segunda-feira, 6 de julho de 2009

Todos os olhos no consumidor

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Chegamos à metade de 2009 com a economia mundial ainda cercada por muitas incertezas. Apesar do pior cenário - associado à Grande Depressão - estar hoje descartado, os mercados financeiros mostram uma grande instabilidade. Os preços dos principais ativos negociados seguem de perto a volatilidade das informações econômicas. Um dia as negociações refletem certa euforia com a recuperação nas economias mais avançadas; no outro o pessimismo volta a comandar os negócios. Foi o que aconteceu na última quinta-feira após a divulgação de uma perda de empregos nos Estados Unidos maior do que o esperado pelos analistas.

Com a crise bancária em processo de superação, o centro da atenção de todos volta-se para os países mais ricos. O mundo emergente mostra sinais que está retomando a atividade de forma mais consistente - lembram os leitores do Valor do debate sobre o chamado descolamento? - mas as economias mais avançadas ainda patinam de forma assustadora. Embora nos últimos meses tenha ocorrido uma estabilização na atividade industrial, com os indicadores antecedentes mostrando uma retomada da produção e alguma normalização nos níveis de estoques, é o comportamento do consumidor nestas regiões que preocupa.

O agravamento da crise bancária em setembro último mergulhou o mundo em um vácuo de produção em função do aumento dos estoques em todos os elos das cadeias produtivas. As empresas demoraram a reagir ao brusco corte do consumo e, na virada do ano, acumularam um volume expressivo de produtos não vendidos. Pisaram então nos freios da produção, demitiram funcionários em escala poucas vezes vista e passaram dois a três meses com máquinas e equipamentos parados. Aliás, um comportamento muito semelhante ao que aconteceu no Brasil, com a diferença que os empresários brasileiros foram mais rápidos nas suas reações e este movimento aconteceu já no último bimestre de 2008.

Em janeiro passado o ISM, índice de expectativas sobre a atividade industrial, chegou a 32 nos Estados Unidos. Este nível está associado a uma situação como a de uma depressão tão temida. Este mesmo indicador chegou a 31 na área do euro e a incríveis 19 no Japão. Ao longo dos meses seguintes os níveis de produção e de estoques começaram a melhorar e devem chegar ao nível neutro de 50, até o fim do verão no hemisfério norte. Este mesmo comportamento ocorreu na China, a grande referência entre as economias emergentes, com o PMI chegando a pouco acima de 40 ainda em novembro de 2008. No segundo trimestre deste ano o PMI chinês ficou em média nos 51 pontos, número compatível com um crescimento econômico da ordem de 7% ao ano.

A mensagem destes números é muito clara: passado o ajuste de estoques a atividade industrial tende a se estabilizar, o que permitirá um crescimento importante da produção nos países desenvolvidos nos próximos meses. Em resumo, o comportamento positivo esperado para o futuro próximo é fruto de uma normalização do descompasso entre demanda, produção e estoques.

É possível que haja um forte crescimento industrial no terceiro trimestre no primeiro mundo. Mas tal recuperação precisa do consumidor para continuar por um prazo mais longo. É aí que reside a maior incerteza. Sem o suporte de vendas ela não se sustentará e a produção voltará a cair. Por isto os mercados estão tão sensíveis aos indicadores como os relativos aos mercados de trabalho, principalmente nos EUA. Hoje sabemos que foi o comportamento eufórico do americano a peça fundamental no crescimento mundial dos últimos anos. Sem ele, fica um vazio expressivo entre o nível de atividade das empresas e sua capacidade produtiva. Portanto, estamos na dependência do ajuste nos gastos dos americanos para poder visualizar a intensidade e a durabilidade da recuperação de várias economias, inclusive a dos EUA, na segunda metade do ano.

O problema é que o consumidor americano sofre fortes pressões em seu orçamento familiar, por duas razões. A primeira é o corte abrupto na disponibilidade de crédito para bancar suas compras. Com a queda de quase 30% do valor dos imóveis, ele não pode mais, como fez no passado recente, financiar seus gastos por meio de renegociação de suas hipotecas. Além disso, há o comportamento ainda cauteloso das instituições financeiras, pressionadas pela queda do valor das garantias de seus financiamentos. Apenas a confiança no valor dos imóveis poderá, de forma perene, afrouxar a restrição de crédito que hoje sufoca a economia. A queda de preços parece estar se tornando menos intensa a cada dia, mas, infelizmente, ainda não há clareza sobre quando haverá estabilização.

Outra forte restrição aos gastos vem do aumento expressivo do desemprego. Foram mais de cinco milhões de postos de trabalho nos últimos meses, só nos EUA. Como resultado dos índices elevados de desemprego - quase de dois dígitos - os salários estão sendo achatados tanto pela redução do número de horas trabalhadas como pela queda nominal na remuneração do trabalhador. No ano passado o aumento nominal dos salários chegou a 3,5%; no último relatório a correção chegou a zero.

Em função deste estado de coisas, as vendas internas das empresas americanas não crescem há seis meses, mesmo com um aumento de renda criado pelo pacote fiscal aprovado pelo presidente Obama e que deve continuar até o fim do verão. Tal transferência de recursos do governo está sendo usada para recompor a poupança das famílias. Mas, em algum momento não muito distante estes fluxos do setor público cessarão e aumentando os riscos de uma nova queda de consumo nos próximos meses.

Portanto, estamos em um momento de definição: a recuperação industrial tem o poder de estabilizar a renda das famílias, o que poderia comprar tempo para a economia reagir, mesmo que de forma um tanto tímida, no primeiro semestre de 2010. Ao longo deste prazo, é possível que os imóveis parem de perder valor, o que contribuiria para estabilizar o crédito, reforçando este movimento.

Por outro lado, uma nova queda de consumo adiaria a recuperação, revertendo a melhora dos últimos meses e acentuando os riscos para 2010. Por isto o mercado está tão sensível aos dados sobre o comportamento do consumidor.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

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