quinta-feira, 9 de julho de 2009

A instrumentalização do combate à crise para aumento dos gastos correntes

Jarbas de Holanda
Jornalista

Entrevista ao Globo, de domingo último, do prof. Rogério Werneck, da PUC-Rio, sob o título “A política fiscal exacerbou seu pior lado”, reforçou com veemência e precisão as preocupações, crescentes, com o risco de descontrole das contas públicas na próxima administração federal. Começo das declarações: “Política fiscal anticíclica tem de ser feita com gastos reversíveis, dispêndios que possam ser suspensos quando a economia se recuperar. O que o governo está vendendo com esse nome é, em boa parte, aumento dos gastos com funcionalismo e com benefícios da Previdência Social decididos há muitos meses quando a Fazenda ainda tinha uma visão rósea do futuro. São novos gastos recorrentes e incomprimíveis. Não há como reduzi-los quando a recessão for superada. O que se desenha no horizonte é um sério agravamento do quadro fiscal em que a meta de superávit não seria cumprida”. A entrevista coincide com as comemorações dos 15 anos do Plano Real, que o governo Lula praticamente ignora.

Superávit e relação dívida/PIB – Prossegue a entrevista: “É preciso ver a atual política fiscal da perspectiva adequada. O governo vinha se beneficiando, já há algum tempo, de um quadro em que sua receita tributária crescia, ano após ano, o dobro da taxa de crescimento do PIB. Até meados de 2008, o Planalto vinha apostado num final de mandato apoteótico, regado a gasto público em vertiginosa expansão. Nos últimos meses, contudo, viu-se obrigado a lidar com novas circunstâncias. A ‘marolinha’ da crise mundial não só matou o crescimento da economia brasileira como fez surgir um quadro recessivo grave. Mas o governo não se abalou. Simplesmente enrolou a bandeira da política fiscal e manteve inevitável e vertiginosa expansão de gastos”.

Investimentos públicos – Mais adiante: “Há que se lamentar a oportunidade, agora perdida, que adveio da substancial redução da taxa de juros sobre a dívida pública, observada nos últimos meses. O governo preferiu usar essa folga orçamentária para expandir gastos recorrentes de custeio, em vez de aumentar seus investimentos. Nos primeiros cinco meses de 2009, o aumento de gastos do governo central com pessoal e benefícios previdenciários foi 11 vezes maior que a ampliação de investimentos. Isso mesmo: 11 vezes. Mas a cada dia fica mais claro que a atrofia do investimento público não decorre somente da escassez de recursos. Mesmo quando há dotação orçamentária o governo tem mostrado enorme dificuldade em fazer o investimento acontecer. O PAC tem sido um exemplo vivo e multifacetado dessa dificuldade”.

Críticas ao Banco Central – “É sempre possível apontar erros na política monetária. Mas salta aos olhos que, nos últimos anos, o Banco Central (BC), tem mostrado ser a parte mais racional, previsível e consistente do aparato da condução da política macroeconômica do país. É difícil sustentar a acusação de que o BC tem sido sempre excessivamente conservador. Ao longo de uma década de experiência com o regime de metas, a taxa de inflação ficou mais acima da meta do que abaixo. É fácil demonizar o BC, defender que deve ter menos independência e argüir que, se a taxa de juros tivesse caído mais rapidamente nos últimos meses, a recessão teria sido muito mais moderada e a apreciação do câmbio, muito menor. O preocupante, contudo, é que lideranças da oposição achem que, se repisar essas críticas altamente discutíveis, não precisa ter mais nada a dizer sobre o resto da política econômica. O que se teme é que a oposição queira mais uma vez, tal como em 2002 e 2006, voltar a disputar a Presidência com um discurso escapista que passe ao largo da questão fundamental que o país tem pela frente, que é a agenda fiscal”.

Favores dos estados e aparelhamento do Banco do Brasil – Outros aspectos da entrevista de Rogério Werneck destacados na coluna de Míriam Leitão, ontem no Globo, que intitulou “Alerta Vermelho”: “Na relação com os estados, o governo abriu um ‘guichê de favores’. Isso tem um claro objetivo político, mas cada um pode concluir. Do ponto de vista fiscal, pode detonar um processo de ‘eu também quero’ interminável”. Mais adiante: “O aparelhamento do Banco do Brasil para forçar uma queda das taxas de juros. O BB, como todos sabem, quebrou durante a crise bancária e teve de ser capitalizado com dinheiro de todos nós”.

Avaliação de FHC – Trecho de artigo do ex-presidente FHC, intitulado “O pós-Real”, no Estadão também do último domingo: “Até que ponto a estabilidade está garantida? Depende: se o tripé da política econômica (meta de inflação, câmbio flutuante e Lei de Responsabilidade Fiscal) for mantido e levado adiante com consistência, pouco haverá a temer. Mas isso ocorrerá? Pelo que se vê nos últimos meses, há riscos: gastos crescentes, sobretudo onerando a folha de pagamentos, com arrecadação cadente, são sinais inquietantes”.

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