domingo, 29 de março de 2009

Vice americano rebate discurso de Lula sobre crise

Eliane Cantanhêde
Enviada Especial a Viña del Mar
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

No Chile, Lula defende "Estado forte" e incomoda americano

Em cúpula, presidente diz que mundo paga por transformação da economia em cassino; vice de Obama o contradiz e afirma que "livre mercado ainda é necessário"

Em dois discursos na 6ª Cúpula de Líderes Progressistas, realizada ontem em Viña del Mar (Chile), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva incomodou a delegação americana ao defender, a cinco dias da cúpula do G20, "um Estado forte" e dizer que "o mundo está pagando o preço do fracasso de uma aventura irresponsável daqueles que transformaram a economia mundial em um gigantesco cassino".

Ao discursar logo depois, o vice-presidente dos EUA, Joe Biden, discordou abertamente da posição de Lula. Segundo ele, o seu país está disposto a reduzir o risco sistêmico dos mercados globais, mas um excesso de regulamentação pode prejudicar os mercados saudáveis. "Nós não devemos exagerar. O livre mercado ainda precisa estar apto a funcionar. A mim parece que nós devemos é salvar os mercados dos "livre mercadistas"", disse Biden.

Ele, aliás, inviabilizou a divulgação de uma nota final conjunta da Cúpula de ontem, alegando que não tinha aval do presidente Barack Obama para subscrever textos de caráter político. A nota acabou sendo insossa e burocrática.

Ao voltar a falar, Lula desprezou o texto escrito e optou pelo improviso, cobrando ainda mais duramente a responsabilidade dos países ricos. Chamando às vezes os demais líderes pelo nome, ele disse que os ricos precisam recuperar confiança e capacidade de crédito interno e provocou: "Não queremos que comece a cair primeiro-ministro e presidente pelo mundo afora".

Em compensação, Lula defendeu a região: "A América Latina vive uma vigorosa onda de democracia popular", disse. Numa defesa indireta de processos classificados como "populistas" na Venezuela, na Bolívia e no Equador, por exemplo, disse que "muitos desses países precisaram ser praticamente refundados do ponto de vista institucional, com aprovação de novas Constituições".

Lula também bateu nos banqueiros e em seus antecessores. Disse que era "humilhação" o FMI afirmar o que o Brasil tinha de fazer e acusou: "Nossos dirigentes não se respeitavam".Aproveitou para defender os programas de transferência de renda brasileiros e o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), principal plataforma do governo para impulsionar a candidatura da ministra Dilma Rousseff em 2010.

Sob aplausos, Lula ironizou ainda "os yuppies de 30 anos que davam palpite sobre a Bolívia e nem sabiam onde era a Bolívia". E pediu que o premiê britânico, Gordon Brown, mandasse um recado para o G20, que se reúne na próxima quinta em Londres: além de um "projeto progressista" para os organismos multilaterais, deve-se discutir o mercado futuro de petróleo e de commodities, para evitar especulação.

Fundo de petróleo

Em rápida entrevista a jornalistas noruegueses, Lula disse que o seu governo estuda a possibilidade de adaptar para o Brasil o modelo do Fundo do Petróleo da Noruega, uma espécie de fundo de pensões que aplica recursos provenientes da produção para garantir o "bem-estar das futuras gerações", principalmente um bom sistema de previdência do país.

Em alusão à descoberta do pré-sal, jazidas de grande profundidade no litoral entre Santa Catarina e Espírito Santo, Lula disse: "Agora que encontramos muito petróleo no Brasil, estamos muito interessados em conhecer o Fundo do Petróleo na Noruega, para que a gente possa criar algo que tenha similaridade, para que a gente utilize as riquezas do petróleo para ajudar a nossa gente".

A Noruega é o terceiro maior exportador de petróleo do mundo e tem uma empresa 100% estatal para o setor, a Petoro, que destina recursos ao fundo. Administrado pelo Banco Central, esse fundo investe em empresas e Bolsas em diferentes continentes, inclusive a América. Antes de perdas estimadas em US$ 90 bilhões, por causa da crise, seu capital estava próximo de US$ 400 bilhões.

Participaram da cúpula os presidentes Lula, Michelle Bachelet (Chile), Cristina Kirchner (Argentina), José Luiz Zapatero (Espanha) e Tabaré Vazquez (Uruguai), além de Biden e dos premiês Brown e Jens Stoltenberg (Noruega).

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