segunda-feira, 11 de maio de 2009

As lições que a crise está oferecendo

Marco Antonio Rocha
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Há duas lições a serem tiradas desta crise financeira mundial: uma pelo público, outra pelos governos e banqueiros.

A lição a ser aprendida pelo público é que a economia moderna só funciona com endividamento - das empresas e das pessoas físicas -, o que significa que é movida pelos bancos.

A lição a ser aprendida pelos governos é que os bancos são importantes demais para serem deixados a critério e juízo apenas dos banqueiros.

E os banqueiros têm de saber que não são donos de livre-empresas iguais às demais do mercado. A enorme responsabilidade que lhes pesa os obriga a aceitar todos os controles que a sociedade ache necessário lhes impor e assumir toda a transparência que lhes seja exigida.

O gatilho da crise foi o enxugamento do crédito bancário no mundo inteiro. Imediatamente, todas as atividades se retraíram e o desemprego explodiu. Ficou mais do que evidente a enorme importância do crédito e do sistema bancário.

Foi-se o tempo em que empresas e famílias poupavam para investir - fosse na construção de uma nova fábrica, fosse na compra de um imóvel. Atualmente, pessoas e empresas se endividam para investir - na nova fábrica ou na compra do imóvel.

Portanto não é o "espírito animal" dos empresários que move a economia moderna, como costuma dizer o professor Delfim Netto. O crédito é que açula o "espírito animal" do empreendedor, que morre na praia se os bancos não lhe derem crédito. E mesmo que já esteja velejando, afunda, caso lhe falte crédito - que não é mais o sustentáculo da economia, mas a sua locomotiva.

Por que essa é uma lição que precisa ficar clara para o grande público? Porque todo mundo acha que banqueiros são agiotas envernizados e que "salvar os bancos" é uma imoralidade, além de desperdício de dinheiro público. Mas neste momento os governos estão despejando nos bancos bilhões de reais, dólares, euros, ienes, yuans, rublos, etc., nesta campanha de salvação financeira mundial. Fazem isso não porque sejam imorais. Não é uma questão de ética. É uma questão de dar combustível para a locomotiva continuar puxando o trem da economia. Trata-se, em última análise, de salvar os empregos, o bem-estar e o futuro das pessoas. Pois sem o crédito e sem os bancos isso tudo se deteriora, a vida econômica moderna fenece.

Poderia haver um tipo de economia sem esse tipo de detestável locomotiva? Talvez sim, talvez não. Mas essa é uma discussão filosófica. A economia real que temos é essa que está aí e que depende profundamente do sistema bancário. A crise "sistêmica" se transforma em crise de tudo. Ponto final.

Agora, a segunda lição.

Exatamente porque o crédito e o sistema bancário assumiram papel sumamente relevante no mundo moderno é que deve ser exigida, pela sociedade, pelos governos, pelas leis, pela Justiça e pela polícia, muito maior responsabilidade dos bancos e dos banqueiros do que no passado e do que das demais empresas. Os bancos não podem mais se considerar como livre-empresas, atuando ao bel-prazer numa economia livre - nem pensar que sejam isso. Os banqueiros, suas políticas, seus administradores, seus métodos de administrar e seus funcionários têm de estar sob permanente escrutínio de fiscais dos governos e prestando constante e fiéis contas de seus atos, ganhos e perdas, à opinião pública.

Não se trata mais de passá-los pelas tradicionais "auditorias", que, com seus inúteis "relatórios", nada mais são do que escritórios de fajutagem de balanços, como vem ficando demonstrado ad nauseam. Tem de haver um Tribunal de Contas para os bancos, com poderes de agir preventivamente, e não apenas corretivamente. Além de um código penal específico para banqueiros e administradores de bancos, com penalidades tão exorbitantes quanto os prejuízos que causem.

Essas as duas (ou três) lições da crise.

Mas e o estado em que ela se encontra? Não é possível assegurar que ela tenha acabado, apesar de alguns sinais de animação, principalmente nas bolsas. Como dizia o presidente do nosso Banco Central, Henrique Meirelles, isso pode ser uma tentativa do mercado de antecipar o processo de recuperação da economia americana.

O que se pode dizer é que, desde as reuniões do G-20 em Londres e do FMI-Bird em Washington, tem havido melhoras e mais calma. A noção de que os líderes mundiais chegaram a um consenso sobre como agir contribui para reduzir o nervosismo.

Segundo esse consenso, as ações para a retomada da economia e para afastar a insegurança devem se orientar em três direções: um esforço muito grande para reativar a demanda por meio de medidas de natureza fiscal; uma ação continuada para reparar o sistema financeiro e normalizar suas operações; e grande mobilização de recursos para atender aos problemas surgidos nas economias dos países emergentes.

O diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, não só concordou que é uma estratégia correta, como que "o novo plano dos EUA é um importante passo adiante".

Mas as ações oficiais ainda são fragmentadas. Ao lado de estímulos fiscais corajosos houve também novas restrições ao comércio internacional, apontadas em levantamento do Banco Mundial.

Temos aí, no momento, um contexto em que, ao mesmo tempo, ganham força a noção clara do que é preciso fazer e de que é preciso agir coordenadamente e a ação automática de autoproteção das administrações públicas, sob o impulso de respostas tradicionais.

Portanto, além de "salvar os bancos", sem o que as tentativas de reativar as economias não darão resultado, como asseverava com razão Strauss-Kahn, é preciso também passar por cima da paquidérmica dificuldade de se mover das administrações públicas em geral.

*Marco Antonio Rocha é jornalista.

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