sábado, 22 de agosto de 2009

Anistia: 30 anos amplos e gerais

Edson Luiz
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Em 22 de agosto de 1979 era aprovada a lei que deu início à redemocratização brasileira, após 15 anos de ditatura

Nas rádios, a voz de Elis Regina traduzia a vontade de boa parte da sociedade brasileira em 1979, quando começaram a ser dados os primeiros passos para a redemocratização. O país estava havia 15 anos sob domínio dos militares. A música O bêbado e o equilibrista, cantada pela artista morta em janeiro de 1982, falava no sonho da volta do irmão do Henfil, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, um dos banidos pela ditadura. Como ele, dezenas de outros brasileiros estavam em cadeias ou refugiados em outros países. Em 22 de agosto de 1979, por 206 votos favoráveis e 201 contrários, o Congresso Nacional aprovou a lei que anistiava todos os presos ou cassados por motivação política.

Seis dias depois da aprovação, a Lei da Anistia foi sancionada pelo então presidente João Baptista Figueiredo, o último representante dos militares no poder. Com isso, estudantes, políticos, professores, profissionais liberais, entre outros, poderiam voltar ao país e às suas antigas ocupações. Até a sanção de Figueiredo, no entanto, milhões de brasileiros saíram às ruas sob as palavras de ordem “anistia ampla, geral e irrestrita”, como ficou conhecida a mobilização que envolveu dezenas de organizações sociais.

“Foi a partir da Lei de Anistia que começou nosso processo de redemocratização”, resume o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abraão. Segundo ele, desde então, políticos como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o deputado José Genoino (PT-SP), além do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), puderam ter os direitos políticos restabelecidos. Outros, como Leonel Brizola, Miguel Arraes e o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) tiveram a chance de retornar ao país. “A lei nos trouxe a tranquilidade de saber que poderíamos voltar. Foi uma lei conciliatória”, observa Gabeira.

Ao todo, quase 30 mil pessoas conseguiram anistia política, sendo que 10 mil tiveram reparações financeiras que somam R$ 2,4 bilhões desde 1994. “É um dever do estado”, define Abraão. “No caso, o Estado brasileiro usurpou ao usar o seu aparato para perseguir os cidadãos”, acrescenta o presidente da comissão, ligada ao Ministério da Justiça. Além dos políticos, personalidades famosas receberam anistia. O sindicalista Chico Mendes, morto em 1988, foi homenageado no fim do ano passado por ter sido enquadrado na Lei de Segurança Nacional com o presidente Lula.
Distorção

Segundo o deputado Emiliano José (PT-BA), jornalista e historiador do período da ditadura, a Lei da Anistia possibilitou o resgate da democracia em nosso país, mas deixou uma brecha para que torturadores não fossem punidos por seus atos. O texto final da legislação abrangeu os chamados crimes conexos, que são aqueles relacionados com delitos políticos ou praticados por motivação política. Emiliano José tem sete livros publicados sobre o tema, incluindo Lamarca, o capitão da guerrilha, sobre um militar que debandou para o lado dos militantes de esquerda e acabou assassinado.

A lei nos trouxe a tranquilidade de saber que poderíamos voltar. Foi uma lei conciliatória”
Fernando Gabeira, deputado (PV-RJ)

Três perguntas para Emiliano José foi perseguido político durante o regime militar e, depois da retomada, tornou-se especialista no tema. Publicou sete livros, entre eles Lamarca, o capitão da guerrilha, e As asas invisíveis do padre Renzo

O que representou a anistia para a sociedade brasileira?

Foi realmente uma grande conquista da sociedade, que já pedia a anistia há algum tempo. As manifestações começaram no início da década de 1970 e, em 1979, finalmente, ela foi sancionada. Tudo foi consequência das manifestações políticas da época.

Quais foram os avanços desde então?

Os avanços ainda estão ocorrendo, como o reconhecimento e a busca pelos desaparecidos políticos e a volta dos brasileiros ao país, por exemplo.

Apesar de a campanha ter sido por anistia irrestrita, houve restrições?

Existem pelo menos dois fatos que a anistia possibilitou neste sentido. O primeiro é que a lei abre a pretensão de perdão aos torturadores da época quando se fala em crimes conexos. Isso preserva os torturadores. Além disso, a lei não atingiu perseguidores políticos que estiveram envolvidos nos chamados crimes de sangue, como aconteceu com um militante da Bahia. Os dois fatos contribuíram para que a lei não esteja completa.

Punições restritas

A anistia não chegou a ser ampla, geral e irrestrita como pretendiam milhares de brasileiros. A punição a repressores continua sendo até hoje uma das maiores reivindicações de vários setores, com exceção dos militares. No governo, a situação se tornou assunto de debate entre ministros, o que levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a interferir para tentar evitar rupturas. De um lado, favoráveis à sanções contra supostos torturadores, como Tarso Genro, titular da Justiça, e Paulo Vannuchi, dos Direitos Humanos. Do outro lado, Nelson Jobim, da Defesa, atrás de um ponto final na questão.

“A anistia foi feita em um modelo que recebeu críticas, mas serviu para abrir o processo de transição no país”, afirma o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ). Entretanto, segundo ele, falta a abertura dos documentos secretos do período. Hoje, o tema punição para militares deve ser retomado no Rio de Janeiro. Vannuchi e Tarso estarão em uma solenidade pela criação da lei.

Jobim prefere manter silêncio sobre o assunto, para evitar novos atritos com seus colegas de governo. (EL)

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