Vocês vão ter que acreditar num golpista ou em mim — disse. — Veja, ele tinha que parar em alguma embaixada e acho que a preocupação não é saber em que embaixada ele está e como chegou lá. O caso concreto é que tem um golpista no poder. Eu não vejo nenhuma justificativa para o golpe.

Peças para formar esse quebracabeças vêm surgindo. Em compromissos nos Estados Unidos, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, admitiu que não só tinha conhecimento do regresso de Zelaya como ajudou-o a simular que estava viajado para Nova York, para a Assembleia Geral da ONU.

— Foi uma operação secreta, um truque — disse Chávez.

Para García, uma cortina de fumaça

O jornal espanhol “El País” já havia revelado que Zelaya havia seguido num avião venezuelano até El Salvador, e de lá entrado por terra em Honduras.

Na quarta-feira à noite, Chávez contou que ele e Zelaya conversaram por telefone e, temendo serem grampeados, discutiram planos para assistirem à Assembleia Geral da ONU. Zelaya, no entanto, voou para El Salvador, onde pousou no domingo.

— O avião decolou, mas sem Zelaya e aqui (em Nova York) esperavam por ele — disse Chávez, afirmando que “foi Zelaya quem traçou o plano” e que acompanhou a viagem por telefone.

“El País” sugere ainda o envolvimento de outros países. O avião com Zelaya, vindo da Nicarágua, pousou em San Salvador, onde foi recebido por dirigentes do partido no governo: a Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN). A partir daí, Zelaya teria entrado em Honduras de carro. Rumores sugerem que Chávez teria sugerido a Zelaya procurar a embaixada brasileira em Tegucigalpa.

O assessor internacional da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, afirmou que a sugestão de que a volta do presidente deposto tenha sido planejada por Chávez serve apenas para desviar a atenção do fato de que houve um golpe de Estado.

— Ainda que seja verdade, a sugestão de que Chávez está por trás da volta de Zelaya não tem a menor importância diante do fato de que houve um golpe de Estado que possui ressonância no continente inteiro. Quem defende esta tese quer mesmo é pôr uma cortina de fumaça para esconder o golpe — disse Garcia, afirmando que não houve qualquer participação do governo brasileiro e que o Brasil não teria nenhum pudor em admitir isso.

Amorim fez coro ao rebater as acusações contra o Brasil e de que Zelaya não seria o presidente legítimo.

— Deve haver procedimentos legais para tirar um presidente do poder.

Não é chamar o Exército, botar um fuzil na cabeça, sequestrá-lo de madrugada, enviá-lo a outro país. Isso acabou na América Latina e no Caribe.

O embaixador do Brasil na OEA, Ruy Casaes, afirmou: — Para nós não interessam as acusações que (o governo) Roberto Micheletti possa fazer. Não tem credibilidade para fazer acusações. E Honduras continua responsável pela integridade da embaixada e de Zelaya.

A polêmica chegou à Venezuela com a publicação do artigo do respeitado colunista Nelson Bocaranda Sardi no jornal “El Universal” afirmando que o Brasil planejou o retorno de Zelaya.

O objetivo era fazer com que ele chegasse à Casa da ONU, em Tegucigalpa, transformando Honduras no assunto principal da Assembleia Geral. Mas o anúncio prematuro de Chávez de que o presidente deposto estava em Honduras teria alterado o trajeto.

Bocaranda diz que a Venezuela tinha três planos para a volta de Zelaya e que eles teriam sido passados a um alto funcionário do governo brasileiro — ele indaga se seria Garcia — pois o Brasil estava montando uma estratégia para o regresso. Zelaya teria seguido com um guarda-costas venezuelano, e Chávez acabou anunciando o retorno antes que chegasse ao prédio da ONU, deixando Lula contrariado com um resultado diferente do previsto.

Com agências internacionais

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