segunda-feira, 20 de julho de 2009

Um Bric "no topo do mundo"

Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


O Brasil é o exemplo a ser seguido, mas, como bom caipira, fico desconfiado com tanto elogio para nosso país

EM SUA coluna de 12 deste mês, Clóvis Rossi escreveu que o Brasil, que agora deve participar do G14, chegou ao "topo do mundo", mas continua caipira. Não sei se nosso problema é realmente o caipirismo. A dialética entre o elemento nacional e o cosmopolita foi sempre uma fonte fértil do progresso humano. Mas, como ao notável jornalista, também me preocupa esse "topo do mundo". No início do século 20, os brasileiros foram vítimas do ufanismo local; no início do século 21, é a vez de sermos vítimas do ufanismo alheio. Viajo bastante, e nunca vi tanto elogio para o Brasil e para Lula como atualmente. Fico feliz pelo presidente, mas, como bom caipira, fico desconfiado com tanto elogio para nosso país.

Estamos sendo elogiados desde os anos 1990, quando inventaram os Brics. De repente, fomos guindados à condição de potência emergente, ao lado da China, da Índia e da Rússia. Graças aos nossos 190 milhões de habitantes. Porque somos um país de renda média. Tudo bem.Mas, afinal, continuamos a representar pouco mais de 1% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial.

Por que e para que tanto barulho? O grave, porém, é que se lermos com atenção o noticiário, verificaremos que somos o melhor -o Bric mais elogiado pela imprensa e pelo establishment internacional. Os outros três são nacionalistas demais para esse establishment aprovar: a Rússia, apesar da boa visita de Obama, continua "o inimigo"; a China é "a ameaça competitiva"; a Índia, o país que ainda não fez as reformas. O Brasil, sim, é o exemplo a ser seguido por todos. Sua política monetária é um exemplo de bom comportamento: segue todas as recomendações dos países ricos. Definitivamente, somos um sucesso para eles.

Mas não somos um sucesso para nós mesmos. O gráfico ao lado, sobre o crescimento dos outros três Brics em comparação com o nosso, diz tudo. Desde 1996, crescemos a uma taxa média correspondente a menos da metade da alcançada por aqueles países: nosso crescimento anual médio per capita foi de 3%, contra 7% dos outros três.

Mas não seria esse, afinal, o "limite" do nosso crescimento? É o que dizem nossos concorrentes ricos. É o que afirmam as histórias do "crescimento potencial". Acredite nela quem quiser. Outra pergunta: para um país que experimentou inflação tão alta entre 1980 e 1984, como o Brasil, não seria essa uma taxa suficiente? Não é porque não há razão para que o crescimento traga a inflação de volta. Talvez essa taxa seja suficiente para os poucos brasileiros que estão ganhando muito apesar do nosso modesto desempenho.

Mas o fato é que uma perda de crescimento de 4% ao ano durante 13 anos equivale a uma perda total de crescimento, nesse período, de aproximadamente 65%. Em média, os brasileiros estariam hoje 65% mais ricos se a renda per capita houvesse crescido à taxa média dos outros três Brics. Definitivamente, é melhor desconfiarmos de tanto elogio e tratarmos de cuidar da nossa vida em vez de seguir os conselhos dos outros.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

Um comentário:

Eduardo Magrone disse...

Na década de setenta, a atriz norte-americana Kate Lira, casada com um conhecido músico brasileiro, exibia-se com uma pose sensual nos intervalos comerciais da televisão, proferindo as seguintes palavras provocadoras: "brasileiro é bonzinho, muito bonzinho..."
Parece que sai governo e entra governo, mas nós continuamos bonzinhos, cheios de dívidas e com cobranças dignas de um cevado superávit primário. Até quando?