domingo, 17 de maio de 2009

Reforma política

Sérgio da Costa Franco
DEU NO ZERO HORA (RS)

Sem dúvida alguma, vivemos uma gripe política mais grave do que a suína e mais alarmante que a crise econômica. Quando se apuram, no Senado e na Câmara Federal, parasitoses tão alastradas e difundidas quanto a já célebre farra das passagens aéreas ou a dos cento e tantos diretores a serviço do Senado, forma-se a convicção de que há doença muito séria no organismo político da nação. Isto num diagnóstico sumário, em operação de análise macroscópica. No microcosmo, o que se vê é um deputado federal que declara se lixar para a opinião pública, o outro que subvenciona com verba pública as suas próprias empresas. Para não falar no batalhão de consumidores do mensalão, vendedores de apoio político, mercenários da opinião e do voto.

Existe consenso, segundo cremos, quanto à necessidade de uma reforma das instituições, ou, pelo menos, de uma faxina eleitoral mais radical do que as renovações quadrienais periódicas. Nestes pleitos de quatro em quatro anos, quase nada se altera. Até as limpezas domésticas, de balde e vassoura, são mais eficientes. Lavam-se as vidraças, sacodem-se os tapetes, removem-se as teias de aranha, passa-se o aspirador de pó embaixo dos armários, aplica-se algum inseticida nos focos mais visíveis. Na renovação das câmaras, reaparecem para o público as mesmas figuras, nem sempre de roupa nova ou de barba feita, às vezes com as mesmas promessas e os mesmos relatos.

A faxina de que carecemos implica uma reforma constitucional profunda, que certamente não há condições de ver realizada na prática. A mudança das regras de representação no Senado e na Câmara, com a redução dos membros das duas Casas, certamente nunca será aprovada pelos atuais congressistas. Também é difícil a amputação dos fantasmais suplentes de senador, que ninguém conhece, e que são eleitos na carona dos titulares. Igualmente, a eleição majoritária de deputados, por distritos, controvertida, não tem condições de viabilidade.

Sobram agora, como se anuncia, duas únicas emendas possíveis: a representação proporcional por escrutínio de lista fixa e o custeio oficial das campanhas eleitorais. Até certo ponto, uma coisa está ligada à outra, pois as campanhas individualizadas e personalistas que hoje se praticam nas eleições parlamentares são incompatíveis com o financiamento público. Este, é certo, não impedirá, nos pleitos majoritários, o clássico apelo ao “caixa 2”... Entretanto, o escrutínio em lista partidária fechada, ainda antes de ser explicado e divulgado, já está sendo objeto de críticas, como se fosse grave atentado à liberdade dos eleitores.

Sempre fomos contrários ao atual sistema de votação individual nos pretendentes a postos nas câmaras, sistema que desfigura os partidos, que estimula a luta interna nas legendas, e que promove o estrelismo e o recrutamento generalizado dos “bons de voto”, mesmo quando destituídos de qualquer aptidão e de maior identificação com o partido.

O escrutínio de lista foi o consagrado pelo Código Eleitoral de 1932, inspirado por Assis Brasil, e cremos que colheu bons frutos nos poucos pleitos eleitorais em que foi praticado. É verdade que ele abria o flanco ao sufrágio individualizado, fora das listas partidárias, mas na prática este não prosperou, pois não era fácil um candidato avulso alcançar isoladamente o quociente eleitoral. O referido Código de 1932 foi obedecido apenas nas eleições federais e estaduais de 1933 e 1934, porque o golpe de Estado de 1937 e a implantação do Estado Novo o derrogaram.

Desde que assegurado um clima de democracia interna nos partidos, o que não é impossível de alcançar, a elaboração das listas fixas pode dar prioridade aos candidatos mais representativos do pensamento partidário e mais afinados com os objetivos da legenda. As “estrelas”, que vencem eleições porque cantam bonito, jogam bom futebol ou fazem milagres televisivos teriam menores oportunidades.

*Historiador

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