quarta-feira, 18 de março de 2009

Não dê motivo

Panorama Econômico :: Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Hoje o pacto contra o trabalho escravo completa quatro anos. Se você é empresário, exportador, e pensa que esta coluna deveria estar tratando da crise, de temas mais econômicos, saiba que este assunto tem muito a ver com seus negócios. Mais ainda por causa da crise internacional. Se o Brasil não abolir essa prática, enfrentará cada vez mais barreiras comerciais aos seus produtos.

Não vai adiantar culpar o protecionismo dos ricos. O Brasil é que precisa mudar para não dar o álibi perfeito a quem quer barrar o produto brasileiro. Em vez de condenar o pacto e se dizer vítima de protecionismo, os grandes produtores rurais, os grandes frigoríficos, os produtores de açúcar e álcool deveriam rejeitar qualquer tipo de ambiguidade em relação ao assunto.

O Ministério do Trabalho encontrou em situação degradante, prisioneiros de falsas dívidas, sem receber salário ou tentando fugir de capangas armados, ao todo, 26.890 trabalhadores de 2003 a 2008, desses quase 30% no setor sucroalcooleiro. Nos últimos dois anos, as usinas de cana de açúcar respondem pela metade dos trabalhadores encontrados nessa situação. Neste período, 1.369 fazendas foram fiscalizadas após denúncias recebidas. Se a conta for feita de 1995 a 2009, o número de fazendas fiscalizadas foi de 2.207.

Em número de ações de fiscalização, a pecuária ganha. Normalmente, as denúncias chegam juntas com as de desmatamento, explica Ruth Vilela, secretária de Inspeção do Ministério do Trabalho.

- A série histórica mostra que os casos acontecem mais na pecuária, não na atividade em si de criação de gado, mas sim no período de desmatamento ilegal para a formação de pastos.

Em número de trabalhadores vítimas dessa prática, os usineiros estão à frente nas estatísticas. Ao todo, as verbas rescisórias devidas aos trabalhadores nas fazendas autuadas chegaram a R$48 milhões de 1995 a 2009. Em 14 anos, foram 23.427 autos de infração registrados. Para cada crime, um auto. Portanto, vários crimes foram encontrados pelos fiscais. Na fazenda Pagrisa, no Pará, entre outros absurdos, os fiscais encontraram, por exemplo, descontos abusivos na venda de remédios no barracão da fazenda. Assim, em alguns casos, não sobrava o que receber pelo funcionário.

- As ações de fiscalização são a atividade normal do grupo móvel do ministério, mas o pacto é um movimento da sociedade, que juntou forças - diz Ruth.

Há quatro anos eu estava lá em Brasília, no lançamento do pacto. É uma união interessante: do Ethos, do Repórter Brasil - uma ONG criada por jornalistas que se dedica a combater esse crime -, a Organização Internacional do Trabalho e o governo. A ideia era envolver as empresas, mostrando a elas um estudo que revelava o quanto havia de trabalho escravo na cadeia produtiva. Mesmo empresas industriais, e as grandes cadeias de supermercados, acabavam sendo cúmplices do crime sem saber, porque seus fornecedores praticavam ou compravam de quem praticava trabalho escravo.

Quando cheguei, um dos organizadores do pacto veio me contar, animado, que eles tinham conseguido adesão até de alguns usineiros de cana de açúcar, mas lamentava a ausência da cadeia da carne. Pecuaristas e frigoríficos não tinham aderido até aquele momento. Fui falar com um dos usineiros que tinha aderido: José Pessoa de Queiroz Bisneto. Hoje, ele está fora do pacto, foi desligado porque em duas de suas fazendas houve flagrantes de trabalho degradante. Ao todo, quatro empresas foram desligadas: duas de José Pessoa, a Usimar e o frigorífico Quatro Marcos.

De lá para cá houve avanços e retrocessos, adesões importantes, pontos inexplicáveis de resistências. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) combate na Justiça a existência da Lista Suja do Ministério do Trabalho. Quem é autuado fica nesta lista por dois anos. Ela é fundamental para informar quem cometeu o crime. A usina Gameleira, que foi flagrada quatro vezes e é de um irmão do deputado Armando Monteiro, da CNI, entrou e saiu da lista, uma vez por liminar na Justiça, outra por cumprir as determinações. Aí, mudou a razão social.

Os supermercados Wal-Mart, um dos signatários do pacto, começaram ontem uma campanha em seu site contra o trabalho escravo. A ideia é que qualquer pessoa possa assinar o pacto pela internet e enviar para outras pessoas. No site, o Wal-Mart conta que já suspendeu contratos com duas empresas que utilizavam mão de obra escrava. Nas lojas, para os clientes, já foram colhidas 40 mil assinaturas.

É preciso erradicar esse absurdo do país. Do contrário, as barreiras contra o Brasil virão. Principalmente agora que o protecionismo vai aumentar mesmo. A melhor forma de enfrentar o protecionismo é remover o motivo das barreiras.

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