quinta-feira, 30 de abril de 2009

Apenas um caso clínico (e hipóteses cirúrgicas)

Wilson Figueiredo
Jornalista
DEU EM OPINIÃO E NOTICIA

Com a velha sabedoria que aspira nas horas incertas, o PMDB se fez presente, no tradicional estilo do médico de família, ao fato novo da sucessão presidencial de 2010 relativo à candidatura de ministra Dilma Rousseff. Levou palavras adequadas à circunstância, sem perder tempo e sem contribuir para alarmar o respeitável público das más notícias. O precedente _ em cima da hora de Tancredo Neves tomar posse _ deixou marca sombria. O avô de todos os partidos brasileiros ficou sabendo, ao mesmo tempo que os demais e pela palavra da própria candidata, que ela se livrara de um indício que, tratado às claras, não deixaria margem para ninguém tirar proveito político.

Dona Dilma Rousseff trouxe o fato a público e o presidente Lula se postou discretamente, deixando ver que não abdica da função do que, no teatro antigo, de chamava de ponto: na boca do palco, sem ser notado pela platéia, num espaço cavado abaixo do nível em que se movem os personagens, era o sopro que socorria os atores se a memória lhes falhasse ou por ingerência de Freud. Na própria sucessão, Lula dá as cartas. Não tem PT nem porque.

A candidata manteve o feitio didático de sempre e o controle emocional que incorporou à sua natureza, sem prejuízo do ponto exercido pessoalmente pelo presidente. Lula não mantém mais um olho em 2010 e outro na oposição, mas também não abdica da própria sucessão. O perigo mora ao lado e, a esta altura, está mais no vizinho parede-meia, o velho e safo PMDB, do que no desativado PSDB, cujo estoque de recursos pirotécnicos se esgotou na temporada do mensalão. Não há lugar para mais de duas candidaturas efetivas num pluripartidarismo que nada acrescenta de proveitoso. Os demais fazem figuração, e faturam trocados.

No episódio Dilma, a oposição se comportou de maneira pelo menos correta com que ninguém, nem a candidata, contava. Tanto que, dois dias depois, ela estava no palanque em Manaus, civicamente lépida, enquanto se avivavam os ecos da estridência sonora que levou Lula ao poder em 2002. Uma reeleição, para uma democracia empenhada em superar dificuldades diárias antes que elas a devorem, foi suficiente para quebrar o século 20 inteiro de jejum republicano. Um mandato, e olhe lá. Agora todos querem igualdade de oportunidade. Lula entendeu a tempo que teria de contentar-se com dois mandatos, para evitar o pior. O mal está no princípio que admite a reeleição mas não considera o fim, pois quem pode mais não se contenta com pouco.

O acidente de percurso com a candidata oficial veio mostrar que o presidente mantém as rédeas do processo eleitoral e que importa pouco que a piedosa solidariedade oposicionista tenha a ver com a velha hipocrisia, que vem a ser até hoje a homenagem prestada à virtude pelo vício. Dona Dilma foi selecionada para o papel de estrita confiança do presidente na operação de garantir-lhe, quando passar a ex, a situação de figurante natural entre os pretendentes em 2014. Digamos que se repetiu com ela a confiança que, em situação parecida (sair para voltar) o presidente JK teve na candidatura do marechal Teixeira Lott. Houve quem visse agora, com dona Dilma, a repetição do fenômeno Lott, que era o oposto do que a classe média queria em 1960. Foi o primeiro candidato-poste da História do Brasil, pelo menos com tal característica. Com passado político insuficiente, o eleitorado pequeno-burguês optou pela candidatura de Jânio Quadros, mas a história acabou contada de outro jeito.

Não sendo mais o PSDB a questão, e sim o PMDB, com dupla personalidade em perpétuo revezamento, nada vai alterar o diagnóstico favorável à candidatura Dilma Rousseff, senão na cota do imprevisível. O problema de desloca da candidatura a presidente para a de vice-presidente, que é o rabicho da toda sucessão desde a República Velha. No fundo, não é tão velha assim, pois a fórmula se renova e sempre marcou presença nas sucessões. Principalmente, nos imprevistos posteriores. E o PMDB está aí para servir e, com sua ambivalência, tumultuar para facilitar-lhe bons proveitos.

Lott não tinha incógnitas na sua equação, mas Jânio Quadros não tinha equação, era só incógnitas. Dona Dilma representou a garantia que Lula não encontraria ao seu redor, nem, eleitoralmente falando, está imune à conspiração de um Brutus qualquer. Não depende de Shakespeare. Assim, enquanto a candidata e, por extensão, a candidatura entram em compasso de consolidação, Lula preenche o vazio do espaço em que a oposição economiza energia cívica e o fulcro da questão aberta se desloca, entre os pretendentes potenciais, para a escolha do vice num país em que tal personagem tem tirado a sorte grande por acaso. Sob o signo do realismo entre os que consideram melhor o que resulta de quanto pior se apresente o quadro. Pode ser a vez com que sonha o PMDB para se ressarcir da injustiça histórica que lhe recusou a presidência e nem lhe acena com a vice. A situação se alterou para melhor, só não se sabe mesmo de quem.

Retirada da hipótese do terceiro mandato, por enquanto o foco crítico passa a incidir sobre o encaminhamento do vice. Se vices passassem por uma triagem que levasse em conta o pior, a História do Brasil teria transcorrido diferente. Como doutrina de acomodação de baixo custo, para atender a situações de faz-de-conta, o preço traz implícitas conseqüências maiores do que os problemas contornados na escolha dos presidentes. Ou seja, quando os vices são deixados à mão do acaso e das circunstâncias, nunca se responsabilizam pelo que decidem. O novo papel do presidente Lula será conduzir a sucessão como se fosse a própria segunda reeleição. Há tempo de sobra para o que tiver de ser. Exceto quanto ao que deveria ser.

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