domingo, 3 de maio de 2009

Lula e o tumulto no Congresso

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Parlamentares querem ajuda do governo para conter jorros de lama; também pode voltar a conversa da reforma política

POR QUE Lula defendeu uns tipos parlamentares que ele um dia chamou de picaretas? Lula permitiu-se até "quebrar o protocolo" dessas ocasiões de rapapé, que consiste em fazer o elogio clichê da "importância do Poder "x" para a democracia" e em "afastar a ideia de crise institucional", que é como alguns chamam esses recorrentes faniquitos e remelexos nos Três Poderes, cujos problemas na verdade são crônicos, não críticos. Lula foi além. Defendeu os barnabés parlamentares, quase todos, metidos em rolos vulgares como o das passagens de avião grátis, entre outros que motivam fúria ou nojo popular.

Como Lula fala demais, poderia ter se tratado apenas de um lapso. Parece que não. José Sarney, o presidente do Senado, e Michel Temer, o da Câmara, têm pedido um "sinal de apoio" a Lula, segundo parlamentares com quem ainda se pode conversar. Querem algum auxílio de Lula para conter a malhação do Congresso e a decorrente barafunda parlamentar que, descontrolada, pode espirrar no próprio governo.

De outra parte, alguns parlamentares querem voltar com a conversa da "agenda positiva", uma discussão "institucional" dos problemas do Legislativo. Sim, o leitor é perspicaz: trata-se da volta da reforma política.

Os escândalos ficaram perigosos. Altos burocratas do Senado começam a se dedurar. Mas tais figuras estão há 15 anos no poder devido a sua simbiose parasitária com sucessivos comandos do Legislativo. Eles são as engrenagens ora óbvias de esquemas de apropriação de recursos públicos e políticos, de favores regimentais e extrarregimentais, de advocacia de interesses de parlamentares enrolados e talvez coisa pior.

Ou seja, a máquina do Legislativo federal se tornou parte do aparato de poder de caciques regionais, em especial de regiões pobres. Note-se que, de 1995, início da "era da modernidade do Real", até 2011 (governos FHC e Lula), Sarney e Renan Calheiros, ora grandes aliados, terão governado o Senado em 10 de 16 anos. O falecido Antonio Carlos Magalhães e Jader Barbalho ficaram com o resto do período. Os nomes dizem algo sobre o entrosamento da caciquia regional com a caciquia burocrática que reinou nesses anos e agora começa a ser decapitada.

A lama dos fundos burocráticos do Legislativo pode afetar figuras de frente da casa grande política. Podem surgir ligações muito diretas entre burocratas caídos e parlamentares. Pode irromper a fúria do baixo clero (quase o Congresso inteiro), que quer preservar mumunhas e capilés, em defesa dos quais reage ao estilo de mandões do mato.

A revolta da arraia miúda já deu em coisas como Severino Cavalcanti na presidência da Câmara.
Mas a fúria pode se voltar contra um Executivo indiferente à "injustiça" de que parlamentares se julgam vítimas. Ou o governo e seus líderes ajudam a colocar ordem na casa ou podem brotar CPIs e votações indesejáveis. Além desse acordão, figuras mais diplomáticas e amenas do Congresso pretendem fazer dos limões do escândalo uma limonada "construtiva": reviver a reforma política, ideia da qual o governo não desgosta (não custa nada). Sabe-se lá até onde vai essa conversa, mas o plano pode servir de manobra diversionista, a desviar a atenção da política policial.

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