quarta-feira, 3 de junho de 2009

Briga no escuro

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Os palanques estaduais para a eleição de 2010 já estão sendo negociados nas disputas que ocorrem no Senado para o preenchimento de cargos na CPI. E a disputa maior, uma verdadeira briga no escuro, é dentro da base aliada, entre PT e PMDB. O senador Renan Calheiros domina completamente hoje o PMDB no Senado, e em consequência tem mais poder do que quando era o próprio presidente. Aproveita-se do vácuo de poder deixado pelo presidente José Sarney, que deve ter se arrependido de ter cedido aos seus argumentos para concorrer à presidência, e se credencia junto aos seus pares como o grande interlocutor do governo. Do seu ponto de vista, Renan Calheiros fez tudo certo, até mesmo convencendo Sarney a disputar um lugar que já fora seu e para o qual não desejava voltar.

Ao romper o acordo tácito que indicava que o PT faria o presidente do Senado enquanto o PMDB ficaria com a Câmara, num rodízio de parceiros políticos, Renan provocou um curto circuito que desencadeou toda a onda de denúncias que, desde a eleição, no início do ano, domina a pauta do Senado.

O senador Tião Viana, candidato petista com o apoio do PSDB, se propunha a fazer uma reforma profunda nos procedimentos do Senado, sabedor, como todos os demais colegas, que nos bastidores os hábitos e costumes da Casa não eram nada republicanos.

Assim como, em 2001, o então deputado federal Aécio Neves, do PSDB, foi eleito presidente da Câmara em detrimento de um acordo que faria o PFL assumir a presidência, também hoje o PMDB rompeu o acordo com o PT e elegeu Sarney para a presidência do Senado, provocando as mesmas reações.

Naquela ocasião, começou a se desgastar a aliança PSDB-PFL que sustentava o segundo governo de Fernando Henrique Cardoso e apoiaria a candidatura tucana à sucessão.

Vários líderes pefelistas passaram a apoiar a candidatura de Lula, o mesmo acontecendo com parte do PMDB, que deu seu apoio formal a José Serra, mas, como sempre, dividiu-se entre os dois principais concorrentes.

Hoje, a principal sustentação da base aliada é o PMDB, mas a dificuldade de fazer acordos regionais está se refletindo nas relações congressuais entre os dois partidos, sobretudo no Senado, onde a maioria governista é muito frágil.

Apenas três senadores peemedebistas, e justamente os que têm mais cacife político - Pedro Simon, Jarbas Vasconcellos e José Sarney - não colocarão seus cargos em disputa em 2010.

O PMDB tem nada menos que 16 senadores que disputarão uma das vagas em 2010, sendo que cinco deles são suplentes sem luz própria que terão de devolver a vaga para os titulares ou para o partido.

Desses, não há nenhum que seja um líder destacado em seu estado, com a exceção talvez de Romero Jucá, que é mais ligado ao governo Lula do que ao partido, ou o próprio Renan Calheiros, que, embora tenha uma imagem nacional desacreditada, ainda não se desgastou totalmente em Alagoas.

Para que o PMDB não perca a hegemonia no Senado, será preciso o apoio político de um dos partidos que disputarão a Presidência da República, PT ou PSDB, e é neste ponto que se encontram as coisas.

O senador Renan Calheiros montou a CPI da Petrobrás ao seu gosto, para ganhar poder de barganha junto ao governo. Ofereceu a presidência para a oposição, sem consultar o PT, e queria que o PMDB ficasse com a relatoria.

O Palácio do Planalto interveio para colocar o PT na presidência, e não abriu mão da relatoria para o PMDB. Mas a disputa pessoal entre Renan Calheiros e o líder do PT, Aloizio Mercadante, está impedindo que o líder do governo no Senado, Romero Jucá, seja indicado para o cargo, o mesmo Jucá que o próprio Renan já escolhera como relator.

Ao perceber que a lealdade de Jucá seria ao governo e não ao PMDB, Renan tentou impingir à base aliada a norma de não colocar na CPI nenhum líder partidário.

Com isso, tirava também da CPI Mercadante e Ideli Salvatti, dois dos articuladores no PT para que Renan Calheiros não fosse cassado no episódio que o derrubou da presidência do Senado.

Talvez justamente por se sentir devedor, dando razão aos céticos quanto à natureza humana, Renan quer distância dos dois.

Na tropa de choque de Renan na CPI constam também o senador Fernando Collor, do PTB, de quem se reaproximou; o segundo suplente Paulo Duque, que na manobra para adiar a instalação da CPI já demonstrou que é mais fiel a Renan do que ao governador do Rio, Sérgio Cabral, eleito originalmente para a vaga; e Leomar Quintanilha, que, na presidência da Comissão de Ética, ajudou Renan por amizade pessoal e não por questões políticas.

O mais impressionante é que ao vetar o líder do governo no Senado para o cargo de relator, Renan Calheiros está escancarando sua estratégia de manobrar a CPI para usá-la como arma de manobra política contra o próprio governo.

Mostra a intenção de negociar com a oposição e com o governo o andamento da CPI. Uma clara distorção da coligação que dá suporte ao governo, numa demonstração de que é preciso realizar uma profunda reforma política para reduzir a margem de manobra individual de cada político, em benefício de programas partidários.

A atuação do PMDB, apesar de causar problemas para o governo, não deve trazer muito alento para a oposição, especialmente no caso de precisar do partido para um eventual governo.

Nada mais perigoso do que ter como aliado preferencial um partido que trabalha à base da chantagem política desorganizada, onde cada cacique regional tem suas próprias regras.

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