sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Alguns aspectos teóricos e praticos do "economismo"

Gramsci
“A formulação do movimento da livre troca baseia-se num erro teórico do qual não é difícil identificar a origem prática: a distinção entre sociedade política e sociedade civil, que de distinção metódica se transforma e é apresentada como distinção orgânica.


Assim, afirma-se que a atividade econômica é própria da sociedade civil e que o Estado não deve intervir na sua regulação.

Mas, como na realidade fatual sociedade e Estado se identificam, deve-se considerar que também o liberalismo é uma “regulamentação” do caráter estatal, introduzida e mantida por caminhos legislativos e coercitivos: é um fato de vontade consciente dos pr´prios fins e não a expressão espontânea, automática, do fato econômico.

Portanto, o liberalismo é um programa político, destinado a modificar, quando triunfa, os dirigentes de um Estado e o programa econômico do próprio Estado; isto é, a modificar a distribuição da renda nacional”.

Antonio Gramsci: Maquiavel, a política e o Estado moderno, - 3ª edição, Civilização Brasileira, pág. 32. ( tradução de Luiz Mário Gazzaneo

Caminhos para 2010 em 2009

César Felício
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Passará pelos corredores da Câmara e do Senado e pelos palácios da Liberdade e do Campo das Princesas boa parte dos lances em 2009 que projetarão a sucessão presidencial de 2010. Objetos de disputa, o governador mineiro Aécio Neves (PSDB), o PMDB e o PSB sinalizam com vôo próprio. Não serão as curvas da Bovespa, das taxas de desemprego, câmbio e inflação que escreverão a história da eleição em 2010, ainda que sejam decisivas para pautar o comportamento dos agentes do processo político.

A crise econômica, a princípio, coloca embaraços para todos os envolvidos na disputa presidencial em 2010. A oposição controla os dois Estados que devem ser os mais atingidos pela retração: São Paulo e Minas Gerais. É difícil crer que poderão manter um programa de investimentos robusto com arrecadação em queda. E era o extinto crescimento econômico no ritmo de 6% ao ano que garantia boa parte da espetacular aprovação popular do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com este índice oscilando entre zero e 2,5%, como indicam as previsões de mercado para o próximo ano, é possível que aprovação popular presidencial volte a ser o que era nos idos de 2004, quando seu índice de avaliação boa ou ótima chegou a 35% no terceiro trimestre daquele ano, a metade do que é atualmente. Pouco para impulsionar uma candidatura à sua sucessão.

Do ponto de vista político, o ano de 2009 abre com sombras no horizonte dos dois favoritos para encabeçar a polarização na disputa presidencial de 2010: o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT).

Líder inconteste nas pesquisas de intenção de voto, Serra já garantiu o apoio do parceiro DEM dentro de dois anos, mas ao longo deste ano continuou sem conseguir se impor dentro da própria sigla. Serra neutralizou o rival local, o ex-governador Geraldo Alckmin, ao ajudar de forma velada na reeleição do prefeito paulistano Gilberto Kassab (DEM). Mas a vitória de Márcio Lacerda (PSB) em Belo Horizonte manteve o governador mineiro, Aécio Neves, no páreo, como o próprio fez questão de dizer, ao encontrar-se com a direção nacional do partido no início de dezembro.

O mineiro sugeriu a realização de prévias partidárias, algo impensável para um partido que nunca levou suas disputas internas sequer para uma convenção. Mas a proposta foi uma boa maneira de descartar o embrião do acordo oferecido por Serra e pelos integrantes do DEM: oferecer a Aécio o posto de vice na chapa e articular o fim da reeleição com o aumento do mandato presidencial, para criar expectativas de poder. O rival de Serra já demonstrou que não aceita pesquisas eleitorais como argumento para consagrar o paulista.

É difícil imaginar Serra abrindo mão da candidatura presidencial em 2010 para apoiar Aécio, repetindo o comportamento de 2006, quando cedeu a vez para Geraldo Alckmin. Mas não ter o apoio de Minas pode ferir de morte uma candidatura presidencial do paulista. Por isso os próximos movimentos de Aécio Neves serão decisivos para o PSDB tornar-se ou não o favorito na sucessão de 2010.

O processo eleitoral deste ano sepultou qualquer possibilidade de o PT construir uma candidatura presidencial por suas próprias forças. Ficou patente que faltam à ex-ministra do Turismo Marta Suplicy, aos ministro da Justiça, Tarso Genro, e do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, e ao governador da Bahia, Jaques Wagner, força em seus redutos eleitorais. Direta ou indiretamente, todos perderam. A escolha do candidato petista em 2010 será um "dedazo" do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para lembrar a terminologia usada no México durante a dominação do PRI, quando o presidente de turno escolhia seu sucessor sem contestações. Dilma Rousseff continua encabeçando a preferência presidencial. Como dois anos ainda é muito tempo para uma eleição, Lula deixa dois outros tecnocratas em "stand-by": o ministro da Educação, Fernando Haddad e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.

A amplitude da aliança a ser costurada pelos petistas começará a ser definida em fevereiro, com a escolha das mesas diretoras da Câmara e do Senado. A decisão do PMDB de disputar a presidência das duas Casas abriu o campo para que oposicionistas e petistas disputem a condição de maior aliado dos pemedebistas e para que os pemedebistas da Câmara e do Senado aprofundem suas diferenças. Em cenário de divisão total, o PMDB poderá perder a condição de aliado estratégico tanto de tucanos quanto de petistas. Não custa lembrar, que, na história das cinco últimas eleições presidenciais, os pemedebistas só fecharam aliança com outra sigla uma única vez: quando apoiaram Serra em 2002, não sem grande dissidência. O ano de 2008 termina com os pemedebistas indo em marcha batida para o desembarque do comboio petista para 2010: a sigla se afastou regionalmente do PT na Bahia e em São Paulo.

Sem o PMDB, restará ao Planalto duas opções arriscadas: assistir ao bloco de partidos de esquerda articular uma candidatura presidencial de Ciro Gomes, como forma de garantir o segundo turno em 2010, ou tentar fechar uma aliança com PSB, PCdoB e PDT já no primeiro turno. O risco da primeira opção é que Ciro tem densidade popular suficiente para disputar com qualquer candidato petista a segunda vaga em um segundo turno da eleição presidencial.

E o perigo da alternativa é construir para si um cenário sem segundo turno, em um momento que pode ser marcado por popularidade presidencial em baixa e candidato oposicionista com alto índice de intenções de voto. Sem um apoio decidido do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que é o presidente nacional do PSB, uma candidatura presidencial de Ciro Gomes encontrará obstáculos graves. E ainda estão para ser definidos quais papéis jogarão um e outro na arena de 2010.

César Felício é repórter de Política. A titular da coluna, às sextas-feiras, Maria Cristina Fernandes não escreve hoje, excepcionalmente

O bom humor natalino do presidente

Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


O temperamento do presidente Lula andou oscilando nos últimos dias entre a ansiedade com a crise de financiamento do mundo, as inundações que batem recorde em número de vítimas e áreas atingidas e o bom humor da temporada natalina.

Carimbou um dos seus mais transparentes momentos de lucidez no café da manhã com os jornalistas em mesa talhada para reunião do megaministério de 38 titulares entre ministros e secretários.

Como era inevitável o tema da sua sucessão, Lula deu voltas no trapézio para driblar a evidência do lançamento, por sua iniciativa em lance de risco, da candidatura da ministra Dilma Rousseff. Ora, no rol das obviedades, a primeira trava previne o choque do imprevisto no desdobramento da bagunça da economia que dá volta ao mundo. As bravatas para tentar espantar o abantesma foram sendo recolhidas à medida que as economias poderosas entravam em colapso e a comparação com a marolinha se desmanchava na praia.

O presidente cultiva a sua esperança. Sem ela, como saco vazio, não ficaria de pé. Mas engatou uma segunda, à espera do resultado dos testes. Creio que seria dispensável a afirmação, que provocou o riso dos repórteres, de que nunca conversou com a ministra Dilma sobre a sua candidatura. Mas como, presidente? Pois, se por sua iniciativa a candidatura da ministra foi levantada em reunião do Diretório Nacional do PT, que é hoje uma legenda que parece papagaio sem rabo, com o recuo tático dos poucos que ainda cultivam a mal- me-quer nos terrenos baldios. Os três ou quatro aspirantes murcharam como as ditas flores em jarra seca.

A entrega da gerência do Programa de Aceleração do Crescimento – o PAC da sigla que é o carro-chefe do governo – para a arrancada no novo ano da pré-campanha é a mais comovedora demonstração de apoio no único projeto oficial de candidatura.

O mais nítido flagrante panorâmico da campanha mostra o elenco da novela perdido no enredo sem pé nem cabeça. O PMDB transformou-se na hiena que se péla carne e a carniça que o governo distribui na aquisição de apoio parlamentar. O partido se farta com a presidência da Câmara, assegurada para o seu presidente, deputado Michel Temer. E renuncia a disputar a Presidência da República, mesmo diante do quadro favorável do infortúnio do PT e das dúvidas presidenciais.

A oposição – PSDB e DEM – tem à disposição a dupla favorita nas pesquisas, composta pelos governadores José Serra, de São Paulo, e Aécio Neves, de Minas Gerais, e não apenas não dispõe do líder capaz de articular uma da dezena de fórmulas para montar a chapa, como perde o rumo de casa e bate com a cabeça na parede com as propostas ridículas como a prévia partidária – receita fatal do racha – quando a experiência ensina que, na impossibilidade de acerto, a saída pela janela é deixar que a Convenção decidida na briga e no voto.

Lula tem tempo e condições de virar o jogo. Dispõe de um ano inteiro para tocar as obras que se arrastam, marcar presença em todas as áreas devastadas pelas enchentes, que chegaram a Minas, ao estado do Rio, além de Santa Catarina e parte do Rio Grande do Sul. E, pelo que as imagens mostraram, as obras de irrigação de parte do Nordeste, com as águas do Rio São Francisco, estão caminhando com a dedicação e competência das equipes especializadas do Exército.

O anjo-da-guarda de Lula é competente.

Quem diria, 2008

Fernando Gabeira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


RIO DE JANEIRO - Todos os anos faço um balanço, tiro conclusões. Em 2008 fico devendo. Depois de uma campanha eleitoral de seis meses, parei alguns dias para estudar e concluí: o mundo em que vivia, sob muitos aspectos, já não existe mais.

Todos prevíamos um tipo de crise. Aterrissagem suave ou dura nos EUA? Até que ponto vão se endividar mais? Não previ o quase colapso do sistema. Não vou me culpar por isso; os economistas também falharam. Há sempre a tentação de empurrar a própria agenda na crise. Energia, sustentabilidade, redução de emissões.

Os que optam pelo Estado anunciam sua volta triunfal. Lembram-me um ministro húngaro: antes uns fanáticos nos garantiam que o Estado resolve tudo; agora vieram outros fanáticos, dizendo que o mercado resolve tudo. É a melhor combinação dos dois que está em jogo.

Se a economia nos chocou, a política nos encheu de esperança. Teremos de novo os Estados Unidos na luta contra o aquecimento, renovando em energia, empenhando-se conosco nas soluções diplomáticas para os conflitos no mundo. Obama escolheu dois homens capazes para ciência e para energia.

Evitei discutir 68. Indiretamente, acertei. Tanto falamos de 68 em 2008 e não sabíamos ainda do surgimento de uma crise que só acontece duas vezes num século. Talvez tenhamos de começar a contar também os aniversários desse ano.

Nele as coisas vieram da economia, que mexe com a sobrevivência. Em 68, emergiam as questões ligadas à liberdade. Necessidade e liberdade, outra combinação delicada.

Obama é uma referência mundial. Até que ponto vai domar a crise, achar novos caminhos, combinar a necessidade de decidir com o reconhecimento de que nem tudo está claro? Tarefas para um novo tempo. E um novo tipo de governo: mais aberto à vida real.

Crises cíclicas

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. Ao contrário de indicar o fim do capitalismo, o estouro da bolha imobiliária que desencadeou a crise econômica e provocou a intervenção governamental de vários países no sistema financeiro internacional é uma repetição, turbinada pela globalização, do que vem acontecendo através dos anos, ciclicamente. No famoso livro "Manias, Pânicos e Crashes", Charles Kindleberger e Robert Aliber listam dez bolhas financeiras através dos tempos, começando com a das tulipas, em 1637, e acabando com a bolha da tecnologia, no final dos anos 1990. A atual onda de críticas à ganância de Wall Street tem também precedentes, quando a desregulamentação excessiva levou à especulação financeira exacerbada, mas benéfica para a produção de riqueza. Houve também épocas de ação direta do governo, criando, no entanto, distorções no mercado.
Na introdução à edição de 1997 de seu clássico "The Great Crash, 1929",("O Grande Crash, 1929") o economista John Kenneth Galbraith foi premonitório: sempre que você ouvir alguém de Washington garantir que "os fundamentos da economia estão sólidos", saiba que alguma coisa está errada, avisou.

Ele atribuía a longevidade de seu livro, publicado pela primeira vez em 1955, principalmente ao fato de que sempre está ocorrendo uma crise financeira ou o estouro de uma bolha que reacende o interesse pelo grande caso da era moderna de crescimento e colapso econômico, que levou a uma "inesquecível" recessão.

Galbraith dizia que não fazia previsões, apenas constatava que o fenômeno se repetia desde 1637, quando especuladores holandeses viram nas tulipas uma estrada mágica para a fortuna. Talvez tenha sido otimista ao escrever, naquela ocasião, que uma próxima crise não teria conseqüências tão graves quanto as de 1929, mas não teve dúvidas de prever que uma recessão seria provável em caso de nova crise.

Todas as crises econômicas dos últimos tempos tiveram origem nos financiamentos imobiliários, com reflexos nas ações da Bolsa de Valores, seja no Japão, na Finlândia, Noruega e Suécia, de 1985 a 1989, seja em países asiáticos como Tailândia e Malásia, entre 1992 e 1997, ou a bolha da internet nos Estados Unidos.

A máxima marxista de que a economia determina a política, popularizada na frase do marqueteiro James Carville "É a economia, estúpido", justificando a vitória de Clinton em 1992, está cada vez mais em voga hoje com a crise econômica internacional.

Talvez tocados pelo espírito de Natal, dois grandes articulistas trataram do assunto recentemente sob a ótica das visões moralistas da crise, uma relação que vem sendo muito examinada neste período de dificuldades que desencadeia sentimentos de culpa e acusações de ganância.

Os dois consideram o capitalismo e a democracia elementos associados. Martin Wolf, do "Financial Times", ecoando o economista inglês John Maynard Keynes, adverte, porém, que não devemos tratar a economia com moralismos, mas com visão técnica, já que os mercados não são "nem infalíveis nem dispensáveis", e sim "o reforço de uma economia produtiva e liberdade individual".

Já o sociólogo Mariano Grondona, no "La Nácion", de Buenos Aires, diz que "tanto na política quanto na economia, quando o dinheiro se instala no alto da escala de valores, o que surge não é nem capitalismo nem democracia, mas suas máscaras grosseiras".

A mesma discussão desencadeada hoje já houve em 1930, lembra Wolf, quando duas posições ideológicas se opunham: uns queriam "purgar" os excessos do capitalismo, outros queriam substituí-lo pelo socialismo, e uma visão religiosa dominava o debate.

Na análise de Grondona, não estamos assistindo ao fim do capitalismo, mas sim a "um esquecimento perigoso de seus fundamentos morais". Para ele, diante da voracidade do mercado, ficam esquecidos "o respeito à palavra empenhada, a santidade dos contratos, o valor da poupança ante os gastos, a ganância instantânea do esforço do trabalho", valores que hoje correm perigo.

A receita, diz ele, não seria abandonar o capitalismo, mas ao contrário, voltar às suas fontes originais. O sociólogo argentino faz um paralelo do capitalismo com a democracia, que classifica de "outro grande componente moral de nosso mundo".

A democracia, diz Mariano Grondona, tem origem em uma ética exigente nascida de uma tradição mais antiga que o capitalismo, a ética do cidadão que Péricles exaltou há mais de dois mil anos.

Tanto Grondona quanto Martin Wolf fazem paralelos entre a eleição de Barack Obama à Presidência dos Estados Unidos e o momento atual, só que de maneiras opostas. Para Wolf, a eleição de Obama representa uma posição pragmática do eleitor americano para enfrentar a crise econômica com a melhor opção.

Para Grondona, a eleição de Obama fez muita gente voltar a acreditar na democracia, cujos princípios morais mais altos foram recuperados durante a campanha eleitoral.

O argentino é mais pessimista em relação ao momento atual do mundo, onde faltaria o elemento básico tanto para a democracia quanto para o capitalismo: a integridade.

O cidadão íntegro, ressalta Grondona, não está contaminado, e, quando isso acontece, no máximo de sua escala de valores estão o patriotismo no político, e o trabalho na economia.

Quando esses valores perdem a importância, o dinheiro ocupa o vácuo e torna-se um usurpador dos valores da sociedade, vira um ídolo.

Que o próximo ano não seja tão ruim quanto está parecendo. A coluna voltará a ser publicada na terça-feira dia 6 de janeiro.

La izquierda ante el cambio de ciclo

Enrique Gil Calvo
DEU EM EL PAÍS (ESPANHA)

La crisis y la victoria de Obama auguran un nuevo tiempo estatal, keynesiano y progresista

Sobra lucha mediática y falta trabajo en las bases sociales

Confirmando el sambenito que se cuelga a los bisiestos, 2008 pasará a la historia como el año en que estalló la mayor crisis económica de la época reciente. Pero reducirlo a eso sería injusto, pues 2008 también es el año de la prodigiosa victoria de Barack Obama. Un acontecimiento tan excepcional como el estallido de la crisis global, aunque de signo radicalmente opuesto. Y esta rara coincidencia en el tiempo de ambos hechos históricos permite aventurar que quizá no sea casual. Es posible que tanto la crisis como el landslide electoral sean producto de un seísmo estructural de los EE UU, dislocados por los efectos del ciclo neoconservador que se inició en 1968 con la elección de Nixon. Es posible que, sin el clima excepcional de crisis aguda del sistema, la elección de un negro como presidente no se hubiera producido. Y es posible también que, dada la gravedad sistémica de la crisis, sólo un presidente tan extraordinario como lo es Barack Obama pueda gestionar su futura resolución con ciertas esperanzas de éxito. Por eso tenemos derecho a pensar que en 2008 se ha producido un cambio histórico de ciclo.

Se ha dicho que el siglo XXI comenzó con la caída del Muro de Berlín que puso fin a la guerra fría o con la caída de las Torres Gemelas que inició la llamada guerra contra el terror. Pero con iguales o mejores razones podríamos decir que el siglo XXI ha comenzado en 2008. La coincidencia de la crisis financiera con la elección de Obama ha supuesto el final del ciclo económico-político iniciado en 1968 con la elección de Nixon bajo el síndrome de la guerra de Vietnam. Entonces se puso fin a la era de predominio estatal, demócrata y keynesiano abierta 40 años antes con el New Deal de Roosevelt y concluida con la Great Society de Kennedy-Johnson. Mientras que a partir de 1968 se inició un nuevo ciclo opuesto al anterior, caracterizado por la primacía del mercado, del ultraliberalismo y del pensamiento neoconservador, bajo la égida de los presidentes republicanos Nixon, Reagan y Bush. Y por eso, el acceso a la presidencia de alguien tan excepcional como Barack Obama, en medio de una crisis económica sin precedentes y bajo el síndrome de la guerra de Irak, parece augurar el comienzo de un nuevo ciclo antitético y contrapuesto al anterior: un ciclo de nuevo estatal, keynesiano y progresista, aunque no necesariamente izquierdista.

¿Qué posibilidades hay de reconstruir la izquierda, al hilo de este cambio de ciclo económico-político abierto en 2008? Aparentemente, no demasiadas. La izquierda está literalmente arrasada en toda Europa, sin que el Reino Unido y España supongan ninguna excepción. Por su parte, la izquierda latinoamericana está degenerando hacia el peor autoritarismo populista. Y en cuanto al movimiento altermundista, continúa dejándose seducir con demasiada frecuencia por el estéril nihilismo de la violencia antisistema, dado el atractivo mediático de disturbios como los de Atenas o las banlieues parisinas. Por eso, la mejor forma de entender el actual marasmo de la izquierda es explicarlo como un final de ciclo. En efecto, la izquierda actual todavía continúa afectada por los efectos retardados de Mayo 68: aquel festival político improvisado en el mismo año que alumbró la elección de Nixon. Y es que su impacto mediático fue tal que en seguida se revistió con el carisma o la aureola del método infalible, dada su demostrada eficacia movilizadora. De ahí que, inmediatamente, todos los movimientos sociales y políticos de la izquierda europea se convirtieran en emuladores de Mayo 68, pasando a imitar sus nuevos repertorios movilizadores y discursivos.

El método Mayo es otra muestra de la "estetización de la política" atribuida por Walter Benjamin al fascismo de entreguerras. Lo que el fascismo de hace 80 años significó para la derecha como método de movilización política es lo mismo que 40 años después significó Mayo 68 para la izquierda, haciendo de la lucha política una función de teatro mediáticamente movilizadora, que busca el golpe de efecto espectacular para atraer la atención del espectador. Pero por eficaz que parezca a primera vista, el problema de la espectacularización política es que cae víctima de un esteticismo estéril y gratuito. De ser un medio puesto al servicio de fines políticos, el método movilizador tipo Mayo 68 se autonomiza para convertirse en un fin en sí mismo. Ya no hay estrategia política de largo plazo (¿qué objetivos buscamos alcanzar con nuestra movilización?) sino sólo táctica movilizadora de corto plazo: ¿qué repertorio es más eficaz para interesar a los medios informativos? Y la movilización degenera hasta convertirse en miope activismo gratuito, que se desentiende de cualquier contenido político (organizar bases sociales, crear redes de solidaridad, defender intereses y derechos) para concentrarse en la busca de titulares de prensa cada vez más impactantes. De ahí la deriva activista de Mayo 68 y sus secuelas hacia una escalada de la transgresión que, como el fascismo de entreguerras, acabó por caer en el terrorismo nihilista. Una deriva que en el mejor de los casos, aun renunciando a la violencia, no supo evitar la compulsión antipolítica que define a la izquierda puritana, libertaria o exquisita.

Cuarenta años después, aquellos polvos han traído estos lodos. Al dejarse contagiar por la miope eficacia movilizadora del método Mayo, mediáticamente provocador pero políticamente estéril y gratuito, la izquierda europea ha ido perdiendo su hegemonía cultural sobre sus bases sociales tradicionales (clases trabajadoras y segmentos sociales progresistas) hasta dilapidar sus antiguas redes de confianza y capital social. Todo por culpa del abandono de una estrategia política basada en el reforzamiento organizativo de los partidos de clase como partidos de masas para pasar a concentrarse en la lucha mediática por el control de la opinión pública, dentro de lo que Sartori llama "videopolítica" y Bernard Manin "democracia de audiencia". Hora es de que cese esta deriva mediática y la izquierda recupere su sentido de la política.

Por eso es de esperar que la experiencia de 2008, con la crisis económica y la elección de Obama como catalizadores, permita a la izquierda superar su crítica decadencia e iniciar un nuevo ciclo de ascenso y recuperación. Un nuevo ciclo de acumulación política en el que, renunciando al fallido repertorio transgresor de Mayo 68, vuelva a rehacer sus fuerzas movilizadoras reconstruyendo nuevas redes de confianza y capital social. Y ello, además, según el eficaz ejemplo que ha dado la victoriosa plataforma de Obama, que logró movilizar en un solo movimiento unitario a fuerzas tan heterogéneas como los latinos, los afroamericanos, las feministas o los trabajadores amenazados por la crisis económica. Pues bien, eso mismo tendría que hacer la izquierda europea. En lugar de encerrarse en sí misma según el ejemplo del socialismo francés, étnicamente limpio frente a unas bases sociales tan multiculturales como las francesas, habría por el contrario que abrir la izquierda a la representación de los auténticos trabajadores que son los inmigrantes de múltiples procedencias: latinos, eslavos, magrebíes, africanos, asiáticos. Pues sólo así, construyendo desde abajo redes interculturales y pluralistas de confianza mutua y solidaridad colectiva, podrá la izquierda enfrentarse con éxito a la crisis económica, como condición necesaria y suficiente para recuperar su capital social, recrear su poder de convicción y diseñar una nueva estrategia política.

Enrique Gil Calvo es profesor titular de Sociología de la Universidad Complutense de Madrid.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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