segunda-feira, 22 de junho de 2009

A hora é de aproveitar, sem fazer marola

Marco Antonio Rocha
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Bric. O leitor já se fartou dessa sigla nos noticiários. Mas ainda há o que dizer.

Em primeiro lugar, que ela é apenas isto, uma sigla, criada na imprensa.

Por extenso se traduz por Brasil-Rússia-Índia-China, quatro países chamados "emergentes", que têm em comum a enorme extensão territorial de cada um e muita gente. Nos quatro vivem entre 42% e 45% da população do mundo. Nada mais eles têm em comum.

É bom frisar bem isso, para que as pessoas não se animem a pensar que esse bloco vai, unido, cuidar da salvação do futuro da humanidade e do combate aos países ricos. Não vai. Cada um dos quatro está tratando de salvar o futuro dos seus próprios habitantes - se tanto e se possível - e de conseguir uma beirinha no banquete dos ricos, para melhorar o passadio. Apenas o governo do Brasil, tendo à frente a dupla Lula-Celso Amorim, parece acreditar numa valente jornada dos quatro para "mudar tudo isso que está aí!" - como não se cansa de apregoar nosso presidente, repetindo o slogan de quando aspirava à Presidência da República e que tratou de engavetar tão logo a conquistou.

No começo do século passado, a economia mundial se dividia entre países ricos e países atrasados. Os ricos eram os mesmos que hoje formam o G-7 (EUA, Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Canadá e Japão), mais alguns da Europa ocidental, como Áustria, Holanda, Bélgica, Espanha e Portugal (com alguma benevolência). A Rússia dos czares estava se acabando naquela época e ninguém sabia o que viria a ser. Hoje, aderiu ao G-7 - é o "oitavo dos sete", diz a piada. O Japão apenas colhia os primeiros resultados da Restauração Meiji - essa, sim, uma revolução que arrancou o país da sua Idade Média e abriu caminho para o que ele é hoje.

O resto era, então, o resto. Países "atrasados" ou países pobres, que não tinham lugar no pôquer internacional. Brasil entre eles, com sua iniciante e desorganizada República.

Mais adiante, já depois da 2ª Guerra Mundial, os atrasados começaram a ser chamados de países "de desenvolvimento médio"; os pobres, de "subdesenvolvidos"; e os ricos, de "plenamente desenvolvidos". Palavrório diplomático para distinguir quem dita cartas de quem não dita nada. Mais recentemente ainda, um grupo dos "de desenvolvimento médio" passou a ser chamado de "emergentes".

Entre estes, há os "novos", principalmente da América Latina, como Brasil, México, Argentina, Chile, Venezuela, etc., e também África do Sul, Austrália, Nova Zelândia, etc. E há os "velhos", alguns velhíssimos, como a China, a Índia, a Rússia e o Egito, sobre os quais cabe perguntar por que cargas d?água ainda não "emergiram", se são tão velhos. Ficarão milenarmente "emergentes"?

A China deve ter tido o seu período de esplendor fulgurante, digno de escolas de samba, na época em que Marco Polo foi lá buscar sedas, bússola, pólvora e macarrão. Hoje tem o terceiro ou quarto PIB do planeta, mas um contingente de habitantes maior que a população do Brasil vivendo na linha da pobreza ou abaixo dela. Porém com uma classe média também maior que a população brasileira, o que a torna um lucrativo mercado. E com o PIB crescendo a 9% ou 10% ao ano, a classe média consumidora chinesa deve estar aumentando bem mais do que a do Brasil.

O que acontece num país de economia muito pobre que começa a se desenvolver? Investimentos relativamente pequenos resultam, em pouco tempo, em aumentos significativos da renda média da população e, portanto, do consumo de bens que exigem pouco input de capital. Isso ocorreu no Brasil na época da instalação da indústria automobilística, que gerou muitos empregos nela própria e nas indústrias e serviços periféricos. Os novos trabalhadores da indústria ou de empresas de serviços, vindos da roça ou de atividades precárias, recebendo agora salários mensais regulares - Lula pode falar disso, pois foi um deles -, tornam-se consumidores vorazes de bens para a casa, desde camas, colchões, mesas e cadeiras até eletrodomésticos, o que alimenta novas empresas e a construção civil.

As economias da China e da Índia estão nessa fase de modernização e de mobilização para o trabalho assalariado já há alguns anos. Isso as torna atraentes para o capital do mundo inteiro, até do Brasil. E elas têm avidez por esse capital para prosseguir no processo de crescimento acelerado. Não estarão nem um pouco interessadas em campanhas antidólar ou de rearrumação do sistema financeiro internacional, que, além de resultados incertos, arriscam abalar seus projetos. A Rússia já tem cadeira cativa na mesa dos "7", não pode ter interesse em virá-la.

Além disso tudo, temos agora o Plano Obama, uma enorme e complicada pretensão de regulagem do mercado financeiro americano, que influirá no mercado mundial, mas que ninguém teve tempo de examinar direito e que ainda terá de passar pelo Congresso dos EUA. Portanto, ninguém sabe como ficará. De qualquer forma, não sairá de lá com a mesma cara com que entrou. De modo que os Brics, ou qualquer país que queira oferecer as suas ideias ou propostas de mudanças e reformas do sistema financeiro mundial, não poderão fazê-lo antes de saber como, afinal, ficou a forma final do plano do presidente dos EUA.

O Brasil projetou uma imagem positiva nesse cenário de incertezas. A imprensa econômica mundial tem ressaltado a serenidade com que o País atravessa a turbulência, a estabilidade do nosso sistema financeiro e a competência das regulações que o Banco Central estabeleceu ao longo dos anos. Além disso, o Brasil não tem os inimigos externos e as perigosas rivalidades internas que afetam a Rússia, a China e a Índia. É hora, pois, de tirar proveito máximo dessa imagem, em termos de atração de investimentos, e não de querer "mudar tudo o que está aí" sem saber como.

*Marco Antonio Rocha é jornalista.

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