domingo, 26 de abril de 2009

Na caderneta, o dilema de alterar as regras

Geralda Doca
DEU EM O GLOBO


Analistas dizem que recuo de juros não dá opção ao governo, exceto reduzir rendimento da aplicação mais popular do país

BRASÍLIA. Com a taxa básica de juros Selic em queda, a poupança - o investimento mais simples e popular do Brasil, que é isento de tributos e tem rendimento fixado em lei - está prestes a se tornar uma das mais rentáveis aplicações do país. Isso poderá provocar desequilíbrios profundos no mercado, que vão desde a dificuldade de a União se financiar até possíveis prejuízos aos bancos. Inverter esta equação é um dos principais objetivos do Ministério da Fazenda e do Banco Central (BC) hoje. A operação, porém, não será fácil.

Além da resistência natural a mudanças numa instituição de 148 anos, a sociedade ainda tem viva na memória o confisco do governo Collor. Como a alteração da forma de remuneração terá que ser aprovada pelo Congresso Nacional, o governo federal terá que ser exímio jogador se quiser levar adiante a proposta.

A poupança, por lei, tem que render ao menos 0,5% ao mês, o equivalente a 6,17% ao ano, mais um indexador, a Taxa Referencial (TR), que fechou 2008 a 1,63% e este ano deve ficar abaixo de 1%. Os fundos de investimento, em geral, compram títulos públicos, que têm alto giro e remuneração elevada. O balizador deste mercado de título, grosso modo, é a Selic, hoje a 11,25% ao ano.

O vice-presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), professor Manuel Enriquez Garcia, dá o pontapé inicial na explicação do dilema. Se a Selic cair para 10% - o que pode acontecer já na próxima quarta-feira, quando se reúne o Comitê de Política Monetária (Copom) - um aplicador de fundo de investimento com menos de R$20 mil dificilmente receberá este percentual cheio, pois seu poder de negociação com o banco é pequeno.

Além disso, ele terá de descontar 2%, em média, de taxa de administração e recolher no mínimo 20% a título de Imposto de Renda. Ou seja, o ganho da sua aplicação ficará praticamente empatado com a poupança - que, além de isenta de tudo o que ele paga no fundo, honra depósitos de até R$60 mil.

- As pessoas são racionais e vão migrar mesmo para a poupança - diz Garcia.

Migração para poupança pode afetar dívida pública

O professor do Ibmec-SP José Dutra Vieira Sobrinho vai além. Cerca de 80% das carteiras dos fundos estão aplicadas em papéis do governo. A migração trará, portanto, consequência para o financiamento da dívida pública, que é rolada com a emissão de títulos:

- Com a poupança rendendo mais, esses aplicadores vão se desfazer dessas operações, obrigando o administrador do fundo (o banco) a vender os títulos do governo para pagar o cliente. Isso não interessa ao Tesouro Nacional, que passaria a ter dificuldades para rolar a dívida pública, que supera R$1 trilhão.

O restante das carteiras é composto por aplicações em títulos privados (debêntures e Certificado de Depósitos Bancários-CDBs), comercializados por agentes financeiros para buscar recursos para emprestar às pessoas físicas e empresas.

- Por outro lado, se nada for feito, a poupança ficará cada vez mais gorda, e os bancos poderão ter prejuízos, pois 65% das captações são direcionadas ao setor imobiliário, com limite de taxas de juros (dos empréstimos) definido - afirma o professor.

A poupança faz parte do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), no qual os bancos pagam 6,17% aos poupadores e cobram 12% nos contratos imobiliários.

- Por isso, não interessa a ninguém que a poupança renda mais que fundos. Por mais que doa, o governo não tem alternativa a reduzir os rendimentos dos poupadores - diz Dutra.

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