terça-feira, 28 de abril de 2009

Porcos com asas

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Vírus dito "suíno" contagia mais a imaginação, ainda mais no Brasil de endemias como a dengue e das mortes por tiros

O QUE SE FAZ quando vírus da gripe dos porcos com asas viajam do México para os territórios assépticos dos Estados Unidos e da Europa? Compram-se ações de laboratórios que produzem antivirais, vendem-se ações de companhias aéreas, hoteleiras e de cartão de crédito (com o "choque de confiança viral", as pessoas ficariam mais em casa, comprando e viajando menos).

Liquidam-se posições no mercado futuro de pernas e toucinho de porco em Chicago (sic).

Por fim, roda-se um modelo matemático a fim de medir o impacto do vírus "suíno" nos mercados, baseado no efeito passado do vírus da Sars na Ásia, em 2003, como certos bancos já faziam ontem (sic). Sim, isso apesar de vírus derivativos como CDS, CDOs, ABMS e outros ainda contaminarem a banca mundial.

Estamos doentes de hipocondria? Há risco de comer porco? Sim, claro: se o animal estiver vivo, falar e tossir no nosso rosto enquanto tentamos comê-lo em um eventual trem contaminado da Cidade do México.

Decerto, vírus agora têm asas e viajam continentes em horas; as pestes do passado levavam meses para ir de Istambul a Veneza. Cientistas dizem que, se brincarem em serviço, as pestes gripais podem se tornar assassinas rapidamente.

Mas, por ora, mais evidente e curiosa é a rapidez do contágio midiático, em especial no Brasil, em que a Bolsa caiu mais porque produzimos commodities (nossos "infecciosos" minérios, grãos e carnes). Há brasileiros preocupados com o risco de viajar para os viróticos Canadá e EUA. O que é uma dengue hemorrágica tipo "n" perto de um vírus "suíno", certo? Malária deve ser fichinha; morrer de tiro em São Paulo, Rio ou Recife, também. O medo talvez venha do fato de que as pessoas temerosas pensem viver em mundos murados da quarentena social.

Mas o contágio é, por ora, informacional, digamos. Os mundos assépticos e de sabonetes antissépticos (péssima mania americana), em que as pessoas se desacostumaram a morrer feito moscas, entram em pânico rapidamente. Por tabela, contaminados pela predominante massa de informação que vem de EUA e Europa, também ficamos "doentes" pela informação viral, apesar do Aedes zanzando nas cercanias.

O contágio midiático funciona um tanto como no caso de genocídios ou atentados terroristas: um morto "branco e de olhos azuis", para citar Lula, repercute muito mais que os de Ruanda, Congo, Bangladesh, Bósnia. Sim, não vamos muito a Bangladesh. Mas quantas pessoas pegaram dengue em Nova York?

Em 2003, houve o medo da Sars ("síndrome respiratória aguda grave"), que explodiu entre novembro de 2002 e julho de 2003, em particular na Ásia, infectando pouco mais de 8.000 pessoas e matando 774 nesse período -balançou um tico a economia de Hong Kong, apesar do alerta global. Pouco depois, surgiu a gripe aviária, de 421 infectados e 257 mortos pelo mundo até agora, segundo a OMS -não foi para a frente.

Tomara que o vírus dito "suíno" nem chegue a fazer parte desse número de vítimas. E, dadas as más notícias dos vírus demasiado humanos, os financeiros, não precisamos de mais epidemias.

Mas, por ora, talvez estejamos apenas doentes de tédio e excesso de informação ruim.

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