quinta-feira, 30 de abril de 2009

EUA e Brasil: dobradinha de BCs

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Recessão horrível agora só parece feia, ao menos para BCs e mercados. Juro cai menos no Brasil: menos que a economia

O BANCO CENTRAL do Brasil cantou ontem uma embolada gentil com o BC dos EUA, o Fed. Na embolada nordestina, os cantadores trocam insultos versificados ao som de pandeiros. Na embolada dos BCs, o Fed cantou lá que a economia americana "parece encolher com mais vagar". O BC de cá respondeu batendo de leve no pandeiro dos juros, que cortou apenas para 10,25%. Na prática, disse a mesma coisa que o BC americano.

Os povos dos mercados compraram ações ontem, felizes como pintos no lixo. Esqueceram suas próprias cascatas sobre o risco econômico da gripe dita "suína", a desculpa para parte do tropeço em Wall Street no início da semana. Esqueceram ainda os rumores de que bancões não vão passar no vestibular de estresse econômico (auditorias oficiais). Bancões vão para a recuperação da "provinha Fed", precisando de mais dezenas de bilhões de dólares de capital, como se especula ser o caso de Citi, Bank of America e mesmo Wells Fargo. As 500 maiores empresas americanas devem ter lucrado 30% menos que no início de 2008. "Tudo bem." O mercado imaginava que a coisa seria ainda pior.

O povo nem ligou que o PIB americano encolheu mais 6,1% no primeiro trimestre. Com os dados de ontem, ainda se prevê que a economia americana encolha 3% em 2009. Se não ligaram para os EUA, que dirá para a Alemanha, maior economia da Europa, que estima encolher 6% neste ano, o maior colapso desde a Segunda Guerra.

Os povos dos mercados ligaram mesmo para o que o Fed disse: a economia parece encolher mais devagarzinho. Quer dizer: o pior estaria passando (assim mesmo: condicional com gerúndio). O Fed disse que não vai aumentar o volume de compras de títulos públicos e privados, o que tem feito a fim de injetar dinheiro na economia, pois a taxa de juros foi a zero e, assim, entrou provisoriamente em coma como instrumento de política monetária. Ou seja, o Fed vai manter a torrente de estímulo monetário, mas não vai aumentá-lo.

Os povos dos mercados também fizeram algum alarde sobre o fato de que o consumo privado cresceu 2,2% no primeiro trimestre, segundo dados do PIB dos Estados Unidos, divulgados ontem. Mas o consumo americano afundara durante toda a segunda metade de 2008. Saiu das trevas para a meia-luz devido a cortes de impostos, reajuste de aposentadorias, queda do preço da gasolina e liquidações homéricas. Mas o investimento caiu 37,8% no trimestre. As empresas pararam.

Ou seja, a economia praticamente respira por aparelhos: porque o governo faz um déficit público ciclópico, corta impostos e doa dinheiro a bancos, direta ou indiretamente.

No Brasil, onde a desgraça é bem menor, o governo também segurou a peteca, evitando recessão feia. Mas a Confederação Nacional da Indústria avisou ontem que teve o pior início de ano em uma década. A Associação Brasileira de Supermercados contou também ontem que o volume de vendas no primeiro bimestre deste ano caiu em relação ao início de 2008. Sim, o faturamento subiu 2,1% neste trimestre (ante 2008). Mas, no início de 2008, subia a 10%.

Em suma, entenda-se o que quer dizer o "pior vai estar passando": uma recessão feia, sem depressão.

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