quarta-feira, 6 de maio de 2009

Poupança, cinismo & insanidade

Raul Jungmann
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O governo Lula está armando uma tunga na caderneta de poupança, em defesa dos lucros extraordinários dos bancos. A coisa se passa assim: com a redução da taxa básica de juros (Selic), as cadernetas de poupança, com rentabilidade acima de 6% ao ano e isentas de Imposto de Renda (IR), passariam a atrair fundos necessários à rolagem da dívida federal. Nessa hipótese, com sério impacto nas contas e no déficit público. Donde o governo - do presidente aos diretores do Banco Central (BC), passando pelo ministro da Fazenda - afirma de modo vago que é necessário mexer na poupança. Isso, insinua-se, implicaria redução no rendimento das cadernetas, que acumulam patrimônio de R$ 254 bilhões por conta de 81 milhões de correntistas.

Ora, essa é uma falsa crise, além de um show de cinismo. Para que os rendimentos da poupança ameacem a rolagem da dívida, ao migrarem dos fundos de renda fixa para a poupança, seria necessário que a Selic baixasse para 8,5% a 9% ao ano. Além de estarmos longe disso, há um razoável consenso no mercado de que o piso da taxa situa-se em 9,25%, e não menos, quando deverá voltar a subir em meados de 2010.

O que ocorre, então, é que o "governo dos trabalhadores" está atento às pressões dos bancos pela manutenção de seus gordos lucros. É que os bancos cobram altas taxas para administrar os fundos de renda fixa (de até 4% ao ano), quando, no exterior, em razão da maior concorrência, a taxa média está em torno de 0,5%. Ora, no passado e com a Selic nas alturas, tal custo era diluído. Agora, com o juro básico próximo de um dígito, essas escandalosas taxas de administração, somadas ao IR incidente, estão tornando esses fundos não competitivos vis-à-vis a poupança. Donde o temor da fuga daqueles para esta. E, note, em que pese a Selic ainda estar acima dos 6% ao ano + TR que as cadernetas rendem.

Apesar de haver gordura para queimar, antes da rentabilidade líquida da poupança virar um problema, a saída encontrada pelo governo e o partido que queria dar o calote na dívida é a redução do seu rendimento. Como disse a presidente da Caixa Econômica Federal, "os rendimentos da caderneta vão ter de cair" - embora não diga como, quando nem quanto, num absurdo desrespeito sobretudo aos pequenos poupadores. Essa reiterada desinformação, ao lado da informação de que a caderneta será, sim, mexida, não é tida como "terrorismo" ou indução ao pânico por um bom número de "neutros" comentaristas... Isso porque desde março o presidente Lula já falava em mudanças na poupança... Já o comercial do PPS veiculado em cadeia nacional de rádio e TV foi assim visto, como indução ao pânico, e por isso criticado.

No programa nacional do PPS deixamos claro o que queríamos dizer com os comerciais. Mexer na poupança o governo tem dito e repetido que vai, como Collor mexeu. Se não por meio do confisco, como este fez, via redução dos rendimentos de milhões de poupadores. Como mostramos, isso não é necessário, bastando, por ora, reduzir os ganhos dos bancos com os fundos de renda fixa. Noutras palavras, incentivar a concorrência, deixar o mercado funcionar. Mas, às vésperas de um ano eleitoral e na expectativa de apoio dos banqueiros, isso não passa pela cabeça do governo e do PT, não é?

Outra saída seria desconectar a política monetária da fiscal, mediante a troca das Letras Financeiras do Tesouro (LFTs), que representam 38% da dívida do Tesouro em poder do público e são um resquício do período inflacionário, por outros papéis, como as LTNs ou NTN-b. Essa troca, que já vem ocorrendo e poderia ser acelerada, tornaria a fixação dos juros interbancários pelo BC independente, em larga medida, do custo da rolagem da dívida do Tesouro, descolando o rendimento da poupança da remuneração dos fundos de renda fixa.

Outras saídas são possíveis, mas o governo não abre o debate. Prefere administrar calmantes via declarações das autoridades monetárias, que repetem exaustivamente que mexerão na poupança. Ou não monetárias, chegando ao cúmulo de Franklin Martins, secretário de Comunicação Social, receitar três alternativas diferentes ou a combinação delas para a pobre poupança. Algo como um Lego ou um puzzle com as economias alheias...

Cremos que prestamos um serviço ao denunciar a operação em curso para reduzir o rendimento da poupança, pé-de-meia de milhões de pequenos poupadores no Brasil. Idem ao afirmar que essa conta não deve ser paga por eles, mas por quem lucra exorbitantemente, com ou sem crise e à custa da sociedade e dos trabalhadores, de braços com o governo: o sistema financeiro.

Isso, sim, uma insanidade!

*Raul Jungmann é deputado federal (PPS-PE)

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