quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Falando sério

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Tudo se passa no governo como se não houvesse amanhã. O que nós estamos vivendo com a mudança climática é o fim da economia como nós a conhecemos, não apenas mais um modismo. O desafio posto para a Humanidade neste começo de século é daqueles que encerram uma era e começam outra.

Por isso, é tão bem-vinda a carta aberta de empresas e entidades querendo limites às emissões do país.

A carta divulgada terçafeira em São Paulo é diferente das outras. Não parece mais uma daquelas cosméticas ações de empresas para fingir que são modernas.

Nem mais uma lista de pedidos ao governo. Eles assumem compromissos: vão fazer inventário anual de quanto emitem de gases do efeito estufa; incluir essa variável nas decisões de investimento; reduzir as emissões; atuar na cadeia de suprimento para incentivar esse comportamento; atuar junto ao governo e à sociedade para compreender o impacto das mudanças climáticas.

Ao governo eles pedem que, em Copenhague, assuma papel de liderança da questão climática e aceite metas claras de redução das emissões. O lançamento teve o apoio da Globonews e do jornal “Valor Econômico” e pode ser o ponto a partir do qual o país comece a levar a sério, o que sério é.

As mudanças climáticas exigirão radical alteração da forma de produzir e usar energia, levarão a uma taxação sobre carbono que encarecerá e tornará menos competitivo o combustível fóssil, obrigarão que todas as empresas repensem seus negócios, sua rede de fornecedores, sua forma de produção, sua energia e o ciclo de vida dos seus produto.

Mineração, siderurgia, petroquímica, alimentos, papel e celulose, transporte, seguro, supermercados, é difícil encontrar uma área da economia que não seja afetada pelo que está acontecendo.

Mudará a geopolítica. As tragédias climáticas provocarão ondas migratórias que vão exigir da diplomacia novas formas de atuação e abrirão novas frentes de trabalho com refugiados.

Será rotina para arquitetos, daqui para diante, construir prédios que poupem energia, reciclem água, aproveitam a luminosidade, o calor ou o vento externo para a climatização. Serão desafiados também na reciclagem dos prédios antigos.

A mudança climática imporá nova agenda de políticas públicas e ações corporativas.

É espantoso como são poucas as pessoas no Brasil que entendem a dimensão do fato. O governo brasileiro nem suspeita do tamanho da encrenca. Ele mostra isso em abundantes sinais. Projeta a energia nova a partir de carvão, óleo combustível e gás. O setor de energia usa modelos de definição de preço de cada fonte de energia que favorece os combustíveis fósseis.

O ministro Carlos Minc propôs que as térmicas a óleo e carvão plantassem árvores como compensação mas a proposta foi rejeitada.

No Ministério dos Transportes, o governo não avalia o modal alternativo pela ótica ambiental. O Ministério da Agricultura vive às turras com o meio ambiente.

A política industrial lançada um pouco antes da crise econômica incentiva setores de alto impacto seja em emissão industrial ou em desmatamento. No PAC, a preocupação ambiental é vista como obstáculo. O Ministério da Ciência e Tecnologia não divulgou ainda a atualização do inventário de emissões do Brasil, os dados com que se trabalha são de 1994. O Ministério das Relações Exteriores tenta fugir das metas através de jogos de palavras feitos para confundir.

A conversa está muito mais adiantada no resto do mundo. Aqui, contam-se nos dedos os economistas que pararam para entender o tema.

Na Inglaterra, a pedido do então governo Tony Blair, o ex-economista-chefe do Banco Mundial Nicholas Stern já traduziu o problema climático para a lógica dos economistas e concluiu: o preço de não fazer nada para evitar ou reduzir os efeitos das mudanças climáticas é maior do que o de agir agora enfrentando o assombroso desafio que está diante de nós. Na política, com a solitária exceção da senadora Marina Silva, os possíveis candidatos e seus apoiadores para as eleições de 2010 acham que podem andar na superfície do tema sem entender a profundidade da transformação da economia, política, educação, emprego, logística, habitação, energia, que terá que ser feita nos próximos anos.

No Brasil, eu tenho ouvido de economistas e autoridades manifestações pedrestes sobre o tema.

Avaliações reveladoras de que jamais a tal pessoa leu um bom paper, livro, estudo sobre o tema, nem teve uma boa conversa sobre o assunto mudança climática.

Ver as grandes empresas, e algumas associações, acordarem, afinal, foi um alívio. Por isso, o nome delas vai aqui em ordem alfabética para serem elogiadas e cobradas: Aflopar, Andrade Gutierrez, Aracruz, Camargo Corrêa, CBMM, Coamo, CPFL, Estre, Light, Natura, Nutrimental, Odebrecht, OAS, Orsa, Pão de Açúcar, Polimix, Samarco, Suzano, Única, Vale, Votorantim, VCP. A Vale foi uma das líderes. Apoiam o movimento o Ethos, Fórum Amazônia Sustentável, SindiExtra e Fiep.

Ficaram de fora a Fiesp, CNI, CNC, CNA e várias empresas recusaram adesão.

Não entenderam que este é um tempo radical. De mudanças e atitudes radicais.

Ou não haverá amanhã.

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