sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Cinismo e esperança


Fernando Gabeira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


RIO DE JANEIRO - Longo fim de semana de leituras. John Rawls, aulas de filosofia política. Há algo que vale a pena mencionar. Serve ao Brasil de hoje. Ele critica o cinismo dos que não acreditam na política. Dos que acham que política é apenas algo a se obter e como obter. Os princípios de justiça e bem comum seriam apenas uma espécie de cortina de fumaça para enganar os ingênuos.

Rawls afirma que esta tese subestima a inteligência dos eleitores. Eles sabem distinguir quando princípios são apenas uma retórica enganadora. Ele não viveu para ver sua tese comprovada. Os eleitores de Barack Obama acreditaram ver princípios sinceros em seu discurso. E apostaram nele. Podem acertar ou não, mas apostaram.

O resultado de um processo desse tipo é a aproximação entre Estado e sociedade. É disso que se trata, principalmente, a eleição nos EUA. O clima mudou, e com os mecanismos modernos de participação, internet à frente, abrem-se novas possibilidades de governar com a colaboração ativa dos eleitores.

As eleições de 2010 apresentam nomes administradores com capacidade técnica. Claro que eles têm também grande capacidade política. De outra forma não teriam sobrevivido até aqui.

Mas a dúvida é se conseguem empolgar a sociedade. Se conseguem construir essa ponte entre governo e eleitores. A própria campanha vai dizer isso. Se os eleitores limitarem-se a assistir a debates e a comparecerem às urnas, a aproximação talvez não se dê. Não é um desastre.

Grandes administradores continuarão realizando suas aritméticas tarefas, negociando com o Congresso. Mas a distância entre Estado e sociedade não terá sido encurtada. E o tédio pode florescer num campo, potencialmente, aberto à emoção.

O "sim, podemos" periga ser traduzido em "sim, podemos ver tudo da poltrona da sala".

LIVRO: LANÇAMENTO


Quem preside, Lula ou Meirelles?


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - De Luiz Inácio Lula da Silva, em mais uma das cerimônias-comício em que é especializado, no dia 2, em Recife: "Todo mundo sabe que temos uma taxa de juros acima daquilo que o bom senso indica que deveríamos ter".

Cabe explicar ao leitor distraído que Luiz Inácio Lula da Silva vem a ser o presidente da República, eleito em 2002 e reeleito em 2006.

Nessa condição, cabe a ele indicar todos os ministros e também o presidente do Banco Central, a instituição que estabelece a taxa de juros que está "acima daquilo que o bom senso indica".

Em um país normal, quem faz o que o chefe acha "insensatez" é demitido liminarmente, sem direito a indenização.

Aliás, esta Folha publica mensalmente, faz um bocado de tempo, um texto que, com pequenas variações, afirma que "Lula pressiona Banco Central por queda na taxa de juros" (foi o título mais recente da série, dia 4). Periodicamente, o BC dá uma solene banana às "pressões" de Lula -e não acontece nada. Nem Lula renuncia por ser desautorizado por um subordinado, nem demite o presidente do banco.

Ainda por cima, vem a corrente majoritária do PT, supostamente o partido do governo, e ataca frontalmente o BC como "último bastião da ortodoxia", como se o presidente do BC tivesse dado um golpe e se sentado na marra na cadeira, em vez de ter sido nomeado por Lula (aliás presidente de honra do PT) e por ele mantido no cargo por seis anos, mesmo sendo supostamente tão desobediente e "insensato".

Seria tudo muito ridículo não fosse o seguinte fato da vida: Lula terceirizou a política econômica para Meirelles, que faz o que bem entende com os juros. Foi a maneira que encontrou de acalmar as piranhas do mercado financeiro, as únicas que podem desestabilizar um governo que não lhes dê o sangue que pedem insaciavelmente.

Lula no Dilma ou nada


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Cutucado pelos espinhos da crise econômica internacional, pelo inchaço dos índices do candidato José Serra, governador de São Paulo, nas últimas pesquisas, e pelo reconhecimento da mediocridade da lista dos aspirantes petistas que não podem ser levados a sério, o presidente Lula decidiu ir para o tudo ou nada com a sua candidata, a ministra Dilma Rousseff, e mergulhar de cabeça nas águas da campanha.

É inútil desviar o rumo da conversa para a avaliação se este é o melhor ou o pior momento para saltar as ameaças de uma recaída na praga na inflação na faixa decisiva de 2009, pois, a partir de agora, qualquer recuo será uma confissão do fracasso de Dilma – primeira e única – e do comando do maior líder popular da História deste país. Sem ironia ou despique: é a simples constatação de uma evidência, mensurada pelos 70% de aprovação da última pesquisa.

Com o desconto do coro desafinado do cordão que, se não aumenta, também não apresenta grandes baixas, Lula está com a faca e o queijo para apostar na tática de aceitar o desafio de puxar a candidatura da sua favorita do buraco de um mísero dígito nas pesquisas, antes que vá a pique.

O PT que não se alistou no coro do oba-oba encolhe no silêncio das suas dúvidas. De três parlamentares petistas com quem conversei na informalidade de um encontro casual, ouvi as apreensões com os riscos de uma candidata que, mesmo lançada e apoiada por Lula, aspira chegar à Presidência da República sem jamais ter disputado uma eleição.

Na entrevista ao escritor e jornalista Fernando Morais para a revista Nosso Caminho, Lula anuncia a retomada da ofensiva, sem passar recibo nos seus óbvios temores. Como não é dos seus hábitos modular as palavras para não ferir os ouvidos da platéia, foi às do cabo: "Eu acho que a Dilma está fortemente qualificada. Seja do ponto de vista da sua história política, da competência técnica e de como pensa o Brasil e o mundo. A Dilma está infinitamente preparada para ser candidata e ganhar as eleições".

Lula sabe que não é bem assim. Se fosse, a tática lógica seria inversa: de retardar ao máximo a campanha eleitoral para não misturar com o mutirão que desafia o governo no próximo ano, com as obras do Projeto de Aceleração do Crescimento – a sigla mágica do PAC – para atrair votos e a abertura da nova frente de aflitiva urgência e inquestionável prioridade para a recuperação das áreas de Santa Catarina, Espírito Santo e estado do Rio devastadas pela maior enchente do século, com mortes, casas derrubadas, pontes e estradas em pandarecos e milhares de vítimas sem ter onde morar.

Gente que não pode aceitar o conselho presidencial para derrubar a crise comprando o que precisa ou apenas deseja para não interromper a corrente da felicidade: quem tem emprego, tem salário e deve comprar tudo que deseja mesmo se encalacrando nos juros de prestações a perder de vista, para que as lojas continuem mantendo os estoques e as empresas continuem fabricando.

Tão fácil e lógico. Como é que ninguém descobriu antes a ciranda da eterna bonança?

Agradecimento

Na impossibilidade de agradecer pessoalmente a todos os que transformaram os meus 60 anos de militância como repórter político, aqui registro a minha comovida surpresa.

Com o devido destaque, a primeira página do JB do dia 9, terça-feira, do primoroso texto das matérias e a beleza das fotos que ilustraram uma rara homenagem na imprensa brasileira.

A ABI, a casa dos jornalistas, com a exemplar competência e dedicação do seu presidente, Maurício Azêdo, foi além do esperado.

E, na mesma gratidão, incluo os muitos telefonemas, cartões, e-mails e demais paparicos, inclusive do mineiro de longa estima, Mauro Santayana.

Com especial destaque para a honrosa mensagem do presidente Lula, que mais uma vez demonstra que não cultiva a mesquinharia dos ressentimentos. E do confrade, com raízes familiares, ministro Franklin Martins. E mais do ex-presidente José Sarney, do senador Garibaldi Alves, do governador Sérgio Cabral.

E eu não fiz nada demais. Só fiquei mais velho.

Voz vencida


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A insistência no pedido de vista depois de a questão formalmente resolvida não deixa dúvida quanto à posição do ministro Marco Aurélio Mello sobre a reserva Raposa Serra do Sol. É contra, claro, a decisão dos oito ministros do Supremo Tribunal Federal, que, na essência, aprovaram a demarcação tal como foi homologada pelo Executivo: em terras contínuas.

Antes do início da apresentação dos votos, Marco Aurélio anunciou que pediria vista na esperança de que o colegiado aguardasse o arrazoado dele para se pronunciar. “A turma antiga teria feito isso.”

Mas oito deles anteciparam os votos e o deixaram, além de vencido por antecipação, algo doído com o que interpretou como uma “maneira de demonstrar que meus argumentos não teriam peso, que não estavam interessados neles”.

Achou uma descortesia, “para não falar em quebra de ética, aliás, condizente com esses tempos muito estranhos que vivemos”. Considerou ainda mais inusitada a tentativa no final da sessão de anulação do pedido de vista.

Na hora, Marco Aurélio perguntou ao presidente do STF, Gilmar Mendes, se o colegiado estava, então, extinto. “Sim, porque se os casos se dão por encerrados quando se alcança a maioria, isso significa que não há mais sentido em se continuar colhendo votos.”

Ontem, Marco Aurélio cuidava de outros processos, pois deixará para preparar sua fundamentação sobre a reserva indígena durante o mês de janeiro.

Posição tomada ele já tem. Poderia até ter dispensado o pedido de vista e apresentado seu voto de improviso na sessão de quarta-feira. No ponto de vista do juiz não o fez porque “o caso é tão simbólico e servirá de parâmetro para outras demarcações, que preferi preparar um voto para deixar registrado nos anais do tribunal”.

Sob a ótica do caso em si, o ministro Marco Aurélio acha que a suspensão dá tempo para todas as partes envolvidas aprimorarem o entendimento sobre toda a extensão das posições externadas no STF, abre um período de cerca de dois meses para a decisão ser posta em prática “com serenidade” e impede a explosão imediata de um conflito entre índios, agricultores e polícia.

Por esta última razão, pediu também vista da liminar que garantia a presença dos arrozeiros nas terras indígenas. “Se não fosse isso cassariam a liminar e a Polícia Federal estaria hoje lá desalojando os não-índios, o que certamente geraria uma grave conturbação, inclusive porque a outra parte (os arrozeiros) contava com outra decisão.”

O ministro não antecipa a fundamentação do voto que dará após o recesso do Judiciário quando for retomado o julgamento. Mas faz as considerações de ordem geral que o fazem discordar da maioria.

Na opinião de Marco Aurélio Mello, a demarcação tal como foi feita contraria os preceitos da política indigenista de integração à comunidade, para obedecer a uma “visão romântica” e adotar o conceito do isolamento, quando “boa parte dos índios ali é aculturada”.

“Tenho preocupação quanto à unidade do território nacional, pois há evidente cobiça sobre a Amazônia. Basta ver que lá estão instaladas mais de mil ONGs estrangeiras, enquanto no Nordeste são pouquíssimas e desarticuladas.”

O ministro acha que a continuidade das terras demarcadas contraria a Constituição, que assegura o direito sobre terras ocupadas anteriormente a 1988. “Aqui estamos falando de terras até hoje desocupadas.”

O próprio ato original, baseado no laudo de um antropólogo, na visão do ministro é passível de contestação. “Roraima perderá 46% de sua área. Como fica a Federação se o Estado não participa da elaboração do ato demarcatório?”

As ressalvas de procedimentos dentro da reserva, impostas no voto do ministro Carlos Alberto Direito, na opinião de Marco Aurélio Mello atendem às suas preocupações, mas apenas parcialmente. “Ele levou em conta a União, mas não considerou a circunstância estadual nem os interesses privados que não podem ser ignorados e precisam ser acomodados.”

Inês, porém, é morta, pois não? “Em tese pode haver mudança, mas a atual conformação do tribunal é a de um colegiado com resistência a dar a mão à palmatória.”

Marola

Se não há crise, se as agruras internacionais não atingem o Brasil, se os alertas partem da torcida contra, em que dados concretos se baseou o governo para baixar as medidas?

Daí o pacote dizer mais respeito à política que à economia.


Fora da lei

A quem interessar possa no Ministério da Justiça: a empresa de TV a cabo NET não está cumprindo as novas determinações sobre o atendimento de call centers. O consumidor consegue ultrapassar com rapidez as etapas intermediárias ao atendente.
Mas daí em diante tudo ocorre como Dante em inferno que nada tem de comédia muito menos divina. Agora o espetáculo da espera interminável se dá na etapa que seria a final.

Solução paliativa


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. A decisão do governo de reduzir a carga tributária sobre as empresas e o cidadão comum, para estimular o consumo, pode ter chegado atrasada e não vir a ter o efeito desejado. É uma solução paliativa, que não mexe estruturalmente nas questões que impedem o aumento do nível de investimentos no país, esta sim uma solução permanente para um crescimento econômico sustentável. O economista Fabio Giambiagi, do BNDES, lembra que, na comparação de 2008 com 2009, o governo já tem uma série de gastos adicionais: mais 0,5% a 0,6% do PIB já contratados por conta do aumento da despesa com pessoal e INSS, e a queda da receita, em decorrência da crise, pode tirar mais 0,5% do PIB.

"Ou seja, o superávit primário pode cair em torno de 1% do PIB, e nada disso iria para aumento do investimento. A redução do primário, ao contrário de outros países, se fará por queda de receita e aumento do gasto corrente e não por aumento do investimento público", lamenta.

Já o economista José Roberto Afonso acha que o governo federal "vai precisar de mais ousadia e criatividade para estimular a demanda. Temo, primeiro, que seja um pouco tarde".

Lembrando que o aumento do consumo familiar foi basicamente movido pelo crédito, de acordo com o IBGE, ao divulgar o desempenho extraordinário do PIB no terceiro trimestre do mês, José Roberto Afonso ressalta que "redução de imposto não substitui o crédito, que continua muito escasso e cada vez mais caro".

Analisando a estrutura da renda das famílias brasileiras, José Roberto Afonso destaca alguns aspectos que denotam que a redução do imposto para certas faixas de pessoas físicas não terá tanta influência quanto o governo espera no aumento do consumo:

- Os salários não chegam a gerar metade da renda nacional das famílias: explicam 46,2% da renda em 2002 (cerca de R$771 bilhões).

- As famílias ganham mais rendimentos de propriedades (R$226 bilhões) do que recebem de benefícios da Previdência Social (R$176 bilhões).

- Dentre aqueles rendimentos, chamam a atenção os juros: R$120 bilhões ou 7,2% da renda nacional familiar.

- Para o outro extremo da população, os mais pobres receberam dos governos benefícios de assistência social (inclui Bolsa Família e outros) que somaram R$19,3 bilhões em 2006.

De certa forma, diz ele, reduzir o IPI sobre o carro popular pode ser mais eficiente do que apenas reduzir o IR da classe média.

A eficiência da redução do Imposto de Renda da classe média também pode ser questionada, "por beneficiar um segmento pequeno da população, e que talvez já nem seja o predominante, dentro mesmo da classe média."

Segundo José Roberto Afonso, os assalariados com carteira assinada e sujeitos ao IR na fonte representam cerca de metade dos trabalhadores brasileiros.

"Estão sem carteira não apenas trabalhadores sem especialização e de baixa renda. Um fenômeno mais recente, e que, desconfio, assume cores mais fortes no Brasil que em outras economias emergentes, é que uma parcela crescente dos trabalhadores qualificados e de alta renda são pessoas jurídicas, empresas individuais, e não mais assalariados, não só advogados e consultores, como jornalistas e até jogadores de futebol."

José Roberto Afonso acha que "para esse segmento, que ganha muito e pesa no consumo, a redução do Imposto de Renda é inócua". Resumindo, José Roberto Afonso diz que "a redução de Imposto de Renda não beneficia as pontas, nem os pobres ou muitos pobres, nem a classe média mais abastada e os muitos ricos."

O economista Fábio Giambiagi vê os gastos do governo como problemáticos porque "estamos tomando decisões que envolvem em sua grande maioria efeitos permanentes".

Para se ter a dimensão desse problema, entre 2003 e 2008 o gasto primário do governo central terá se expandido mais de 3,5% do PIB, dos quais 3% do PIB correspondem ao aumento da despesa corrente.

Nesse mesmo período, se o gasto corrente tivesse crescido à mesma taxa que o PIB, ele, em termos reais, seria hoje 25% superior ao de 2003, "o que não pode ser chamado exatamente de arrocho", comenta Giambiagi.

Se, ao contrário, o gasto corrente tivesse conservado o peso que tinha em 2003, o setor público hoje teria superávit nominal, ou seja, a dívida pública estaria caindo em termos nominais, além disso, seria muito menor, "o que nos deixaria, entre outras coisas, muito menos expostos às conseqüências fiscais negativas da alta dos juros", ressalta.

Abortada a tentativa de conter os gastos públicos, ainda na época do ministro Antonio Palocci, o gasto primário do governo cresceu a uma média real de mais de 8% ao ano nos últimos três anos, baseado num aumento de arrecadação que não vai se repetir, ainda mais agora com a crise econômica internacional.

A combinação de aumento de gastos permanentes com redução do superávit primário devido à queda de arrecadação "não é a combinação preferível de políticas visando deixar a economia em melhores condições para quando o ciclo de crescimento for retomado a partir de 2010", ressalta Giambiagi.

(Amanhã, o papel da confiança no investimento)

O Nordeste e o colchão de votos


Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Metade dos beneficiários do Bolsa Família estão no Nordeste. Apenas em Pernambuco e Alagoas, a renda gerada pelo programa é pelo menos oito vezes maior do que a da cana de açúcar.

Na região, os benefícios previdenciários superam o Fundo de Participação dos Municípios em 70% das localidades. Os pagamentos do INSS representam 11% do PIB regional e correspondem a valores quatro vezes maiores que os do Bolsa Família.

Somados, Previdência e programas sociais atingem mais de dois terços das famílias nordestinas. Nenhum setor econômico da região consegue se aproximar da renda gerada pelos programas federais.

Os dados, apresentados esta semana pelo professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Cícero Péricles de Carvalho, no XXXVI Encontro Nacional de Economia, em Salvador, o levam a afirmar que se o Brasil, segundo a OCDE, é, entre as grandes economias, aquela em que o impacto da crise financeira mundial será menor, o Nordeste é a região do país que menos deverá ser afetada.

Não que a economia local passe ao largo. Seu crescimento vem, há alguns anos, superando a média nacional graças também à elevação de investimentos públicos e privados. Hoje os setores industrial e de serviços somam, segundo o professor da UFAL, mais de 85% do PIB da região, com um peso relativamente pequeno de fabricantes de automóveis e bancos, que estão no topo das atividades mais afetadas.

Suas exportações, que entre 2000 e 2007 triplicaram de valor, certamente serão impactadas. Mas a expectativa é de que o perfil de consumo, fortalecido pela valorização do salário mínimo - renda de 62% dos trabalhadores da região - venha a amortizar a queda.

Se a curva de popularidade dos candidatos à Presidência da República será diretamente impactada pela evolução do PIB até 2010 e a região se constituir um foco de resistência à crise, é de se esperar que os partidos governistas lá fortalecidos venham a valorizar seu cacife.

Entre os grandes partidos nacionais, nenhum está tão aparelhado para capitalizar esse momento quanto o PSB. Entre os partidos que contam, é o único que tem crescido, ininterruptamente, em percentual de votos, em todas as eleições municipais desde 1996. Em número de prefeitos eleitos foi, depois do PT, o partido que mais cresceu nas urnas de outubro.

Em nenhuma região, o PSB é tão forte quanto no Nordeste. Foi lá que elegeu seus três governadores - Eduardo Campos (PE), Cid Gomes (CE) e Wilma Faria (RN). Nesses Estados, governa um eleitorado (13,8 milhões) superior ao dos três (Bahia, Piauí e Sergipe) comandados pelo PT (12,6 milhões) na região.

É do PSB do Nordeste o segundo nome na lembrança do eleitor para a corrida sucessória. Se não perder a cabeça no meio do caminho, uma eventual candidatura do deputado federal Ciro Gomes (CE) poderá vir a ser duplamente beneficiada pela crise. No Nordeste, pela identificação com o governo federal, ativo mais valorizado na região do que em qualquer parte. E, no restante do país, pelo estilo franco-atirador com que dispara sua fluente metralhadora de estatísticas econômicas sem a responsabilidade direta por uma administração. Esses perfis avulsos costumam crescer em tempos de crise.

O Nordeste tem 27% do eleitorado nacional, um pouco menos do que a soma dos eleitores do Sul, Norte e Centro-Oeste. Se nenhum candidato se viabiliza sem o Sudeste e seus 43% de eleitores, foi no Nordeste que o lulismo abriu uma dianteira alargada para compensar a derrota de 2006 no gigantesco colégio eleitoral paulista (22% do total).

O Datafolha desta semana mostra o quanto a região continua lulista - 40% dos entrevistados lhe dão nota 10 (média nacional é de 25%) e 81% avaliam sua administração como boa ou ótima. Mas a transferência de votos não está garantida, principalmente depois da ameaça de dura travessia em 2009.

Ciro, obviamente, tira votos da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Mas a importância de sua candidatura para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode crescer à medida em que ganha força o governador de São Paulo, José Serra.

Com respostas rápidas para a crise no Estado que será mais seriamente afetado, Serra já mostrou a que veio com um Orçamento para o próximo ano que, ao contrário do federal e do paulistano, como mostrou reportagem de Caio Junqueira no Valor (10/12), não prevê cortes.

A candidatura própria do PSB pode atender à simples necessidade de os governistas reduzirem o espaço de Serra em colégios eleitorais como o Nordeste e forçarem um segundo turno. O risco de que Ciro e não Dilma tome a dianteira sempre existirá e a coalizão governista terá que decidir se está disposta a corrê-lo.

A decisão começa a ser tomada este fim de semana no encontro nacional do PSB, no Recife, com a reeleição para seu comando de um dos governadores mais próximos do presidente (Eduardo Campos) e a escalação de Ciro Gomes e sua metralhadora giratória para o palanque da crise. Um e outro já mandaram seus recados na abertura do encontro. E apontam na direção da candidatura própria.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

COMENTÁRIO

O artigo postado abaixo é uma homenagem à luta do movimento estudantil no pré 1964. Todos os anos, no dia 3 de março, nós rendíamos tributo ao Demócrito, morto em 1945, na luta pela democracia. Participei do lançamento da pedra fundamental do busto do estudante, nos jardins externos da Faculdade de Direito de Recife. E, lá falei em nome dos estudantes hruesecundaristas. Leiam o artigo do irmão, que ocupou interinamente a Secretária de Segurança de Pernambuco, no Governo Cid Sampaio/Pelópidas Silveira.

A verdade sobre Demócrito

Jorge Tasso de Souza
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Li, estarrecido, no domingo (23/11/2008), neste JC, entrevista com a Senhora Inah Lins, sobre, dentre outras coisas, o assassinato do meu irmão Demócrito de Souza Filho, morto pelas balas assassinas do pai da entrevistada.

Estarrecido, pelo fato de a história ser completamente deturpada, tentando-se, agora, 60 anos depois, defender um político carrasco, odiento, rancoroso e truculento.

Duas coisas que tentou a entrevistada modificar têm e devem ser contestadas, a bem da verdade:

1ª - Nenhum exame técnico determinou, ou pode determinar, ainda hoje, que a bala tenha sido ou não das armas assassinas dos policiais de Etelvino Lins, pois foram eles - é público e notório - os únicos que atiraram naquela pracinha.

2ª - Não é verdade. É mentira, que meu saudoso pai, o velho Demócrito de Souza, citado por Dona Inah, tenha escrito carta “inocentando” Etelvino, como diz ela.

Na verdade, duas cartas foram escritas, pedindo demissão das funções de advogado de Ofício da Polícia Militar, que ocupava desde 1926, uma delas dirigida ao infeliz Interventor Federal do Estado, exatamente ele, Etelvino.

Na primeira, uma minuta, meu pai dizia: “...Quero crer que Vossa Excelência não tenha compactuado com tamanha selvageria...” Ora! “Quero crer” não é inocentar ninguém.

A segunda, definitiva, que realmente chegou às mãos do interventor, e que foi publicada pelos jornais da cidade, no dia 09 de março de 1945, que é objeto de interpretação idiota, dizia: “Nunca pude supor que elementos da polícia do governo de v. exa. saíssem à rua para matar estudantes desarmados”. Onde está o desejo de inocentar?

E para demonstrar que ele foi responsável, vejam o que disseram algumas pessoas, estas sim, ilustres e decentes:

- Com letra da minha mãe, de próprio punho, portanto, encontramos no álbum por ela preparado sobre Demócrito, o de número 1, - são 3 -, abaixo de uma foto de Etelvino Lins, o seguinte texto:

“Etelvino Lins de Albuquerque, o assassino frio, perverso e covarde. 3.3.1945.”

- Matéria publicada nos jornais da cidade, no dia 15/04/45, dizia Gilberto Freyre, uma das vítimas de Etelvino: “Meus amigos, o crime desta vez não foi em Granada, com Franco no Governo da louca Espanha, o crime desta vez foi em Recife, com um Etelvino, senhor de sicário, matador de mocidade.”

E foi o próprio Gilberto Freyre quem denunciou, através de artigo memorável, o empastelamento do Diário com o título “Quiseram matar o dia seguinte”, pois tentava-se, com mais esse ato criminoso, evitar o noticiário no dia 04 de março.

E quem invadiu o Diário? Quem empastelou o Diário? A polícia de Etelvino, que o grande jornalista Aníbal Fernandes chamava de “extermínio lins” o “trabuqueiro de Sertânia”.

Destaque-se, finalmente, que a Congregação da Faculdade de Direito do Recife, no dia 05 de março, publicava nota que tratava do “atentado criminoso pelo qual responsabiliza a Polícia Civil do Estado.” Essa nota era assinada pelos respeitáveis Professores Soriano Neto, Joaquim Amazonas, Gondim Neto, Nehemias Gueiros, Aníbal Bruno, Samuel Macdowell, Pinto Ferreira e tantos outros.

E é por isso, por esses fatos reais, que Etelvino não é injustiçado da política do Estado, como diz sua filha. É, na verdade, esquecido por ter sido carrasco, impiedoso, cruel, protegido por um imoral decreto de Anistia, pois não teve coragem de enfrentar a Justiça do seu Estado. Um covarde, D. Inah!


» Jorge Tasso de Souza é advogado criminal e jornalista

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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