terça-feira, 23 de junho de 2009

O virtual e o sangue (real)

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


FRANKFURT - Após o golpe de 11 de setembro de 1973, os militares chilenos fecharam o país por terra, mar e ar para não terem o testemunho incômodo de jornalistas a respeito do banho de sangue que promoveriam, com uma sanha espantosa até na história truculenta da América Latina.

Consegui chegar a Santiago apenas uma semana depois, mas ainda havia filetes de sangue no rio Mapocho, que banha a cidade.

É óbvio que a expulsão dos enviados especiais e o confinamento dos correspondentes, promovido agora pelo governo iraniano, tinha um objetivo similar. Mas os tempos mudaram e há novas tecnologias de informação, como o "twitter" e os celulares que tiram fotos ou filmam -tudo isso fez com que o banho de sangue aparecesse instantaneamente, ao contrário do ocorrido no Chile.

O jornal francês "Le Figaro" trata até como martir-ícone da web a estudante Neda Soltani, cuja morte foi a abertura também da coluna "Toda Mídia" desta Folha. Nem se sabe a idade correta de Neda. Há quem diga 20 anos, há quem rebaixe para 16, mas o fato é que, como diz o "Figaro", "Neda deu um rosto ao martírio dos opositores de Ahmadinejad", o presidente do Irã.

Sim, é aquele mesmo que seu colega Luiz Inácio Lula da Silva avalizou prontamente, com uma leviandade que os acontecimentos tornam dia a dia mais patética.

Não é a hora de discutir os defeitos e qualidades desses novos instrumentos de informação. O fato é que eles ajudaram a criar uma situação internacional complicadíssima: a difusão do sangue fez, por exemplo, a Itália orientar sua embaixada em Teerã a prestar "ajuda humanitária" aos feridos que a procurarem, à espera de que a União Europeia adote idêntica atitude, mas de forma coletiva.

Hoje, pode-se até fechar fisicamente um país, mas virtualmente ele está aberto. Felizmente.

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