segunda-feira, 29 de junho de 2009

Recuperação incerta

Deborah Berlinck*
DEU EM O GLOBO

BIS, o banco central dos BCs, alerta para ineficácia de planos de estímulo de países ricos e diz que emergentes podem demorar para voltar a crescer
Em seu primeiro relatório anual desde que a crise financeira internacional se agravou, em setembro de 2008, o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) - espécie de banco central dos bancos centrais - diz que os pacotes de estímulo à economia adotados por países ricos podem ser ineficazes. Além disso, afirma que os países emergentes podem não ter capacidade para voltar a crescer logo. O BIS cita dois motivos para as dúvidas: o "limitado progresso" em corrigir os problemas do setor financeiro e os riscos associados às políticas fiscais e monetárias expansionistas que foram adotadas por vários países na crise, com redução de impostos e juros. Ou seja: déficits de orçamento vão explodir além do previsto.

"Há um risco significativo de a recuperação econômica nas economias emergentes ser adiada", diz o BIS, acrescentando que obter ajustes necessários nas economias em desenvolvimento e ricas "pode levar tempo". O BIS coloca abertamente em dúvida também as ações para salvar bancos nos países ricos, dos quais dependem também as economias emergentes para sair do buraco. "No momento em que escrevemos (o relatório), a habilidade desses planos de gerar uma recuperação sustentada é uma questão em aberto", diz o documento.

O BIS responsabiliza os governos que estão no centro da crise, sobretudo EUA, por várias falhas. E bate forte num erro: o de não terem "agido rápido o bastante" para limpar os ativos de grandes bancos. Era preciso forçar os bancos a assumirem perdas, livrarem-se de ativos ruins, eliminarem excesso de capacidade e reconstruírem sua base de capital - única forma, segundo o BIS, "para reduzir incertezas, restabelecer confiança e lançar bases para um sistema financeiro eficiente". O BIS acusa governos de terem optado por medidas que punem os contribuintes.

A lentidão na limpeza dos ativos dos bancos deve-se, sobretudo, "à baixa vontade política de usar fundos públicos", diz o relatório, alertando que a falta de progresso neste campo "ameaça prolongar a crise e atrasar a recuperação". O texto critica ainda os planos para salvar os bancos, especialmente o dos EUA.

Para BIS, situação do Brasil é robusta

Executivos e especuladores que ganharam com o risco não estão sendo suficientemente responsabilizados pelas perdas, queixa-se o BIS. Além disso, ações de curto prazo para salvar os bancos podem estar atrasando os ajustes, alerta o banco. E o empurrão dos governos para facilitar a venda de bancos fracassados poderá criar outro problema no futuro: grandes instituições financeiras, o que aumenta riscos. O plano do Tesouro americano anunciado em março foi particularmente criticado pelo BIS por, no lugar de comprar ativos pobres dos bancos, ter optado por removê-los através de leilões.

O BIS vê "considerável incerteza" entre os países emergentes. Com exceção de China e Índia, a maioria verá sua economia encolher em 2009, só voltando a crescer em 2010. A recuperação vai depender de a demanda doméstica ser "suficientemente resistente para compensar a desaceleração na demanda dos países ricos". Os que mantiveram políticas prudentes e baixa dívida pública, como os asiáticos e parte da América Latina, terão mais chances de sobreviver, diz o BIS.

A recuperação da China é fundamental para muitos emergentes, já que o país absorve 20% das exportações dessas nações. Mas sua capacidade de importar está limitada, diz o BIS. Além disso, a China depende dos mercados ricos para manter suas exportações. O BIS diz que as vendas para União Europeia e EUA foram retomadas agora, "mas não está claro ainda se isso indica uma recuperação sustentada".

Os números do relatório confirmam que a crise levou a uma inversão violenta nos fluxos de capital (em alguns casos, de até 60%) para os países em desenvolvimento a partir do fim de 2008. Os mais afetados são Brasil, China, Coreia so Sul e Rússia. "É extremamente incerto quando e até que ponto os fluxos de capital privado para os mercados emergentes vão se recuperar", diz o relatório.

O Brasil - classificado pelo BIS como um país em situação "mais robusta" - está entre os emergentes que conseguiram manter alto nível de reservas, hoje em US$206,8 bilhões. China e Coreia do Sul também aumentaram seu nível de reservas de 2008 para 2009. Atualmente, elas estão em US$1,95 trilhão e US$226,7 bilhões, respectivamente. Mas o BIS diz não saber se o patamar pode ser mantido, caso haja mais instabilidade nos mercados daqui para a frente: "nessas condições, a retirada de financiamento aos mercados emergentes pode prejudicar severamente o ritmo de recuperação econômica".

O tom do relatório é o mesmo da carta que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, enviou aos ministros da Economia do G-20 (grupo que reúne principais economias ricas e emergentes) na última semana. No texto, Mantega apela para que os países evitem a tentação de reverter prematuramente as políticas fiscais e monetárias diante dos primeiros anúncios de recuperação, o que, segundo ele, prolongaria a desaceleração da economia mundial. "A crise não acabou. Ainda não estamos em terra firme", escreveu.
Em Washington, em entrevista ontem à TV NBC, o conselheiro da Casa Branca, David Axelrod, também manteve a cautela:

- Ainda não quebramos a coluna da recessão. Foram anos para chegarmos a essa confusão. Não sairemos dela em meses - disse ele, pedindo paciência aos americanos para que o pacote de estímulo de US$787 bilhões, lançado este ano, tenha efeito. - A maior parte do dinheiro do programa não foi gasta. Vamos ver qual impacto ele terá.

Em tempos de crise, um conselho do megainvestidor Warren Buffett pode valer US$1,68 milhão. Foi quanto pagou o vencedor do leilão, encerrado sexta-feira passada, em que foi oferecido um jantar com o bilionário. O montante, porém, não superou o do ano passado, quando um investidor de Hong Kong desembolsou US$2,1 milhões para ter alguns minutos de conversa com Buffett. O dinheiro vai para uma instituição de caridade.

(*) Com agências internacionais

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