quarta-feira, 25 de março de 2009

Duas no cravo, uma na canela

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Apesar das previsões, déficit externo está contido, não houve "inflação do dólar" e é possível evitar o Pibinho zero

TEMOS UM problema a menos, parece. Talvez dois. Num período de deflação financeira e inflação de encrencas, não é de jogar fora. No início da nossa crise, no final de 2008, imaginava-se que o Brasil corria o risco de ficar com as contas externas ainda mais no vermelho e que a desvalorização do real ameaçaria inflar os preços.

Tais hipóteses parecem agora bem remotas. Mas era comum ouvir economistas de peso incluí-las nas primeiras linhas dos seus "balanços de riscos". Isso até vir a notícia da catástrofe de dezembro, o naufrágio da indústria, sabido em janeiro. Faz dois meses. Parece que foi no pré-cambriano. Imaginava-se então que o país cresceria demais para um ambiente mundial de crise, gastaria demais e não teria como financiar suas despesas em moeda "forte" (dólar).

Diga-se de passagem que tanto o Banco Central como a Fazenda acreditavam mais ou menos nessa hipótese: o BC vendo riscos, Fazenda e Lula vendo fortalezas. No ar.

A julgar pelos dados divulgados ontem pelo BC, o déficit externo parece comportado (trata-se da diferença entre o que o país gasta e recebe na compra e venda de bens e serviços no exterior). O déficit por ora previsível está sendo coberto pela entrada do investimento dito "produtivo".

Quanto mais déficit, mais risco de alta do dólar, por exemplo.

Em outras crises, a aversão do capital ao Brasil era tão grande que em geral quebrávamos e/ou vivíamos grandes desvalorizações. Havia ainda aumentos brutais do custo da dívida pública interna. Não desta vez.

O desagradável é que a baixa dos riscos de inflação e déficit externo se deveu a uma encrenca maior do que a esperada: o afundamento brusco e inédito da atividade econômica. Importamos menos, viajamos menos, há menos remessas de lucros porque a atividade caiu etc. Mas também vamos vender 20% menos para o exterior, neste ano.

Foram duas no cravo e uma forte na canela, para não dizer ferradura. Não ficamos sem gasolina no tanque porque o carro passou a andar devagar, quase parando. Ainda assim, poderíamos ter tido alguma inflação derivada do real fraco, mesmo com o PIB baixo, e os investidores poderiam ter desistido do país (no caso de aplicações financeiras, ainda há fuga de dinheiro, mas, no caso do investimento dito "produtivo", os resultados são surpreendentemente bons).

Isto posto, a média dos economistas mais ligados à finança acredita em crescimento zero da economia em 2009; o governo sonha com alta de 2% do PIB. Mas, como o demonstra a volatilidade de previsões e análises econômicas, o futuro não está dado, embora um tanto prejudicado.

Há meios de evitar que o PIB cresça menos que a população, ao menos. O governo vai anunciar um pacote de construção de casas. Talvez até menos importante que a tralha de números será o modus operandi. O governo opera muito mal quando se trata de investir, como esta Folha o demonstrou no caso do conserto das estradas, coisa até simples de fazer. Outra medida é suspender o aumento dos servidores -ninguém vai ter aumento neste ano, se é que vai ter emprego. Por fim, o talho dos juros deve continuar. Para tanto, o governo terá de tomar mais medidas impopulares, como mexer na poupança. Não tem jeito.

Nenhum comentário: