domingo, 3 de agosto de 2008


O CHOPE
Carlos Pena Filho
(1929-1960)

Na avenida Guararapes,
O Recife vai marchando.
O bairro de Santo Antônio,
Tanto se foi transformando
Que, agora, às cinco da tarde
Mais se assemelha a um festim,
O refrão tem sido assim:
São trinta copos de chope,
São trinta homens sentados,
Trezentos desejos presos,
Trinta mil sonhos frustrados.
O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1046&portal=

DEU EM O GLOBO


DEMOCRACIA EM RISCO
Chico, Molon e Gabeira são coagidos durante campanha em favelas


RIO - O sábado de campanha dos candidatos a prefeito do Rio Chico Alencar (PSOL), Fernando Gabeira (PV) e Alessandro Molon (PT) foi marcado por ameaças de traficantes das favelas de Nova Holanda, no Complexo da Maré, e da Vila Cruzeiro. Por volta das 9h, Chico Alencar panfletava com candidatos a vereador de sua legenda na Nova Holanda quando homens armados com metralhadoras Uzi, fuzis e pistolas caminhavam normalmente pelas ruas da comunidade. Mais a frente, criminosos também armados exigiram que os militantes da campanha não fizessem imagens da favela. Os bandidos não chegaram a abordar o candidato, que seguiu a caminhada, passando por três bocas de fumo em pleno funcionamento.

Equipe de Molon é proibida de filmar na Nova Holanda

Um pouco mais tarde, por volta das 11h, Molon também foi fazer campanha no Complexo da Maré. Durante percurso no Parque União, não houve problemas, mas ao chegar na Nova Holanda sua equipe de filmagem recebeu o recado de homens armados com pistolas em motos: era proibido fazer qualquer imagem na região. O pedido foi atendido, e Molon seguiu o percurso.

Poucos minutos depois, perto de uma boca de fumo onde criminosos usavam drogas, o candidato do PT decidiu cancelar a caminhada, que já estava perto do final, e voltou em direção à Avenida Brasil para sair da favela. Segundo militantes, os traficantes que pilotavam as motos ameaçaram roubar os equipamentos de filmagem caso o registro de imagens não fosse paralisado. Molon reconhece que houve intimidação por parte do tráfico.

- Vimos que a presença ostensiva e ameaçadora dos criminosos, como que querendo dizer que "quem manda aqui é o crime e não o Estado". Nós não aceitamos essa lógica, vamos continuar indo para as comunidades mesmo sabendo que isso implica correr riscos. Fui informado de que houve essa coerção. Para proteger a segurança da equipe, decidimos parar de filmar.

Chico também disse que vai continuar visitando as favelas, mesmo que passe por situações constrangedoras com criminosos andando fortemente armados ao seu lado:

- Essa realidade do tráfico armado de drogas é a realidade de muitas comunidades pobres. É o varejo, mas o atacado e o baronato não estão aqui. Claro que eu não vou dizer "sai pra lá" para um cara de AR-15 na mão porque eu quero disputar as eleições no dia 5 de outubro. Eu já vi eleitor fantasma, mas candidato, não. A gente nem pede licença, nem cai de pára-quedas nas comunidades.

Motociclistas tentam pegar câmera de equipe de Gabeira

Já Gabeira foi cercado por dois motociclistas, no fim da caminhada na Vila Cruzeiro, que tentaram impedir a entrada de seu motorista no veículo. Segundo o candidato, os homens queriam pegar a câmera de filmagem.

Quando saiu da favela, Gabeira e seus militantes foram acompanhados por um grupo de pessoas por cerca de 200 metros. Uma mulher queria saber quem tinha feito imagens dentro da Vila Cruzeiro, onde repórteres do GLOBO, de "O Dia" e do "Jornal do Brasil" foram obrigados por homens armados com fuzis a apagar as fotos feitas durante a campanha do candidato Marcelo Crivella (PRB), no sábado passado.

Depois do bate-boca promovido pela mulher, dois homens cercaram o local onde Gabeira estava para exigir a fita da câmera de filmagem. Depois de alguns minutos de discussão, os homens foram embora sem levar o equipamento.

Gabeira afirmou que recebeu recados sobre locais que não poderiam ser visitados:

- Fomos até esse ponto porque as informações são muito desencontradas. Não posso colocar em risco as pessoas que estão comigo. Achei que era mais conveniente descer.

Em nota, o governo do estado afirmou que "Não é novidade para ninguém que, há mais de duas décadas na cidade do Rio de Janeiro, há localidades dominadas por criminosos". A assessoria do governador Sérgio Cabral disse ainda que o "governo age justamente para recuperar à sociedade áreas carentes que estejam sob domínio de traficantes" e garantiu que "não recuará nem abdicará da determinação de assegurar a lei e a ordem - uma obrigação do Estado junto à população."

DEU NO ESTADO DE MINAS

O JOIO E O TRIGO
Marcos Coimbra


"Se olharmos os candidatos a prefeito na grande maioria de nossas cidades, o que vamos encontrar, como regra, é gente séria, que encara com responsabilidade o trabalho para o qual se propõe"

Quem trabalha com eleições e candidatos há muito tempo às vezes se alegra e às vezes se entristece com o tratamento que esses temas recebem da imprensa e dos meios de comunicação. Não só eles, mas a política, de maneira geral, pode tanto ser tratada de um modo justo, como injusto.

Para tomar um exemplo recente: na discussão da questão Daniel Dantas, nossa imprensa teve desempenho positivo, preservando sua capacidade crítica e mantendo visão equilibrada. Ajudou-nos a todos a entender o que estava acontecendo.

O mesmo não se pode dizer a respeito do início da cobertura das próximas eleições municipais. Predomina um tratamento adequado, mas, volta e meia, temos o oposto, uma visão preconceituosa e equivocada.

Não é nos noticiários políticos, elaborados por profissionais especializados na análise e discussão do tema, que se encontram os problemas. Onde mais costumamos tê-los é nos lugares em que tais assuntos aparecem menos em épocas normais. Nos jornais, nas seções destinadas a temas de comportamento e cultura. Nas emissoras de televisão e de rádio, em programas de entretenimento e humor.

Nesses espaços, o que mais se vê é a crítica superficial, a ironia ligeira, a piada óbvia. Com mínima preocupação para com os fatos, o tom é dado por generalizações imerecidas e enganosas.

Os políticos são sempre ladrões, os candidatos, caricatos e despreparados, as campanhas, ridículas e enfadonhas, os eleitores, quase sempre tolos e ingênuos, facilmente enganáveis por expedientes pueris. Tudo fica nivelado, pelo mais baixo e mais desagradável, como se tudo fosse igual.

É impressionante a vontade com que cronistas de costumes e artes, colunistas de assuntos sociais, âncoras de programas de bate-papo se sentem autorizados a não ter qualquer compromisso com a realidade. Para muitos desses profissionais, uma piada fácil, mesmo que velha, está sempre na ponta da língua.

A ligeireza dessa atitude contrasta com o que são e pensam os dois personagens centrais dos processos eleitorais: os candidatos e os eleitores. Quem os acompanha de perto não duvida disso.

Se olharmos os candidatos a prefeito na grande maioria de nossas cidades, o que vamos encontrar, como regra, é gente séria, que encara com responsabilidade o trabalho para o qual se propõe. Há pessoas mais e menos preparadas, como em todas as atividades humanas. Pode haver gente com más intenções, mas é a minoria.

Em várias capitais, uma nova geração de políticos está debutando, alguns em início de carreira, outros disputando cargos majoritários pela primeira vez. Gente de grande experiência concorre em outras, com todas as credenciais para voltar. Muitos prefeitos bons pleiteiam a reeleição.

Não há eleições onde nosso povo mais se revele que nas escolhas de vereadores. Temos candidatos de todos os tipos, de todas as cores e orientações, defendendo todas as bandeiras, na maior parte das vezes vindos das camadas mais humildes da população. É preciso respeitar isso.

A grande maioria dos cidadãos brasileiros leva profundamente a sério seus deveres cívicos. Pode errar, mas sempre procura acertar, mais ainda os que precisam do poder público.

Não se questiona o direito de ninguém questionar o que somos. Ao fazê-lo, porém, é preciso tomar cuidado com estereótipos e preconceitos, que para nada mais valem do que para perpetuar os elementos autoritários e antidemocráticos de nossa cultura.

Antes de propor uma piadinha fácil sobre nossos políticos, valeria a pena conhecer quem eles, quase sempre, são.

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS


COMO SEMPRE FOI
José de Souza Martins
*


Há meses que barbeiros e taxistas desencadearam a campanha das eleições municipais de 2008, fazendo-a objeto de ceticismo e deboche. Desde o final de 2007, o taxista a que recorro, com freqüência, vem me relatando as manobras de crônicos candidatos que se aproximam do ponto de táxi, reatam fingida amizade, juram fidelidade aos eleitores na relação cara a cara, alardeiam feitos desconhecidos ou irrelevantes, beijam e abraçam. Na perspectiva popular, eleição acaba sendo como catapora, cíclica e invasiva.

O "meu" taxista até recebeu pelo correio um chaveiro com o nome de um candidato de um lado e a chapa de seu táxi de outro, para que não se esqueça do nome e do número do dito cujo. Mostrava-o, ofendido aliás, em face da suposição do candidato de que seu voto decorre de uma consciência política de cabresto.

"Meu" barbeiro de muitos anos, mais cético, até se antecipou à movimentação partidária adivinhando como seria abordado e em que termos. Foi ficando preocupado com a proximidade da estação da campanha eleitoral. Repete chavões que ouviu em eleições anteriores e que se prepara para ouvir de novo. Bota todos os partidos e todos os políticos no mesmo saco da banalização, do desprezo pelo povo, da corrupção, do parasitismo, do oportunismo. Há meses está com o espírito preparado para enfrentar o assédio. Fecha o ouvido aos discursos repetitivos, fecha os olhos ao supostamente já visto, fecha a consciência à política propriamente dita. Porque não lhe deram a alternativa de ser positivamente crítico, tornou-se defensivamente apolítico, um eleitor pobre de horizontes, confinado no conformismo impotente dos que sabem que nada podem no cenário impolítico da nossa política.

Pesquisa qualitativa recente sobre o perfil dos candidatos na cidade de São Paulo, sobre o estereótipo de cada um, indica o peculiar modo como a massa da população constrói a imagem da política e dos políticos e a partir dela vota. Esses atributos fantasiosos, porque seletivos, funcionam como filtro de reforço ou deterioração da concepção que o eleitor comum tem de cada um dos políticos. Acusar, por isso, o eleitor de ignorante e despolitizado é injusto, num país de partidos políticos, eles sim, no geral, despolitizados e despolitizantes. No regime militar a parcela consciente do eleitorado ainda tinha a motivação de derrubar a ditadura, de transformar o país num país democrático, desenvolvido, socialmente justo. Se a alguns incomodavam a violência, os cerceamentos, a censura, as prisões arbitrárias, de motivação política, a outros incomodava o mero fato de que as ditaduras são carrancudas e anti-carnavalescas. A força dessa motivação acabou justamente em conseqüência da carnavalização da política e da alegria messiânica que a acompanha, a concepção de que no voto, em vez de delegar obrigações abrimos mão de nossos direitos políticos. O voto na nossa cultura política é uma renúncia.

A política brasileira refluiu para o rotineiro, quebrado nos surtos eleitorais, num cenário em que aparentemente o País já não tem metas de inovação política, as eleições como mera e enfadonha obrigação de manter os mesmos políticos no poder ou, quando muito, substituí-los por suas cópias. Muitos votam ansiosos pela calmaria do dia seguinte, dos intervalos entre eleições, do dever falsamente cumprido no país do voto obrigatório, em que a política acaba se reduzindo à caricatura do deputado orgulhosamente corrupto, o dinheiro caindo do bolso, num programa semanal de televisão. Antes da eleição e depois da eleição tudo parece sugerir que o papel do político é o de servir para a galhofa, a política como comédia. A verdadeira política não tem visibilidade no Brasil nem os verdadeiros políticos a tem, a não ser excepcionalmente. O deformado filtro da cultura popular seleciona fatos e ocorrências da fragmentária crônica política que lhe chega por acaso e com eles constrói a consciência política desse precário cidadão.

Partidos e governos poderiam contribuir para quebrar o círculo vicioso dessa concepção despolitizante da política e do poder se não fossem fortes as sobrevivências da complexa trama de relações da tradição da dominação patrimonial e da cultura da troca de favores em que a política tem sido a moeda corrente. Nosso atraso político se regenera mesmo na ascensão política dos que, supostamente oriundos de outras matrizes sociais e históricas, cresceram respaldados pela ilusão a todos imposta de que, finalmente, 120 anos depois da proclamação da República, torna-se efetiva a República que nos reconheceria a todos como iguais e cidadãos. No entanto, o que se vê é o poder de regeneração do atraso. Os recém-chegados são capturados pela trama desse republicanismo de fachada que se materializa na lógica de que é preciso tudo mudar para que tudo fique como estava, como no esclarecimento de Tancredi ao tio estarrecido com seu adesismo ao triunfo inevitável da Casa de Savóia na unificação da Itália, em "O Leopardo", de Lampedusa.

É verdade que o municipalismo brasileiro, berço do nosso republicanismo e, contraditoriamente, berço do que o paulista Pedro Taques, no século XVIII, denominava de "pais da pátria", tende a reduzir o País às necessidades conservadoras da ordem política arcaica, na fragmentação da vontade política do povo, na superposição de estruturas políticas desencontradas e tão diversas entre si como a do município, das províncias e do Estado nacional. Desencontro que responde por nossos intervalos ditatoriais e na paz da democracia de fachada pelo triunfo dos interesses locais e das artimanhas do localismo primário e suas metas de conveniência, como a do poder pelo poder. A farra da distribuição de verbas para azeitar as possibilidades de aliados, da liberação de recursos para obras de impacto visual, a política social de aliciamento de consciências nos 15% de domicílios que recebem doações financeiras do governo, as múltiplas políticas de pseudofavorecimento dos pobres, tudo dá razão ao barbeiro e ao taxista.

*José de Souza Martins, professor de Sociologia da Faculdade de Filosofia da USP, é autor de O Sujeito Oculto (Ordem e transgressão na reforma agrária), Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2003; A Sociabilidade do Homem Simples (2ª edição revista e ampliada, Contexto, 2008) e A Aparição do Demônio na Fábrica (Editora 34, 2008

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


PASSADO É COMO DIAMANTE
Luiz Carlos Azedo


Uma “anistia ampla, geral e irrestrita” – palavra de ordem de toda a oposição –, para ser aceita pelos militares, deveria incluir o perdão a seqüestradores, torturadores e assassinos

A maior proeza do baiano Giocondo Gerbasi Alves Dias, o “Cabo Dias” (1913-1987), foi liderar um levante militar e tomar o poder em Natal (RN), por três dias, durante a chamada Intentona Comunista de 1935. Desde então, nunca mais parou de conspirar. Seguidor do líder comunista Luiz Carlos Prestes, de cuja segurança pessoal cuidou anos a fio, na década de 1950, se tornou o principal organizador e segundo homem do Partido Comunista Brasileiro. Foi um dos líderes políticos mais importantes e perseguidos da história republicana.

Nos anos 1970, o PCB passou por momentos dramáticos: muitos dirigentes haviam sido seqüestrados pelos órgãos de segurança, 12 dos quais “desaparecidos”. Um deles é Orlando Bonfim Junior, seqüestrado pouco antes de um encontro com “Neves”, nome de guerra de Giocondo. O velho e clandestino Partidão nunca esteve tão vulnerável, com milhares de militantes presos e centenas de dirigentes desorientados, tentando fugir para o exterior. “Viver e lutar”, dizia o editoral de Bonfim, na última Voz Operária editada no Brasil, em março de 1975. Isolado de seus companheiros, Giocondo se refugiou num velho “aparelho” de Volta Redonda (RJ), que só um homem seria capaz de localizar: Armênio Guedes, outro “capa-preta” do Partidão, que estava em Paris. De lá comandou a operação clandestina na qual “Neves” foi resgatado do Brasil e levado a Moscou.

Nessa época, o líder da campanha pela anistia no Brasil era o general Pery Bevilacqua, ex-membro do Superior Tribunal Militar (STM), que havia sido cassado por seus colegas de farda por se opor ao golpe de 1964. Ele fundou o Comitê Brasileiro da Anistia (CBA), para onde afluíram os parentes dos oposicionistas banidos, exilados, presos e desaparecidos.

Remanescentes de todas as organizações de esquerda que haviam participado da luta armada contra o regime integravam o CBA, que defendia melhores condições carcerárias e denunciava os seqüestros, prisões, torturas e assassinatos de oposicionistas. O general não era de esquerda, era positivista e legalista. Por isso mesmo, ele sabia que uma “anistia ampla, geral e irrestrita” – palavra de ordem de toda a oposição –, para ser aceita pelos militares, deveria incluir o perdão a seqüestradores, torturadores e assassinos. A “conciliação” é uma tradição política brasileira.

Quando houve a anistia, Prestes encarou-a com desconfiança. Imaginava que era uma armadilha para desarticular a oposição, cuja atuação no exterior levara o regime militar ao isolamento internacional, enquanto, no interior do país, promovia greves maciças de trabalhadores, grandes manifestações estudantis e vitórias eleitorais retumbantes da oposição.

Ao contrário, Giocondo enxergava na anistia uma mudança política que resultaria na derrocada do regime militar. Não era, como temia Prestes, uma nova “Macedada”, episódio no qual o ex-ministro da Justiça José Carlos Macedo Soares, em 1937, libertou cerca de 400 presos políticos sem processo, para logo depois o governo Vargas implantar o Estado Novo.

O Comitê Central fechou com Giocondo. A maioria resolveu aceitar o acordo da oposição com o general Figueiredo e voltar para o Brasil, mas Prestes, o legendário líder comunista da América Latina, nunca mais compareceu às reuniões do Comitê Central. Quando se convenceu de que poderia voltar ao Brasil, anunciou que o fazia como simples cidadão. Era o rompimento velado com o PCB, cujo comando havia perdido para Giocondo e outros veteranos de 35, como Dinarco Reis, Almir Neves e Teodoro Melo (ainda vivo).

Toda a esquerda brasileira se beneficiou da anistia, porém uma parte nunca aceitou a reciprocidade com relação aos militares que atuaram na repressão política. Da mesma forma como não votou a favor da eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral, não reconheceu o papel do ex-presidente José Sarney na transição à democracia e não endossou a Constituição de 1988. Ao longo dos anos, alimentou o desejo de um ajuste de contas com os torturadores e ainda vive em escaramuças com os militares na Comissão de Anistia. O ministro da Justiça, Tarso Genro, já fez parte desses setores e de vez em quando tem suas recaídas.

Agora, ingenuamente, resolveu propor a mudança da Lei da Anistia para punir os torturadores e assassinos do regime militar e provocou uma onda de indignação nos quartéis. Não respeitou o histórico acordo referendado no Congresso com a aprovação da Lei da Anistia, que acelerou a democratização do país e a volta dos militares à caserna. Romper esse acordo é chamar os militares de volta à luta política, daí porque o ministro da Defesa, Nelson Jobim, que acompanhou todo o debate da anistia e já presidiu o Supremo Tribunal Federal, fez muito bem em dar um chega prá lá no seu colega de Esplanada. Como dizia o Cabo Dias, “passado é como diamante, ninguém joga fora”. Afinal, a esquerda também cometeu seus “crimes de guerra” durante a luta armada.

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


OS TORTURADOS NA DEMOCRACIA
Dora Kramer

O estado de completa insegurança do público e a incapacidade provada e comprovada do Estado em enfrentar o aumento inclemente da criminalidade não interditam o debate sobre o acerto de contas com os crimes da ditadura, pedido por perseguidos políticos, familiares de mortos e agora encampado pelo governo federal.

A discussão é pertinente, a cobrança é legítima, o entendimento de que torturadores não são criminosos políticos, mas facínoras como outros quaisquer faz todo o sentido, mas não se trata de uma questão que requeira do poder público uma providência urgente nem que esteja a assombrar a Nação.

Esta hoje se estarrece muito mais com os crimes que assiste, e sofre, no cotidiano presente, do que com as violências cometidas no passado por um Estado que avocou a si o direito de posse sobre o pensamento de seus cidadãos.

Na última quinta-feira, a punição aos torturadores do regime militar e a exclusão deles da Lei de Anistia foram reabertas durante uma audiência pública do ministro da Justiça, Tarso Genro, e do secretário nacional de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, com a Comissão de Anistia.

Até então ambíguo na abordagem do tema, com uma tendência a não reavivar atritos com os militares - posição expressa na manutenção do sigilo sobre os arquivos do período autoritário -, o governo foi explícito na defesa da punição aos torturadores.

"A partir do momento em que o agente do Estado pega o prisioneiro e o tortura num porão, ele sai da legalidade do próprio regime militar e se torna um criminoso comum e tem de ser responsabilizado", disse o ministro Tarso Genro em consonância com o secretário de Direitos Humanos, que propõe uma posição ativa por parte da União para identificar e processar quem matou, torturou, estuprou ou ocultou cadáveres em nome do regime.

De acordo com o ministro e o titular da secretaria, criminosos comuns não podem ser protegidos pela Lei de Anistia de 1979 porque ultrapassaram os limites das próprias regras de exceção vigentes na época.

Os militares reagiram, é claro, apontando na posição do governo intenções puramente "revanchistas".

Provavelmente o que mobiliza o ministério não é o desejo de vingança e certamente as razões dos diretamente atingidos refletem o anseio de qualquer vítima, direta ou indireta, da violência: a reparação.

É um problema em aberto há anos, cabe realmente ao governo tomar uma posição, mas, convenhamos, é preciso que o poder público tenha discernimento e sensibilidade sobre o momento e a oportunidade de fazê-lo.

Não importa o número dos que foram vítimas da ditadura nem se trata de compará-lo à quantidade de gente que é diariamente vítima da criminalidade. Atrocidades contra um ou contra dez milhões são sempre atrocidades.

O que soa fora do eixo é a atenção dedicada pelo governo a um tema do passado em contraposição à quase total indiferença em relação aos crimes - também comuns, como aqueles - cometidos no presente, que serão cometidos daqui a pouco e de novo ocorrerão amanhã, depois e cada vez com mais selvageria.

À exceção de ocasiões em que ocorrem episódios chocantes não se vê as autoridades debruçadas com tanto afinco na proposição de ações objetivas para garantir as vidas da geração atual. Como se os torturados na democracia valessem menos que os brutalizados na ditadura.

Com toda reverência que merece o assunto, um Estado que não lida com o que vê não tem a prerrogativa de olhar para trás.

Agenda máxima

Para que não soe como crítica, estabeleça-se a preliminar: a campanha institucional do Tribunal Superior Eleitoral conclamando o eleitor a votar em gente de "passado limpo" é irretocável. Necessária, didática e oportuna.

Indispensável, porém, que outras instituições interessadas na melhoria da representação política aproveitem o ensejo para acrescentar que vida pregressa limpa é só um pré-requisito básico.

Nem só de honestidade se faz uma excelência. É preciso comprovação de eficácia nos quesitos que realmente fazem o diferencial no governante ou no representante legislativo.

Um honrado inepto é tão insatisfatório quanto um pilantra eficaz. Há exemplos de sobra na praça em ambas as categorias.

O problema do furor moralizante - justo - é conferir uma sensação de saciedade ao cidadão que acaba perdendo a referência do preparo, da eficácia, da experiência, da inteligência, do bom senso, do senso da legalidade em todos os sentidos, do respeito aos limites do poder, e reduz a quase nada seu grau de exigência.

Depende

Paulo Maluf diz que "errou de boa-fé" ao apostar na eleição de Celso Pitta para prefeito de São Paulo, em 1996. Por esse critério, ao embarcar na canoa, Pitta teria acertado movido pelos bônus presumidos da má-fé.

DEU EM O GLOBO


AS PRIVATIZAÇÕES REAVALIADAS
Fernando Henrique Cardoso


Há mais "repulsa ideológica" do que controvérsia ou crítica consistente


Apesar da borrasca, que vem vindo forte sobre a economia global, tem-se a impressão de que vivemos em uma ilha, espero que não seja a da fantasia. Em algum momento e em alguma medida as trovoadas atingirão nossa economia, hoje mais sólida. Dentre os fatores que nos permitem enfrentar as dificuldades globais, quatro são fundamentais: a abertura comercial, a estabilização monetária, algumas mudanças nas formas e condutas administrativas e as privatizações. Alguns desses fatores costumam ser louvados, outros nem tanto e outros são postos à margem. A estabilização, resultante do Plano Real, costuma ser gabada por todos, mesmo pelos que se opuseram a ele no passado. A abertura fica em geral esquecida, dado que foi iniciada no governo Collor, não muito amado. Algumas mudanças administrativas, como a criação de agências regulatórias e a independência, na prática, do Banco Central, foram absorvidas pouco a pouco. As privatizações, embora mantidas até hoje, são objeto de "repulsa ideológica", mais do que de controvérsia ou crítica consistente.

No momento em que a privatização do sistema Telebrás está completando dez anos, é hora de rever as apreciações sobre seu significado para a economia e para o modo de funcionar do estado brasileiro. As privatizações foram feitas a partir de 1991, seguindo a lei de que resultou o Plano Nacional de Desestatização, reestruturado no governo Itamar Franco. É verdade que nem todas as privatizações tiveram êxito equivalente à do sistema de telecomunicações, mesmo porque não é fácil encontrar um administrador de pulso e um político de visão como Sergio Motta. Ele ganhou o apoio do corpo técnico das antigas estatais e se lançou com dedicação e energia à criação do novo modelo. Não presumiu saber tudo. Ao contrário, chamou técnicos experientes de uma assessoria internacional e enfrentou o debate público sobre os novos caminhos das telecomunicações, sempre com meu apoio direto.

O primeiro passo para a reconstrução dos serviços de telecomunicações foi dado em agosto de 1995, com a mudança constitucional que aboliu o monopólio estatal. Menos de um ano depois, em julho de 1996, o Senado aprovava a chamada Lei Mínima das Telecomunicações que permitiu a venda de licenças para a concessão da exploração dos celulares, a banda B. Nas duas casas legislativas a maioria a favor foi esmagadora, opondo-se à mudança um grupo de retrógrados, sempre se auto-intitulando progressistas e defensores dos interesses populares. Faltava-lhes visão de futuro e a percepção de que as novas tecnologias e o dinamismo competitivo entre as empresas, sob supervisão do Estado, garantiriam amplo acesso da população aos meios de comunicação e o barateamento dos serviços.

O passo seguinte foi dado em dezembro de 1996 com o envio ao Congresso do projeto sobre a Lei Geral das Telecomunicações e com a criação da Anatel, projeto que foi debatido, modificado e aprovado pelas duas casas. Em 16 de julho de 1997 promulguei a nova legislação. Estavam criadas as condições para o Brasil entrar na era eletrônica, da internet, do wireless, da banda larga, dos celulares com seus pré-pagos, da universalização do acesso à telefonia e aos serviços de telecomunicações.

Daí por diante travamos a batalha para mostrar que as concessões foram vantajosas e que o processo de privatização decorreu de forma transparente, com leilões públicos que renderam ao Tesouro polpudos ingressos, cerca de 19 bilhões de dólares pela venda de cerca de 20% das ações da Telebrás. As demais, embora não fizessem parte do bloco de controle, já estavam nas mãos de indivíduos e empresas. A esse montante se soma o resultado das concessões de exploração dos celulares e de outros serviços, num total de cerca de 30 bilhões de dólares. Entretanto, não foi só por isso que fizemos a privatização das telecomunicações, nem foi essa sua única vantagem. A principal foi a absorção rápida de novas tecnologias e a continuidade dos investimentos, livres das peias burocráticas do monopólio estatal e das restrições orçamentárias que ele acarretava, inclusive para a contratação de financiamentos. De 1998 até hoje as empresas de telecomunicação investiram cerca de 140 bilhões de reais na melhoria e expansão do sistema, o que seria impossível com recursos do governo.

A gritaria a respeito do que se chamou maldosamente de "privataria" não se sustenta. O BNDES apresentou publicamente as regras dos leilões, respeitando estritamente a diretiva constitucional da publicidade. Nenhuma delas foi modificada posteriormente, de modo que outro princípio constitucional, o da impessoalidade, também foi obedecido. Por fim, o terceiro ditame constitucional, o da economicidade cumpriu-se integralmente. Saía vencedor o consórcio que apresentava em envelope fechado a maior oferta. A celeuma causada pelas discussões entre o ministro das Comunicações, o presidente do BNDES e o Banco do Brasil baseou-se na incompreensão da natureza do processo: quanto mais concorrentes houvesse, maior lucro para o Tesouro. Era natural que o governo se empenhasse em suscitar mais competidores, e que o Banco do Brasil desse cartas de fiança (pelas quais cobrava) para assegurar, com a garantia das ações vendidas, que o vencedor pagaria a primeira parcela ao Tesouro. No caso dessa celeuma, o consórcio em causa perdeu o leilão, não tendo qualquer cabimento falar-se em favorecimento. Ademais, o Tribunal de Contas da União e o chefe de sua Procuradoria analisaram, julgaram e opinaram pela lisura dos procedimentos.

Os objetivos fundamentais da privatização das telecomunicações foram alcançados. A telefonia fixa passou de 20 para 40 milhões de aparelhos nestes dez anos, os celulares entre 1998 e 2007 passaram de 7,4 para 121 milhões, o número de pessoas com acesso à internet alcança hoje 41,6 milhões, e o sistema está em expansão. A concorrência entre as empresas é contínua, o número de empregos aumentou, sua produtividade também, o Tesouro arrecada muito mais impostos do que jamais suas ações renderam, e o preço dos serviços continua caindo. Sem falar na parcela crescente que os serviços de telecomunicações ocupam no PIB e, portanto, em seu aumento.

É preciso melhorar o atendimento aos consumidores assim como os avanços tecnológicos requerem revisões no marco regulatório para permitir o uso convergente de novas tecnologias. Espero que isso seja feito com o fortalecimento da Anatel e no respeito aos princípios constitucionais referidos, mantendo-se a competitividade entre as empresas, para evitar o monopólio privado, danoso ao interesse público.

DEU EM O GLOBO


PÓS-RACIAL
Merval Pereira


NOVA YORK. Embora tenha tentado se colocar como um candidato de um mundo pós-racial, Barack Obama não conseguiu levar a campanha sem que o tema se transformasse em um ponto central das discussões e, embora tenha cerca de 90% de apoio entre os eleitores negros, é desse contingente que surgiram os primeiros problemas de sua campanha em relação ao assunto, ainda tão delicado. O mais recente foi provocado pelo rapper Ludacris na composição "Politics as usual" (A política de sempre), onde, a pretexto de convocar os eleitores a votar em Obama, fala em "pintar a Casa Branca de preto" e dirige ofensas a Hillary Clinton e John McCain.

O candidato democrata foi obrigado a criticar Ludacris, um ídolo do rap a quem elogiara em entrevista, embora criticando sutilmente seu machismo. Anteriormente, já tivera problemas com o pastor radical Jeremiah Wrigth, e com o veterano líder negro Jesse Jackson, que reclamou com palavras chulas de uma suposta tendência de Obama a não ser condescendente com os negros. Na sexta-feira, defrontou-se com manifestantes que levantaram um cartaz cobrando mais atenção aos problemas da comunidade negra.

Uma reportagem do "The New York Times" desta semana mostrou que desde 1994, quando lecionava na faculdade de Direito de Chicago, Barack Obama levava para suas classes discussões sobre políticas públicas envolvendo questões raciais, procurando sempre abrir um debate sobre alternativas multirraciais.

Uma das questões que levantou em classe, por exemplo, foi sobre a política de adoção de crianças negras, que alguns estados queriam limitar a pessoas negras, com o apoio de organizações sociais de trabalhadores negros, sob a alegação de que a adoção pela mesma raça daria à criança um senso de identidade mais forte.

O professor Obama opunha a esse raciocínio os que consideravam essa política racista e prejudicial às milhares de crianças necessitadas de adoção, inclusive famílias brancas interessadas em adotar crianças negras.

Colocando temas como esse em classe, Obama, dizem agora seus ex-alunos e antigos colegas professores, parece que estava testando suas próprias posições, numa espécie de treinamento para a carreira política que acabaria abraçando, em vez da carreira acadêmica, que não parecia ser seu destino já naquela época.

Esse tema de crianças negras sem família, aliás, foi o que levou às queixas do Reverendo Jesse Jackson, que depois se desculpou. Obama havia criticado num comício o fato, apontado por pesquisas, de que crianças negras são mais passíveis de crescer em lares sem pai, exortando os homens negros a assumirem suas responsabilidades diante da família.

Uma pesquisa do instituto Pew Research mostra que negros tendem a casar menos que os brancos, e a terem mais filhos fora do casamento. Também a agência do Censo dos Estados Unidos mostra que crianças negras formam o único grupo mais provável de viver com uma mãe solteira do que em uma família com pai e mãe.

A crítica de Obama está respaldada não apenas em seu histórico de preocupação com o tema, mostrando sua coerência no debate. Outra pesquisa mostra que Obama é visto pela grande maioria dos eleitores negros (72%) como um candidato que se preocupa com os problemas e necessidades de pessoas comuns. Entre os brancos, estas porcentagens são muito menores, 31% e 32%, respectivamente.

Jonas Zoninsein, professor da Universidade de Michigan, um estudioso das políticas de ação afirmativa, acha que Obama encarna as ambições dos liberais negros que tiveram sucesso em sua integração na sociedade americana desde os anos 1960.

"Obama entende que o franchise (concessão) para as minorias nos EUA é expansivo, que a institucionalidade da democracia americana tem condições de progressivamente incorporar todas as minorias, inclusive os negros", ressalta Zoninsein, para quem "as lutas sociais, econômicas e políticas são necessárias, mas o sistema criado pelos fundadores da República funciona e funcionará, é uma questão de tempo, de políticas específicas, de negociações, de lideranças (no caso concreto, ele seria um destes líderes) que entendam os desafios do momento presente".

O professor Jonas Zoninsein diz que Obama, no momento, encarna a síntese do multirracialismo na sociedade americana, uma tendência emergente que ainda estaria restrita a certos grupos, defendida principalmente pelos conservadores, com parentesco com o conceito da democracia racial no Brasil, e os que defendem a integração da minoria negra, sem assimilação à cultura anglo-saxônica.

"Neste sentido, Obama representa uma frente mais ampla que o Jesse Jackson. Obama sendo filho de mãe branca, de classe média, intelectual, liberal, com pai negro do Quênia, muçulmano, não é um negro americano no sentido original da expressão. Isto em si pode ser relevante".

As reações localizadas à essa nova liderança estariam mais à esquerda, nos líderes negros que têm duvidas e desconfiam dele. "Ele representaria uma ilusão de integração, portanto, reduzindo potencialmente seu apoio entre as comunidades negras empobrecidas, excluídas e isoladas socialmente", que seriam um terço mais ou menos do total.

São essas organizações que protestam, como os de sexta-feira, exigindo de Obama uma posição menos pós-racial, que ele não pretende assumir por entendê-la ultrapassada pela realidade.

Segundo o professor Zoninsein, "as negociações com organizações da sociedade civil e igrejas, assim como propostas concretas ao longo dos próximos meses, vão definir o que vai acontecer", mas, no momento, o apoio entre as minorias negras a Obama é bastante sólido.

DEU NA FOLHA DE S. PAULO


FANTASMAS
Eliane Cantanhêde


BRASÍLIA - Se você espremer o que vem sendo publicado sobre os e-mails do "embaixador" das Farc no Brasil, Olivério Medina, ao seu "chanceler", Raúl Reyes, morto pelo Exército da Colômbia em março, não sobra muita coisa.

Medina, que mora em Brasília, cita nas mensagens deputados do PT e integrantes do governo Lula, como Celso Amorim e Marco Aurélio Garcia. Sim, e daí? Poderia citar A, B ou C, assim como qualquer um pode me citar ou citar você. Não há referência a gestos, ações ou movimentos concretos que caracterizem uma aliança com a guerrilha.

Até prova em contrário, os e-mails não têm conteúdo prático, mas um forte componente político: alguém do governo Álvaro Uribe está vazando textos e nomes no mínimo para constranger o Brasil.

Por quê? Ninguém sabe, nem mesmo os interessados. A suspeita é que o ministro da Defesa, Juan Manuel Santos, candidato à sucessão de Uribe, queira endurecer ainda mais a política interna.

O resultado é que ninguém fala mais em Daniel Dantas, e o novo foco de investigação é se as Farc financiaram campanhas no Brasil e se há vínculos entre o governo e o PT com um grupo que seqüestra e mata às centenas, ou milhares.

Por coincidência (sem ironia), a revista colombiana "Câmbio" circulou com os e-mails e nomes justamente no dia da audiência pública promovida pelo Ministério da Justiça sobre a reabertura da anistia, para processar torturadores.

Do outro lado desse Muro de Berlim à brasileira, militares reagiram com sarcasmo. "O pessoal das Farc está todo lá [na reunião]", disse um oficial. Segundo ele, exagerando, os que querem processar militares são os mesmos que pagam fortunas em indenizações para quem seqüestrou, assaltou bancos e explodiu bombas -como as Farc...

Enfim, os e-mails da guerrilha não provam nada, a não ser que setores do governo Uribe estão doidos para constranger o governo brasileiro. E estão conseguindo.

DEU NA FOLHA DE S. PAULO


DE FATOS E PREVISÕES
Clóvis Rossi



SÃO PAULO - Alguma coisa não fecha nos números recentes da economia brasileira. Por partes: 1 - O desemprego de junho foi o menor em 10 anos para esse mês.

Significa, portanto, que há mais pessoas com emprego e, por extensão, com renda, do que havia no ano passado, na mesma altura.

2 - A turma continua tomando crédito com um apetite invejável, mesmo com o aumento dos juros.

Vale a cultura de que não importa o quanto se paga de juros, mas se a prestação cabe ou não no bolso, como disse Altamir Lopes, chefe do Departamento Econômico do Banco Central, quando foram divulgados os dados sobre crédito no primeiro semestre (crescimento de 14%).Se o crédito cresce é porque os consumidores têm confiança em seu próprio taco e, por extensão, ânimo para ir às compras, certo? 3 - Não obstante, a previsão de crescimento da economia para este ano foi reduzida para 4,8% pelo tal de mercado, apesar de, no ano passado, o PIB ter aumentado 5,4%.

Pior: para o ano que vem, a previsão é de medíocres 3,9%.

Tudo bem que previsões -do mercado ou de economistas- foram feitas para serem desmentidas pelos fatos, o que, no Brasil, ocorre com espantosa freqüência.

Ainda assim, é difícil entender o relativo pessimismo da previsão, quando vários fatores reais (e não previsões) levam a supor que daria para repetir, basicamente, o resultado de 2007. A saber: há segurança quanto ao emprego e, portanto, com a renda; há confiança em tomar créditos. Foram esses dois fatores (renda e crédito) que ajudaram muitíssimo no crescimento de 2007.

A menos que os palpiteiros não acreditem na cultura do juro que cabe no bolso e achem que as contínuas elevações das taxas acabarão mais cedo que tarde por derrubar o consumo e o crescimento. A ver.

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)


CHAMEM OS FILÓSOFOS
Alberto Dines

Perplexo diante do mundo? Quer entender o que está se passando em tantas esferas simultaneamente? A avalancha de informações diárias não consegue se articular para sossegar as suas angústias?

Então, uma boa notícia: sempre foi assim. O ser humano, apesar da mente privilegiada, é no fundo um zumbi, vagueando desnorteado a horas mortas nos quatro cantos do mundo. Para ajudá-lo, existem os filósofos cujo oficio é ocupar-se com as perguntas irrespondíveis e inabaláveis. Quando os questionamentos mostram-se permeáveis a uma explicação, deixam de ser eternos. Neste caso, recorra aos poetas e artistas e, dependendo da esfera em que ocorrem, convoque historiadores – eles sabem que nada mudou, apenas as circunstâncias.

O raciocínio, evidentemente, não se aplica àqueles cujas dúvidas foram resolvidas através das diferentes adesões religiosas. Estes são teoricamente infensos ao atordoamento, jamais se sentirão à beira do abismo embora tão sujeitos a despencar nele como os descrentes.

No âmbito mundial, graças ao distanciamento, é menos complicado entender e desfiar o grande novelo. As metamorfoses visuais e profissionais de Radovan Karadzic são o lado patético da tragédia que enlutou a Europa e a humanidade ao longo de todo o século passado. A xenofobia étnica e religiosa da qual ele é a expressão contemporânea mais bestial são os pavios das duas grandes guerras (1914 e 1939) e da sangueira na ex-Iugoslávia. A perseguição aos ciganos hoje na Itália só não lembram Mussolini para os infelizes que não sabem quem foi Mussolini.

Era inevitável o colapso da rodada de Doha porque faltava um suporte político (espiritual ou humanitário) capaz de amparar o convívio entre sistemas e interesses econômicos tão diferenciados. O fenômeno da globalização tem sido tocado apenas por motivações fisiológicas (ou fisiocráticas), por isso converteu-se no corolário do aquecimento climático mundial. As soluções pacificadoras são viáveis quando o objetivo claramente enunciado é a paz e não as pequenas tréguas.

No cenário brasileiro, as aflições e indignações por mais díspares que sejam, têm origem única: nossa democracia é insuficiente, precária, limita-se ao cumprimento estrito do calendário eleitoral e algumas de suas exigências mais visíveis. Não necessariamente as fundamentais.

O Estado de Direito como construção social, a isonomia como um princípio moral cotidiano, o sistema da representação popular com o equilíbrio entre os poderes são ficções e como todas as ficções mais ou menos próximas da realidade. Nunca incorporam-se à realidade. A corrupção assumiu o lugar da mãe de todos os malefícios simplesmente porque não conseguiu ser qualificada como subversiva, delito contra a ordem constitucional. A surpreendente conversa telefônica sobre o caso Daniel Dantas entre o advogado Luís Eduardo Greenhalgh e o chefe de gabinete da presidência, Gilberto Carvalho só teria conseqüências numa sociedade há muito liberada da tirânica lei "aos amigos, tudo".

Aqui, tudo começa e acaba na corrupção porque combatê-la, ao invés de converter-se em símbolo de um grande pacto nacional, virou kitsch, estigma do moralismo pequeno burguês. A organização criminosa que operava o mensalão não apenas enchia os bolsos, maletas e cuecas de dinheiro, ela solapava as bases da nossa democracia. Reconhecer isso exige sacrifícios que talvez só os filósofos são capazes de oferecer.

A tortura imposta aos cidadãos pelos perversos call centers e pela impostura dos Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) é um atentado diário aos direitos humanos. Totalitarismo da corporação empresarial associado ao autoritarismo dos agentes públicos encarregados de fiscalizá-la.

A greve dos correios de 20 dias penalizou a sociedade inteira, causou enormes prejuízos aos mais carentes, sequer foram oferecidos os serviços mínimos garantidos por lei, mas a pane de 24 horas na internet mobilizou as autoridades que exigiram reparações aos usuários prejudicados – os mais ricos.

A devida percepção das nossas carências democráticas tornaria tudo mais fácil, mais justo e, sobretudo, menos impiedoso. Antes disso é preciso convocar os filósofos para lhes propor aquelas perguntas sem respostas, inconformadas, inconvenientes. Eternas.


» Alberto Dines é jornalista.