sábado, 23 de maio de 2009

A carta do presidente

Coisas da Política :: Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Uma aragem que parece feitiçaria no tempo em que milagres por atacado são exibidos em vários canais de televisão passou por esta coluna nas últimas semanas. Para ficar nos dois exemplos mais próximos: o texto impecável de Mauro Santayana brindou os leitores na antológica rememoração da sua infância em Belo Horizonte, com a experiência indelével dos anos como interno em um pensionato para menores.

Pois, agora um novo espanto, no ineditismo da primeira e provavelmente única vez em que recebo por e-mail não um artigo, sem título, mas uma carta da autoria do ex-presidente da República, ex-governador do Maranhão e atual presidente do Senado, que preside as sessões do Congresso, senador José Sarney. E que chegou criando perplexidades. No JB, de que é colaborador semanal na página de Opinião, não se encontrou moldura adequada para acolher o texto do acadêmico. A Redação lavou as mãos enviando-me o texto. E que abaixo transcrevo:

"Constato com alegria que, cada vez mais, você continua inigualável na arte de escrever artigos. Sua atenção aos fatos e a profundidade e elegância de seu espírito crítico brindam-nos com essa mistura ao mesmo tempo saborosa e picante, que traz luz e perspectiva aos temas de interesse público de que trata, como o fez no seu texto de sábado, sobre a reforma política urgente e inviável.

Enquanto muitos reagiram com fúria descontrolada, você reexaminou com isenção o projeto de reestruturação do Senado, encomendado à Fundação Getúlio Vargas. Até sua ironia foi construtiva, na medida em que conseguiu perceber no projeto ‘um resultado acima das mais pessimistas expectativas’. Estou plenamente de acordo. Trata-se de um começo de conversa, ‘do reconhecimento da necessidade de tentar colocar um mínimo de ordem e funcionalidade na mixórdia do desperdício do dinheiro público’.

O empreguismo, no setor público, é vício que nos aflige desde a República Velha. E dele, infelizmente, ainda não conseguimos nos livrar. Estamos mal na fotografia, mas não estamos sós.

Está aí, como exemplo, o número de funcionários do governo federal. Só os da administração direta passaram de 200 mil para 220 mil, entre 2003 e 2008, sem contar com os das autarquias, das fundações e das empresas públicas. É razoável que a sociedade que se sacrifica para pagar seus impostos não queira continuar a bancar essa festa empregatícia do setor público.

Muita coisa se pode fazer para reduzir despesas. Veja que ao assumir a presidência do Senado, em fevereiro último, determinei um corte de 10% de todos os gastos na Casa e, posso assegurar, ela não funcionou pior por conta disso. É sinal de que devemos fazer ainda mais. E vamos fazer.

Concordo com você quando diz que é preciso estabelecer controles em toda parte, pois sem a existência deles torna-se natural ao longo do tempo, como você observou, que a burocracia imponha os seus cacoetes da multiplicação do pessoal e dos generosos reajustes de vencimentos. Não sei se o número qual será o número adequado de funcionários – entre servidores de carreira e terceirizados – que deve ter o Senado, nem como deverão estar distribuídos, e é exatamente isso o que esperamos da equipe do doutor Bianor Cavalcanti.
Artigos como o seu ajudam a levar o debate a bom termo. Usar a pena para a ofensa e extravasar a fúria e eventuais frustrações é fácil. Difícil é fazer como você, meu caro Villas-Bôas, que sempre soube trazer racionalidade e o bom-senso ao debate sobre a coisa pública".

Retomo a palavra. É pura e descarada hipocrisia a teórica ética de que as relações entre os jornalistas e as fontes não devem passar do formalismo de autômatos. Um dos mais prezados tesouros do repórter é a sua carteira de fontes, não apenas confiáveis mas de fácil acesso nas emergências. Nunca aceitei favores, de emprego às cobiçadas viagens internacionais antes da moda dos saques do dinheiro público pelos parlamentares. Mas cultivei as fontes que garantiam a exclusividade dos furos.

Para a moralização do Congresso basta a simples e inviável providência de convencer os parlamentares de que o Poder Legislativo foi transferido para Brasília, desde 21 de abril de 1960. E que as mordomias e vantagens são generosas, mas corretas: apartamento mobiliado, gabinete privativo com a penca de assessores e os 15 subsídios anuais para as férias, pagando as passagens. Quem quiser mais deve cavar um cargo no governo.

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