quarta-feira, 17 de junho de 2009

Equação iraniana

Newton Carlos
Jornalista
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Nunca, no pós-Guerra Fria, assumiu forma tão assustadoras a conclusão da ONU de que a proliferação nuclear é a maior ameaça à humanidade e não se trata só do Irã. A opinião pública internacional não parece perceber o que está acontecendo, mas os especialistas, os que estão por dentro da questão, não se cansam de emitir sinais, ou advertências, que tratam de fatos e não de ficção científica. O presidente Barack Obama imaginou o começo de um mundo sem armas de destruição maciça quando propôs à Rússia negociações envolvendo engenhos estratégicos e os acontecimentos tomam rumo em contrário.

O Bulletin of the Atomic Scientists, espécie de porta-voz de cientistas atômicos dos Estados Unidos e Europa contrários à bomba, tem o seu relógio do apocalipse. Os ponteiros se aproximam ou se afastam da meia-noite, dependendo dos níveis de armamentismo “não convencional”. Com o fim da Guerra Fria, eles se afastaram. Mas voltaram a aproximar-se. As potências nucleares sofisticam seus arsenais, em desrespeito ao Tratado de Não Proliferação, de 1968, novos membros ultrapassam as portas do Clube, como Índia e Paquistão, e cresce a relação de candidatos tidos como em condições de ingresso.

São citados Bélgica, Itália, Alemanha, Japão, Holanda, Espanha, Suécia e Suíça. Também a África do Sul, que na época do apartheid associou-se a Israel, fornecendo matérias-primas e recebendo tecnologia. Talvez até o Brasil, que já enriquece urânio. Não se sabe por que cargas d’água o diretor da Agência Internacional de Energia Atômica visitou Jerusalém e sequer tocou num fato de amplo conhecimento, o de que Israel tem a bomba, espécie de bomba consentida.

Outro pessimista é Andrew F. Krepinevich, analista militar à frente do Center for Stategic and Budgetary Assessments, dos Estados Unidos. Bruce Blair, presidente do Center for Defense Information, admite que não se surpreenderia se dentro de 15 ou 20 anos houver disparos de algum tipo de arma não convencional. Nuclear, portanto.

Estados Unidos, China, ONU, Rússia e o Japão, mais a Coreia do Sul (grupo dos seis) estiveram envolvidos em conversações com o objetivo de acabar com o programa nuclear norte-coreano e chegaram a anunciar acordos que nunca alcançaram um mínimo de implementação. Muito pelo contrário, a Coreia do Norte trata de mostrar que tem bombas e foguetes e até diz, de forma arrogante, que usará todo o plutônio disponível na fabricação de mais bombas, enquanto o Irã, de olho na sua, segundo suspeitas ocidentais, não se intimida com ameaças de sanções. Um ex-inspetor de armas da ONU, David Albright, é hoje diretor do Institute for Science and International Security, dos Estados Unidos. Ele afirma que “os estoques mundiais de plutônio e de urânio altamente enriquecido só aumentam, em meio a fantasias, insufladas por situações de fato, de um big bang nuclear”.

O que acontece no Irã e na Coreia do Norte compõe uma equação que torna mais agudos os sinais inquietantes. O Irã, sob suspeita de encaminhar-se na direção da bomba, reelegeu um presidente fixado na questão nuclear e que faz seus cálculos com o que acontece com a Coreia do Norte. Ele certamente tentará ir em frente, com passos mais acelerados, se a comunidade internacional não conseguir conter o ditador norte-coreano, que reage a sanções do Conselho do Segurança da ONU ameaçando explodir e construir mais bombas e mais foguetes. Coreia do Norte e Irã se interligam num momento de inquietações em montante. Nesse quadro, as eleições no Irã pouco ou nada significam, porque o poder real está com os aiatolás e o presidente que continua é gente deles.

O que se pergunta é se, em última instância, os Estados Unidos atacarão o Irã ou se procurarão derrubar o regime dos aiatolás. Um ex-chefe do Pentágono, William Perry, entrou em cena com proposições e advertências que se completam seguindo uma linha com duas pontas. Disse primeiro que os Estados Unidos talvez tenham de atacar o Irã. Bush ainda estava na Casa Branca, com a opção militar em cima da mesa. Com a eleição de Obama, ele voltou à cena dizendo que o novo presidente dos Estados Unidos enfrentará uma “crise nuclear” até o fim do ano. O que seria isso? Um ataque de Israel ao Irã. São claros os sintomas de que Israel, já portador da bomba e convencido de que é o alvo principal, pensa nisso seriamente, sobretudo depois do advento de um governo linha-dura. Há, inclusive, antecedente: o ataque de Israel nos anos 1980 ao reator nuclear do Iraque.

Quanto à Coreia do Norte, ditadura stalinista brutal, trancada a sete chaves, pode provocar corrida armamentista na Ásia. Embora constrangido por uma Constituição pacifista, o Japão tem como responder à altura. É o que não quer a China, que já dispõe de suas bombas. Isso talvez leve os chineses a pressionarem a Coreia do Norte de modo sério. Tem instrumentos. Em vários itens importantes, a Coreia do Norte depende da China. Mas permanece o talvez.

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