terça-feira, 26 de maio de 2009

Inferno no Senado

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Foi-se o tempo em que, como definiu Darcy Ribeiro, o Senado era melhor do que o paraíso, pois nem era preciso morrer para usufruir de suas benesses. Hoje, ele é nada menos que um inferno para o governo, que tem uma maioria teórica que nunca se torna realidade quando mais interessa ao Planalto. Justamente ao contrário: quando mais interessa ao governo, mais o fiel da balança apresenta sua conta salgada.

Com a maior bancada do Senado, o PMDB usa a maioria dos seus 18 senadores, boa parte deles suplentes sem expressão política alguma, para chantagear o governo em troca de mais poder.

E, quanto mais se aproxima a hora de definir de que lado estará em 2010, mais o cacife do PMDB se torna imprescindível na montagem do tabuleiro eleitoral.

A criação da CPI do Petrobras às vésperas da eleição presidencial não se deve apenas à atuação da oposição, mas à passividade do PMDB, que deixou passar a CPI para poder negociar seu apoio com o governo.

Faz parte dessa estratégia a ideia de dar à oposição a presidência da CPI, para isolar o PT e manter sua posição de voto de minerva.

É o troco que o senador Renan Calheiros esperava para dar no petista Aloizio Mercadante, a quem considera um adversário político a ser batido, mesmo este tendo atuado claramente a seu favor na votação de sua cassação.

Renan combinou com Agripino Maia, líder do DEM, que a presidência da CPI seria do senador ACM Junior, um oposicionista “não radical”, na sua definição.

O primeiro objetivo era impedir que Mercadante fosse o presidente por indicação do PT; o segundo era reforçar o papel do PMDB de fiel da balança, colocando Romero Jucá na relatoria.

Um Jucá ainda magoado com o governo devido à limpeza na Infraero, que levou de roldão parentes seus. Na tropa de choque de Renan na CPI, pode constar também o neossenador Fernando Collor, do PTB, que já fora colocado na Comissão de Infraestrutura contra a líder do PT, Ideli Salvatti, uma das maiores articuladoras do salvamento de Renan quando foi julgado por quebra de decoro, acusado de pagar com dinheiro de uma empreiteira a pensão que dava para a amante Mônica Veloso, mãe de uma filha sua fora do casamento.

A eleição de Collor para presidir a comissão que vai fiscalizar o PAC — fundamental para os planos do governo em relação à ministra Dilma Rousseff — foi considerada por Mercadante na ocasião como um “acordo espúrio”, o que só fez aumentar a distância que o separa de Renan Calheiros.

Como se vê, há um oceano de ressentimentos dividindo a base aliada do governo no Senado, que só fez aumentar com os rumores de que o PMDB exigia a diretoria “que fura poço” na Petrobras em troca de um apoio mais firme do governo na CPI.

Renan atribui a Mercadante a revelação dessa exigência, que ele garante que não existe. O Palácio do Planalto tem toda razão, portanto, em não confiar em acordos do PMDB com a oposição, embora não ganhe nada com o clima tenso que está sendo criado antes mesmo da implantação da CPI.

E, mesmo que consiga fazer o presidente e o relator da CPI, não terá a garantia de apoio total do PMDB, que tem três integrantes que podem fazer a maioria pender para o governo ou para a oposição, conforme as conveniências do momento.

O governo vem demonstrando na prática que sua maioria, mesmo na Câmara, não lhe ser ve para nada quando é para votar alguma coisa que seja minimamente polêmica.

O caso da reforma política que se pretende aprovar antes das eleições de 2010 é típica.

O voto em lista, com financiamento público de campanha, era um projeto considerado prioritário pelo PT, que conseguiu apoio do DEM e do PPS na oposição e apenas um pequeno partido de sua base aliada, o PCdoB.

Mas outros pequenos partidos da base ficaram contra, e o governo não está encontrando forças para impor sua vontade.

A base do governo é tão heterogênea e dispersa que não existe tema que a una de maneira integral, tantos são os interesses específicos de cada uma das 15 legendas que a integram.

Mesmo uma “coalizão defensiva”, como a que mantém no Senado, tem se mostrado ineficaz diante de perigos como a CPI da Petrobras.

O requerimento aprovado foi de autoria do senador oposicionista Álvaro Dias, do PSDB, mas havia outro, do senador Romeu Tuma, que é do PTB, da própria base aliada do governo.

Na verdade, como se viu nos últimos dias com a sucessão de escândalos, o Senado tem vida própria, e cada senador tem sua posição política definida por suas convicções pessoais ou pelos seus interesses pessoais, não havendo uma linha partidária clara a ser defendida.

Isso ficou claro mesmo entre a oposição, quando o DEM foi acusado pelo PSDB de estar titubeante na condução das articulações para instalar a CPI.

Os dois partidos de oposição procuram superar esses problemas, agora que a CPI virou uma realidade, atuando de comum acordo.

O partido que porventura emplacar o presidente da CPI cederá para o outro os dois lugares restantes da oposição. Se vingar a indicação de ACM Junior, o PSDB terá dois representantes.

Se o PT fechar questão com relação à presidência, restará à oposição explorar as desavenças entre PMDB e PT no decorrer dos trabalhos da comissão.

Ao governo, até para forçar o PMDB a segui-lo, será útil a campanha que os chamados “movimentos sociais” estão fazendo, tentando levar para as ruas o que seria um clamor popular contra a CPI.

Encurralar as oposições, acusando-as de entreguismo, é uma arma política que pode ser útil até mesmo como mote da campanha presidencial.

A oposição, se não conseguir a presidência da CPI, vai acusar o governo de estar com medo da investigação na Petrobras. E já ameaça com outra CPI no Senado, a do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).

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