segunda-feira, 11 de maio de 2009

Cadernetas de poupança

Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Surge a ideia dessa estranha e perversa aliança entre grandes rentistas e a classe média de pequenos poupadores

O DEBATE sobre os juros no Brasil ganhou novo caráter.

Os tradicionais defensores das taxas elevadas estão tentando uma aliança com os pequenos poupadores visando impedir qualquer mudança na remuneração das cadernetas de poupança.

Um fato em relação aos juros que até recentemente estava envolto em uma névoa -o de que a taxa paga às cadernetas de poupança é insustentável- tornou-se claro a partir do momento em que a queda da Selic passou a ter como limite os 6% reais de juros que a lei estabelece para os investidores em cadernetas de poupança. O problema, a partir desse momento, deixou de ser o de combater os interesses dos grandes rentistas e do setor financeiro e de seus economistas, que argumentavam que juros estratosféricos eram necessários para o Brasil combater a inflação, e passou a também envolver a classe média.

Estamos em um momento ideal para rever todo o sistema institucional que envolve os juros e a política monetária brasileira, porque, devido à crise global, a política de taxas altas perdeu qualquer razão de ser.

Entretanto seus autores encontram uma nova desculpa para limitar a baixa dos juros. Se esta continuar a diminuir, a taxa da caderneta de poupança ficará mais elevada do que a paga pelos fundos de investimento; logo, a remuneração da poupança é um piso para a queda dos juros. Se esse piso for ignorado, os rentistas migrarão seus recursos para a poupança.

A origem do problema é antiga. Nos anos 1960, no início do regime militar, quando foram criados o Sistema Nacional da Habitação e a caderneta de poupança, a lei estabeleceu que esta teria uma remuneração fixa real de 6% ao ano. A taxa era muito alta, mas a inflação também, de forma que não houve protestos.

Um argumento adicional para aceitar com naturalidade a taxa era o de que a lei de usura limitava tradicionalmente os juros a 12%. Na realidade, nem sempre os investidores em caderneta de poupança receberam seus 6% reais, porque em alguns momentos, com a desculpa da inflação, falsificou-se o cálculo da correção monetária. Quando, afinal, a alta inflação terminou, em 1994, seria necessário não digo eliminar mas começar a reduzir o piso de juros das aplicações na poupança, mas o Banco Central estabeleceu um nível para a taxa básica (Selic) tão alto que o problema desapareceu.

Agora, com a economia brasileira em recessão, a redução da taxa de juros tornou-se imperativa.

Os juros altos não são mais apenas uma forma de captura do patrimônio público pelos grandes rentistas; são também um obstáculo à resposta necessária do Brasil à crise global. O Banco Central iniciou com atraso e timidamente o processo de baixa, mas, neste momento, surge a ideia dessa estranha e perversa aliança entre os grandes rentistas e a classe média de pequenos poupadores. Uma aliança que tenta a oposição política ao governo, que vê nesse problema a oportunidade de se tornar defensora dos pobres.

A solução "correta" do ponto de vista econômico seria eliminar o piso e deixar o problema por conta do mercado, mas essa não é uma solução razoável em um país tão desigual. O governo pensa em taxar com Imposto de Renda os grandes poupadores e manter os pequenos como estão. É uma solução aceitável, que, entretanto, deveria ser acompanhada por alguma redução dos 6% de piso. O certo é que é preciso mudar o quadro institucional. O atual apenas favorece os interesses dos mais ricos.

Luiz Carlos Bresser-Pereira , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

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